Por Doris Pinheiro
A Funceb (Fundação Cultural do Estado da Bahia) lança hoje, dia 31 de março, às 19h, no Teatro Martim Gonçalves (UFBA), a edição ampliada do livro “Harildo Déda: A Matéria dos Sonhos”, uma homenagem ao renomado ator, professor e diretor teatral. O lançamento integra as celebrações do Mês do Teatro e contará com um recital poético conduzido por atores e atrizes que trabalharam com Harildo Déda, sob a direção de Luiz Marfuz.
A edição revisada e ampliada de “Harildo Déda: A Matéria dos Sonhos” conta com 352 páginas e uma primeira tiragem de mil exemplares, abordando o período de 2011 a 2023, ausente na primeira edição publicada em 2011. O livro está dividido em três partes: a primeira, escrita pelo doutor em Artes Cênicas Raimundo Matos de Leão, cobre a biografia de Déda até 2010; a segunda, escrita pelo jornalista e escritor Marcos Uzel, retrata sua atuação entre 2011 e 2023; e a terceira, de autoria do dramaturgo Luiz Marfuz, revisita e atualiza a metodologia artística desenvolvida pelo mestre. O livro conta ainda com um posfácio assinado por Marcelo Flores, discípulo de Harildo Déda e guardião de sua memória.
A obra celebra a trajetória de um dos maiores nomes das artes cênicas da Bahia e do Brasil, reforçando sua relevância para o teatro nacional e internacional. O livro faz parte do projeto “Mestras e Mestres da Cena”, realizado pela Funceb em parceria com a Funarte (Fundação Nacional de Artes), vinculada ao Ministério da Cultura. De acordo com Sara Prado, diretora geral da Funceb, a obra visa não apenas homenagear Harildo Déda, mas também ampliar o acesso à sua trajetória e metodologia para artistas, escolas de artes cênicas, bibliotecas e grupos teatrais em todo o país.
“O teatro é um espaço de encontros, de aprendizado e de transformação. Entre os grandes nomes que marcaram a cena teatral baiana e brasileira, Harildo se destaca como mestre, ator e diretor. Sua trajetória é permeada por talento, dedicação e uma capacidade única de influenciar e inspirar gerações de artistas”, afirma Raimundo Matos de Leão, que diz que conheceu Harildo Déda em 1968, quando ingressou na Escola de Teatro para cursar a formação de ator. “Naquele momento, ele já era aluno da instituição e eu já havia visto alguns de seus trabalhos em cena. Sua presença era marcante e, desde o início, ficou evidente o quanto ele era um artista completo. Mais do que um colega, Harildo se tornou um grande amigo e um verdadeiro mestre para mim. Ele me ensinou muito, tanto de forma direta quanto indireta, e sua influência se fez presente ao longo de toda a minha trajetória no teatro” conclui.
A importância de Harildo Déda para o teatro ultrapassa os limites da Bahia. Seu talento e dedicação o levaram a atuar em novelas da TV Globo e a participar de produções cinematográficas dirigidas por cineastas de diversos estados do Brasil. Seu legado é visível e incontestável: ele formou inúmeros atores, divulgou e fortaleceu o teatro, dirigiu espetáculos memoráveis e elevou a cena teatral baiana a um patamar de excelência. Ele influenciou diretores, iluminadores, cenógrafos, figurinistas e toda a equipe envolvida na construção das artes cênicas. Sua grandeza não estava apenas no talento para interpretar e dirigir, mas na capacidade de tornar todos à sua volta igualmente grandes.

