PARTE 1
No século XVII o movimento acadêmico se difundiu nos grandes centros cosmopolitas europeus. A temática de interesse dividia as academias em dois grandes grupos: o daquelas que se mantinham dedicadas aos estudos literários e o das que começavam a se interessar pelas ciências experimentais, e tiveram como estratégia buscar especializar-se em alguma área de conhecimento (KANTOR, 2004). Em Portugal, as academias dedicadas ao estudo da literatura nacional surgiram desde o início do século XVII, patrocinadas pelos membros da primeira nobreza da Corte. As principais academias portuguesas do século XVII foram: a Academia dos Singulares (1628), a Academia dos Generosos (1647), a Academia dos Únicos (1691) e a Academia das Conferências Eruditas, de 1696. A dos Generosos funcionou até o século XVIII e promovia estudos sobre mitologia, história romana e história nacional (CASTELLO-BRANCO, 1973).
No Império Português, paralelamente à formação ofertada pelas ordens religiosas, principalmente pelos colégios jesuítas, a difusão do conhecimento se dava por meio dessas academias literárias. No século XVIII, funcionou um número maior de academias, dentre elas: a Academia dos Ocultos, que teve a sua última conferência pouco antes do dia do terremoto de Lisboa de 1755; a Academia dos Anônimos; a Academia dos Ilustrados; a Academia Problemática; a Academia dos Aplicados; a Academia dos Unidos de Torre de Moncorvo; a Academia Vimaranense; a Academia dos Escolhidos e a Arcádia Lusitana ou Olissipone (CASTELLO-BRANCO, 1973).
A Academia dos Generosos funcionou como Academia Portuguesa no início do século XVIII e integrou-se, em 1720, à Academia Real de História Portuguesa fundada por D. João V, cujos membros mantinham uma extensa rede de contatos pela Europa, principalmente com a Itália. O próprio rei, D. João V, era membro da Arcádia de Roma, como também o 4º Conde da Ericeira, promotor do intercâmbio direto com a academia italiana e com importantes historiadores do período. Ele mantinha contato com a Real Academia de São Petersburgo, intermediado pelo médico português António Ribeiro Sanches, e era responsável pela inserção das academias portuguesas e luso-brasileiras na rede internacional de academias.
A importância da Academia Real Portuguesa não se revelou pela sua produção, mas, sim, pelo papel político de afirmação dos direitos da Coroa Portuguesa na época da redefinição do Tratado de Tordesilhas e na busca do equilíbrio diplomático frente à instabilidade das alianças entre as potências europeias, pois era comum a convocação dos historiadores régios para auxiliar os diplomatas nas negociações. Assim aconteceu com o padre Manuel Caetano de Sousa, membro da Academia Real, convocado para refutar as interpretações defendidas pelos espanhóis sobre a Colônia do Sacramento, no Tratado de Utrecht. A defesa de Manuel Caetano apelou para a geografia, a história e a teologia a fim de embasar a reflexão sobre “a equivalência entre ‘conquista’ e ‘colônia’, concebidos como espaços territorialmente indefinidos.” (KANTOR, 2004)
Ao lado de estrangeirados (assim eram chamados os portugueses que estudavam fora de Portugal), como o médico António Nunes Ribeiro Sanches e o Conde da Ericeira, Manuel de Azevedo Fortes, engenheiro militar, escritor e professor da Aula de Fortificação e Arquitetura Militar de Lisboa, foi outro ilustre membro da Academia Real. Preocupado pela inexistência de levantamentos cartográficos sobre todas as possessões do Império, propôs a formação de engenheiros militares capacitados para a elaboração desses mapas. A importância da demarcação dos territórios era, então, tema principal e atuação prioritária para os acadêmicos. O brasileiro Alexandre de Gusmão, secretário do rei, e membro da Academia Real desde 1732, foi importante intermediário entre governadores e letrados em visita ao Brasil, e lhes sugeria sempre anotar as informações sobre os conhecimentos geográficos e históricos de cada região da grande colônia americana.
Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal, um ilustrado, também era afeiçoado às discussões teóricas dos salões e academias. Proveniente de uma família de pequenos fidalgos, sua vida política se iniciou no reinado de D. João V, quando atuou como diplomata, no período de 1739 a 1743, na Corte Britânica, cargo que lhe permitiu manter um círculo de amigos e conhecidos, inclusive importantes estudiosos das ciências. Promovia reuniões em que eram debatidos os fatores históricos e políticos que ocasionaram o crescimento e o enriquecimento da França e da Inglaterra. Este contato tão próximo foi fundamental na construção das prioridades reformistas promovidas quando ministro de D. José I (MAROCCI, 2011).
Em 1779 foi fundada a Academia das Ciências de Lisboa, que teve como mentores o 2º Duque de Lafões e o abade José Correia da Serra, além do apoio de D. Maria I. O italiano radicado em Portugal, Domingos Vandelli, professor de ciências naturais e de química da Universidade de Coimbra, foi um dos seus idealizadores. De acordo com o site da Academia, os seus fundadores afirmavam que ela era “consagrada à glória e felicidade pública, para adiantamento da instrução nacional, perfeição das ciências e das artes e aumento da indústria popular.” As atividades se distribuíam em três áreas: Ciências naturais, Ciências Exatas e Belas-Letras. Até o século XIX, a Academia manteve atividades de ensino científico e fomentou estudos e pesquisas primordiais para a consolidação de importantes instituições: a Instituição Vacínica (1811); a Comissão Geológica (1857) e o Curso Superior de Letras (1859).
Essas academias reuniam profissionais das mais diversas áreas para produzir informações, relatórios, mapas e estudos sobre os assuntos que interessavam à Coroa Portuguesa. Além das ações voltadas ao domínio territorial, portanto, à necessidade de demarcação das fronteiras com as possessões pertencentes a outros reinos, havia a preocupação em investigar a fauna e a flora das colônias, o que levou a elas especialistas em botânica, por exemplo.
REFERÊNCIAS
CASTELLO-BRANCO, F. Significado cultural das Academias de Lisboa no século XVIII. Portugaliae Histórica, Lisboa, v. 1, 1973.
KANTOR, I. Esquecidos e Renascidos: historiografia acadêmica luso-americana, 1724-1759. São Paulo: Hucitec; Salvador: Centro de Estudos Baianos/UFBA, 2004.
MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa: transformações em Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.