“Mundo Afro” é uma antologia do cancioneiro dos blocos afro e afoxés da Bahia. O álbum reúne sete das mais importantes entidades afro de Salvador – Filhos de Gandhy, Ilê Aiyê, Olodum, Malê Debalê, Muzenza, Didá e Cortejo Afro – num registro fonográfico de alta qualidade técnica e artística com produção musical de Alê Siqueira. Composto por 21 faixas, o disco terá lançamento digital pelas plataformas de streaming no dia 18 de fevereiro, data em que o Afoxé Filhos de Gandhy comemora 76 anos. Uma edição limitada em vinil duplo está prevista para maio.
A produção é da Janela do Mundo, com distribuição da Altafonte e patrocínio via Programa de Isenção Fiscal Viva Cultura, da Prefeitura de Salvador, Secretaria Municipal da Fazenda – SEFAZ, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo – SECULT e Fundação Gregório de Mattos – FGM.
Salvador é o berço do primeiro bloco afro fundado no Brasil, o Ilê Aiyê, fundado no ano de 1974, e também sedia o nosso mais antigo afoxé, o Filhos de Gandhy, criado em 1949. A existência dessas entidades complexas passa pela sua formação religiosa, tendo as casas de candomblé como berços, onde o senso de comunidade e de preservação dão o tom. É da música religiosa que vêm os tambores que reverberam a potência e intensidade do trabalho de blocos afros e afoxés. Para além do ritmo, o repertório dessas entidades traz letras com mensagens de conscientização e pesquisas histórico-culturais que mostram o universo negro em sua grandeza. Representatividade, empoderamento, história e fundamento: está tudo lá.
“Mundo Afro” traz três canções de cada grupo: o Afoxé Filhos de Gandhy apresenta “Dandarerê” (composta por Mestre Regi), “Axé, Paz e Amor” (Fito Evolução) e “Alfazema” (Magary Lord, Peu Meurray e Antonio Leonardo); o Ilê Aiyê interpreta “Filhos do Barro Preto” (Rita Mota), “Nzinga Brasileira” (Sandro Telles e Mário Pam) e Matriarca do Curuzu (Paulo Natividade); do repertório do Olodum, podemos ouvir “Dumdum O Pulso Toque do Olodum” (Valmir Brito, Reginaldo Dias e Rui Poeta), “Olodum Firme na Estrada” (Paulo Jorge) e “Olodum Fulalá” (Marquinhos Marques, Raimundo Bida e Bira Afrosambah); o Malê Debalê traz “Que diz meu povo” (Miguel Arcanjo), “Sorri Negão” (Dico) e “Negros Sudaneses” (Claudio Araújo); “Negro lindo” (Adailton Paixão e Zildo), “Jah Jah Muzenza” (Chocolate) e Grito de Liberdade (Adailton Poesia e Valter Farias) são as músicas interpretadas pelo Muzenza; da banda Didá estão no disco as faixas “Neguinho Afrofuturista” (Jorge Alfredo e João Santana), “Uma Nega” (Neguinho do Samba) e “Didá Mulher Guerreira” (Bira Cachoeira); enquanto o Cortejo Afro trouxe os clássicos de seu repertório “Ajeumbó” (Aloísio Menezes, Portella Açúcar e Silvino Neto), “Reza Benzedura e Simpatia” (Aloísio Menezes, Portella Açúcar e Silvino Neto) e “Yabás” (Valmir Brito).
Para Mário Pam, mestre do Ilê Aiyê, o álbum ainda reverbera os 50 anos da criação dos blocos afro, marcados pela fundação do bloco do Curuzu. “Foi muito importante para a gente fazer parte desse projeto, que reúne uma parte importante dessas instituições, tocando percussão e cantando canções que falam sobre as questões do povo negro de Salvador”.
Alê Siqueira explica que o conceito foi “produzir um disco que apresentasse um panorama do universo percussivo afro-baiano, com toda sua pluralidade, diversidade, polirritmias, porque cada bloco tem sua própria linguagem, seus toques e convenções particulares, que dão um sotaque e uma identidade poética única, mas sempre ligados às tradições matriciais africanas”. Tudo isso, segundo ele, em diálogo com a força dos cantos, também com grande influência ancestral, e com as letras profundas, que trazem poesia e reflexão.