Ele nunca se curvou ao tempo…
“Quando recebi o convite para ser um dos coautores do livro em homenagem a Harildo Déda, estava concluindo a escrita de uma tese de doutorado sobre ele”, diz Marcos Uzel. “Foi uma feliz coincidência que me permitiu um contato direto e profundo com sua história. Tive o privilégio de conversar com ele, ouvi-lo e mergulhar na pesquisa sobre uma fase especial de sua trajetória: a velhice”.
“O que Harildo realizou artisticamente entre os 70 e os 83 anos é simplesmente impressionante. Nessa etapa da vida, ele seguiu ativo e incansável, atuando, dirigindo, promovendo master classes, oficinas, gravando locuções e participando de campanhas publicitárias. O teatro nunca deixou de pulsar nele. Seu compromisso com a arte foi um farol para minha própria jornada, mostrando-me a importância de envelhecer com entusiasmo, criatividade e amor pela vida”. Para mim, Harildo foi um rei em seu reinado, um artista gigante em todas as fases da carreira. Ele nunca se curvou ao tempo ou às limitações da velhice. Pelo contrário, seguiu avesso ao recolhimento, respirando teatro e mantendo viva a paixão pelo ofício. Era referência do passado e do presente, mas sempre com os olhos voltados para o futuro da arte”, afirma o jornalista e escritor.
Entre 2011 e 2023 Harildo Déda manteve um ritmo impressionante, participando de pelo menos um espetáculo por ano, às vezes dois. Esse envolvimento contínuo é um referencial fundamental para artistas que estão iniciando suas trajetórias. Mestre com M maiúsculo, mas também um eterno aprendiz, ele compartilhava vivências e saberes com artistas de todas as idades. Costumava brincar dizendo ser um “vampiro da juventude”, absorvendo energia dos mais jovens. E que privilégio para aqueles que tiveram a chance de aprender com ele e carregar adiante seu legado!
O legado de Harildo Déda no teatro baiano

Luiz Marfuz, dramaturgo, diretor e pesquisador do teatro, tem sido uma voz fundamental na preservação e análise do legado de grandes nomes da cena teatral baiana. Com a nova edição do livro sobre Harildo, Marfuz amplia a visão sobre sua carreira e suas contribuições, trazendo uma análise detalhada dos métodos e princípios que marcaram sua forma de atuar e dirigir.
Marfuz destaca que Harildo sempre se recusou a aceitar a ideia de que possuía um método fixo. No entanto, suas abordagens revelam padrões recorrentes, que podem ser vistos como um sistema próprio de trabalho. Com influências que vão de Stanislavski a Grotowski, passando pelo teatro popular e pelo Cordel, Harildo desenvolveu um olhar singular sobre o ofício do ator.
“O talento de Harildo sempre foi uma construção permanente”, afirma Marfuz. “Ele possuía habilidades raríssimas e estava sempre em busca de renovação. Se pudéssemos caracterizar sua metodologia, diríamos que ela se baseia no foco no trabalho do ator, na individualidade de cada intérprete e em uma profunda escuta do que aquele artista precisa para se desenvolver.”
Ainda que tenha utilizado elementos de diferentes tradições teatrais, como a segunda fase do método de Stanislavski e os princípios de ressonância corporal de Grotowski, Harildo nunca se prendeu a um único caminho. Para ele, cada ator exigia uma abordagem distinta, que poderia começar pela leitura do texto, pela improvisação ou até mesmo por um exercício físico específico.

A importância de Harildo Déda para o teatro baiano
Harildo Déda não apenas influenciou gerações de artistas, como também se destacou por sua generosidade e compromisso com a formação teatral. Para Marfuz, a presença de Harildo na cena baiana foi essencial para sua evolução e continuidade.
“Ele atravessou gerações com uma capacidade de renovação infinita. Sua generosidade era um de seus traços mais marcantes. Ajudava atores iniciantes, emprestava livros, oferecia suporte financeiro quando podia. Era um professor e encenador que via o ator como um ser completo, que precisava ser entendido tanto em sua arte quanto em sua vida pessoal, diz Marfuz.”
Harildo se tornou um farol para muitos artistas, mesmo para aqueles que não seguiam sua metodologia. Sua influência transcende técnicas e métodos, tornando-se uma referência para diversos profissionais da cena teatral, independentemente de suas abordagens individuais.
“Quanto mais estudamos o trabalho de Harildo, mais percebemos a riqueza de sua contribuição. No novo livro, passamos de sete para doze procedimentos de construção da cena e direção de ator, mas esse número pode crescer indefinidamente. O teatro de Harildo é inesgotável, e sua presença na memória da cena baiana é um presente para todos nós.”