O infectologista Adriano Silva fala com exclusividade sobre o assunto
Eu me lembro da noite em que ao ver uma notícia no Fantástico, da Rede Globo, soube da existência desta nova doença, a AIDS. O mundo se tornou mais sombrio para mim naquele momento e eu pensei: já não basta o que temos de problemas no mundo e ainda vem isso? Era o começo dos anos 80 e o pesadelo que se anunciou ali, acabou por se tornar realidade.
O balanço feito hoje é de que cerca de 38 milhões de pessoas vivem com o vírus causador da AIDS no mundo. Desde os primeiros casos em 1981, um número semelhante de infectados morreu em decorrência da doença.
Dia primeiro de dezembro é o Dia Mundial de luta contra a AIDS, que este ano tem como tema “Comunidades Liderando”. A ideia é que as comunidades podem ajudar muito no combate à doença porque conectam serviços de saúde pública com as pessoas, colocando-as no centro da resposta, constroem confiança, inovam, monitoram a implementação de políticas e serviços, e responsabilizam os setores provedores.
Eu conversei com o médico infectologista e clínico geral, referência em Infectologia do Hospital Aliança e titular de Infectologia pela Sociedade Brasileira de Infectologia, Adriano Silva sobre vários aspectos relacionados a esta pandemia que ainda traz muito sofrimento à humanidade.
DP – O relatório global O caminho que põe fim à aids, divulgado recentemente pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids), prevê o fim da pandemia da doença até 2030. Temos tecnologia suficiente para erradicar a AIDS do planeta?
AS – Nesse exato momento, não. Porém, a tecnologia vem avançando rapidamente. Além disso, como o maior enfoque que passamos a ter em investimentos em saúde depois da pandemia, muito desses conhecimentos poderão e serão aproveitados para combate ao HIV. Assim como muitas descobertas contra o HIV foram usadas para combate a outras patologias.
DP – Mas ter a tecnologia para fazer isso é suficiente? As escolhas políticas e financeiras interferem de que forma?
AS – A tecnologia é o essencial. De fato, as pesquisas avançam mais rápido ou não também como resultado de uma vontade política. Vínhamos numa toada de pesquisas intensas contra o HIV nos anos 90. Bastou os EUA se envolverem em uma guerra atrás da outra para todos esses recursos minguarem.
DP – Os números sobre a doença em 2022 no mundo apontam que a cada minuto uma pessoa morre em decorrência da aids; cerca de 9,2 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao tratamento, incluindo 660 mil crianças que vivem com HIV. A AIDS ainda é uma pandemia?
AS – Sim. Ainda é uma pandemia e assim será até que tenhamos controle dela em todas as comunidades. Ainda é um importante causa de morte e sofrimento. Um sofrimento que não é só físico, mas também social.
DP – É preciso um compromisso da pesquisa com a luta contra o estigma, a discriminação e o racismo para se conseguir combater a doença?
AS – A luta contra o preconceito de toda natureza é importante. O preconceito é terreno fértil para AIDS e para outras doenças. Durante muito tempo a África do Sul teve números alarmantes de AIDS por causa do preconceito racial. Os negros achavam que AIDS era coisa de brancos efeminados. Os brancos pensavam que a AIDS era coisa de negros pobres e imundos. Assim, o preconceito racial, durante muito tempo, foi o alimento da AIDS naquele país. E provavelmente, ainda o é em menor grau.
DP – Quais os grandes desafios que enfrentamos em relação ao HIV/aids no Brasil hoje?
AS – Educar o jovem. Eles são as principais vítimas do HIV no Brasil de hoje. São pessoas que nasceram depois que o tratamento surgiu. Eles não se assustaram com o início da pandemia e, por isso, pouco temem a doença. Dessa forma, não se previnem.
DP – O que temos de avanços que podem mudar para melhor o combate à doença?
AS – Menos preconceito contra o HIV positivo. Vagarosamente ele tem melhorado. Temos tratamentos menos tóxicos, mais eficazes com menor quantidade de comprimidos ao dia. Hoje podemos tratar um paciente com apenas duas medicações ambas em um único comprimido ao dia. As novas tecnologias de prevenção (Prep) baseadas em uso de medicamentos que previnem a contaminação para os indivíduos que não se adaptam ao uso de preservativo. Mães HIV positivas recebem suporte de leite artificial para seus filhos de forma gratuita para evitar que os mesmos adquiram o vírus pelo aleitamento. Enfim, temos uma situação bem mais confortável que há 20 ou 30 anos.
DP – Como o senhor observa a forma como a população encara os riscos de contrair e lidar com a doença nos dias de hoje ?
AS – Principalmente os jovens negligenciam a possibilidade de adquirir o vírus. Estão mais preocupados com a possibilidade de gravidez que a de adquirir uma infecção sexualmente transmissível, notadamente a AIDS.
Para saber sobre a cronologia da doença: https://www.dw.com/pt-br/a-cronologia-do-hiv-uma-pandemia-de-40-anos/a-59989219