O presidente do Cortejo Afro, Rogério Alves de Oliveira, ressalta o ineditismo de um registro coletivo do repertório dessas instituições culturais, apostando no formato de percussão e voz. “Nossa expectativa é que este álbum possa gerar outras oportunidades, dando visibilidade a essa produção musical que é densa e constante; que alimenta, por exemplo, os festivais de música que existem e persistem, mobilizando compositores e artistas todos os anos”.
As gravações aconteceram na sede do Malê Debalê em novembro de 2024, com a percussão ao ar livre. Débora Souza, vice-presidente da Didá, conta que foi uma experiência nova: “Trouxe desafios e oportunidades. Por um lado, capturar a pureza dos sons em um ambiente natural proporcionou uma qualidade acústica distinta; por outro, houve a necessidade de adaptação às condições climáticas e outras variáveis externas”. Ela ainda salienta que “a participação da Didá no projeto não só destacou a força e a criatividade das mulheres no cenário musical, mas também reforçou a importância da preservação e celebração das tradições culturais afro-brasileiras”.
Sobre as instituições culturais
Filhos de Gandhy: Um dos mais antigos e o maior afoxé em atividade na Bahia, é um dos acontecimentos mais memoráveis da festa soteropolitana: um desfile de homens de vestes e turbantes brancos borrifando alfazema, ao som do ijexá, formando um grande tapete branco na avenida. Fundado por estivadores em 18 de fevereiro de 1949, nos primeiros anos, desfilava ao som de canções populares, até que em 1952 o ijexá passou a ser a música executada, transformando o cordão no afoxé que conhecemos. O termo afoxé significa “candomblé de rua” e nomeia os grupos que saem pelas ruas cantando músicas da religião. Desde sua fundação, o grupo se inspira nos ideais de paz do líder indiano Mahatma Gandhi.
Ilê Aiyê: Primeiro bloco afro do Brasil, foi fundado em 1º de novembro de 1974, no bairro da Liberdade em Salvador. Alinhado com o movimento negro que começava a se organizar no país, empenhado na construção de uma identidade negra, propondo um carnaval revolucionário e comprometido na luta contra o racismo, em 1975, o bloco saiu às ruas pela primeira vez com cerca de 100 pessoas, com a líder espiritual Mãe Hilda Jitolu à frente. A valorização da estética do povo negro como forma de manifestação política é uma das características da entidade, que transformou, ao longo de seus quase 50 anos, a autoestima e a consciência política de homens e mulheres.
Olodum: É uma das maiores expressões da música e da cultura baianas, sendo reconhecido internacionalmente e declarado Patrimônio Cultural Imaterial pelo Estado da Bahia. Criado em 25 de abril de 1979, por sete jovens moradores do Centro Histórico de Salvador, seu objetivo era proporcionar uma opção organizada para os moradores do Maciel/Pelourinho aproveitarem o carnaval. Com as participações dos mestres Neguinho do Samba e Jackson, foi peça essencial no desenvolvimento do samba-reggae, misturando o samba com o reggae, o merengue, a salsa e outros ritmos afro-caribenhos. Além do ritmo, suas músicas contam a história do povo negro e do movimento negro, além de registrar a realidade da comunidade do Centro Histórico.
Malê Debalê: Em 23 de março de 1979, moradores do bairro de Itapuã, em Salvador, resolveram fundar um bloco afro, na busca por representatividade no Carnaval. Malê Debalê, nome escolhido, homenageia os negros de origem islâmica responsáveis pelo maior levante de escravizados acontecido em Salvador, a Revolta dos Malês, de 1835. A proposta era perpetuar a combatividade dos malês na luta pelas desigualdades. O Malê tem na dança e na música um elo forte com a tradição cultural afro-baiana, mesclada com as vivências e saberes da comunidade que vive às margens da Lagoa do Abaeté e da praia de Itapuã.
Muzenza: Fundado em 5 de maio de 1981, no bairro da Liberdade, o Muzenza do Reggae tem como inspiração o legado cultural dos afro-jamaicanos, o reggae e suas mensagens antirracistas e libertárias. O bloco possui uma ala formada por rastafáris, reforçando sua forte ligação com o rastafarianismo e a cultura jamaicana, além de uma ala de baianas e alas de dança. A Banda Muzenza, que já se chamou Fanti Ashanti e Gangazumba, é considerada a que desenvolve o maior número de variações rítmicas e teve papel importante na criação e difusão do samba-reggae.
Didá: Neguinho do Samba, nome essencial da criação do samba-reggae, fundou, em 13 de dezembro de 1993, a primeira banda feminina de percussão: a Didá Banda Feminina. Formados apenas por mulheres, a banda e o bloco afro são uma homenagem à força do feminino e ao matriarcado, que caracterizam a história do candomblé na Bahia. Banda feminina de tambores, que rompe a tradição masculina da percussão baiana, a Didá é referência de qualidade musical e estética, desenvolvendo uma nova maneira de tocar percussão que respeita e se adapta ao corpo das mulheres. Já se apresentou ao lado de nomes como Caetano Veloso, Daniela Mercury e Beyoncé.
Cortejo Afro: No terreiro de candomblé Ilê Axé Oyá, um centro religioso em Pirajá, cercado pelo Parque São Bartolomeu e cujo barracão foi projetado pela arquiteta modernista Lina Bo Bardi, sob a inspiração e orientação espiritual da sacerdotisa Mãe Santinha, nasceu, da mente criativa do artista plástico e designer Alberto Pitta, o Cortejo Afro, em 2 de julho de 1998. Com visual exuberante e estética vanguardista, o bloco busca desenvolver uma relação com a arte contemporânea e o intercâmbio com artistas de vanguarda do Brasil e do exterior. Sua banda também dialoga com a música contemporânea, unindo as raízes percussivas do candomblé à música eletrônica. Este diálogo permitiu ao Cortejo desfilar nos carnavais com sua bateria acompanhada de artistas como a islandesa Björk, Arto Lindsay e Caetano Veloso.
Sobre Alê Siqueira
O premiado produtor musical é um dos mais importantes profissionais da área da música brasileira e já trabalhou com nomes como Elza Soares, Tom Zé, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte, Tribalistas, Margareth Menezes, Lenine, José Miguel Wisnik, Chico César, Caetano Veloso, Bebel Gilberto, Paulinho da Viola, João Donato, Funk Como Le Gusta, Grupo Corpo, Timbalada, Daniela Mercury, Leila Pinheiro, Omara Portuondo, Mayra Andrade, Chico Buarque, Jorge Drexler, entre outros. Premiado, venceu Grammy Latino com sucessos como “Tribalista” e “Gracias”, da cubana Omara Portuondo; o Billboard Latin Music Awards, como coprodutor do CD “Flor de Amor“, também de Portuondo; além do Prêmio da Música Brasileira de Melhor Álbum com o CD “As Ganhadeiras de Itapuã”.
MUNDO AFRO – FAIXA A FAIXA
- Reza Benzedura e Simpatia – CORTEJO AFRO
(Aloísio Menezes / Portella Açúcar / Silvino Neto)
2. Neguinho Afrofuturista – DIDÁ
(Jorge Alfredo e João Santana)
3. Alfazema – FILHOS DE GANDHY
(Magary Lord / Peu Meurray / Antonio Leonardo)
4. Matriarca do Curuzu – ILÊ AIYÊ
(Paulo Natividade)
5. Negros Sudaneses – MALÊ DEBALÊ
(Lazinho Boquinha)
6. Grito de Liberdade – MUZENZA
(Adailton Poesia / Valter Farias)
7. Olodum Firme na Estrada – OLODUM
(Paulo Jorge)
8. Ajeumbó – CORTEJO AFRO
(Aloísio Menezes / Portella Açúcar / Silvino Neto)
9. Uma Nega – DIDÁ
(Neguinho do Samba)
10. Axé, Paz e Amor – FILHOS DE GANDHY
(Fito Evolução)
11. Nzinga Brasileira – ILÊ AIYÊ
(Sandro Teles e Mário Pam)
12. Que Diz Meu Povo – MALÊ DEBALÊ
(Miguel Arcanjo)
13. Jah Jah Muzenza – MUZENZA
(George Nascimento Chocolate)
14. Olodum Fulalá – OLODUM
(Marquinhos Marques / Bida / Bira Afrosambah)
15. Yabás – CORTEJO AFRO
(Valmir Brito)
16. Didá Mulher Guerreira – DIDÁ
(Bira Cachoeira)
17. Dandarerê – FILHOS DE GANDHY
(Mestre Regi)
18. Filhos do Barro Preto – ILÊ AIYÊ
(Rita Mota)
19. Sorri Negão – MALÊ DEBALÊ
(Dico Rasta)
20. Negro Lindo – MUZENZA
(Adailton Paixão / Zildo)
21. Dumdum O Pulso Toque do Olodum – OLODUM
(Valmir Brito / Reginaldo Dias / Rui Poeta)
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