Por Reynivaldo Brito
O Gentil trabalhando em seu atelier
A maioria das pessoas adora sair nas fotografias das redes sociais e mesmo nos álbuns de família alguns anos mais novas, outras exageram e colocam filtros e saem com a cara de vinte e cinco a trinta anos atrás, quando na realidade já passaram dos cinquenta ou sessenta.
Com o passar dos anos é inevitável o aparecimento das rugas nos rostos, nas mãos uns sinais escuros e os cabelos começam a embranquecer. Tenho vivido esta experiência principalmente quando entrevisto mulheres, mas também alguns homens reagem assim. Vão logo dizendo que saiu feio ou feia nas fotos.
Aprendi durante muitos anos sendo repórter, chefe de reportagem e editor geral que a foto jornalística preza pela descontração, pelo instantâneo. Muitas vezes são instantes únicos e que jamais serão repetidos o gesto e a expressão daquele clic momentâneo. Geralmente são essas fotos as escolhidas.
Quando se trata de uma revista de moda, um magazine de venda de produtos as fotos são estudadas, posadas e repetidas várias vezes. Lembro que certa vez quando fui cobrir a gravação de uma daquelas novelas de grande audiência na Globo numa locação no Convento do Carmo, em Salvador, uma cena em que a atriz aparecia numa janela para falar uma frase foi repetida mais de vinte vezes.
Não estou exagerando, e o diretor ainda deu uma bronca no ator que contracenava com ela. Fizemos as fotos, tomei uns depoimentos e fomos embora abandonando aquela tortura.
Imagine o que passam os caricaturistas quando vão apresentar uma caricatura de alguém para ser avaliada e publicada num jornal ou revista. Sim porque é da essência da caricatura apresentar exageradamente os traços mais significativos do personagem.
Por exemplo, se o Gentil for fazer a caricatura de alguém que tem um nariz grande evidente que vai ressaltar o tamanho do nariz daquele indivíduo. E a arte de exagerar e distorcer com proporcionalidade é muito difícil e exige habilidade do artista. Dito isto estou aqui diante de um dos bons caricaturistas que conheci nos anos que passei no Jornal A Tarde e também fora das redações lendo jornais e revistas de várias origens.
É o Gentil, de corpo esguio, barba rala e rápido que nem uma metralhadora para falar. Sempre iniciando a frase com a expressão cara… Mas, relutou em prosseguir quando lhe disse que desejava entrevistá-lo sobre seu trabalho. Parece uma contradição este acanhamento, porém é um traço forte da sua personalidade.
Não tolera falar de si e de seu trabalho. Entendo que não adianta ser um excelente artista e guardar sua obra num baú. Tem que mostrar e falar para as pessoas apreciarem, opinarem e assim a obra ganha vida própria porque as pessoas vão se emocionar ou não, darão suas opiniões, comentarão e surgirão narrativas as mais diversas e cheias de coisas curiosas. No zap do Gentil tem esta caricatura acima de Gilberto Gil que revela a qualidade do seu traço e a sua sensibilidade em captar o essencial.
Fonseca
QUEM É
Seu nome é extenso João Alberto Gentil de Moraes Bandeira, nasceu em 20 de junho de 1961, em Salvador, no bairro da Liberdade. É filho de Carlos Alberto de Moraes Bandeira e d. Odete Borges Bandeira. É casado e tem uma filha adulta. Uma curiosidade é que seu pai nasceu no casarão colonial onde hoje funciona a Caixa Cultural o qual na época pertencia ao seu bisavô Eduardo Dias de Moraes Bandeira, que foi um dos responsáveis pela construção da igreja nova de São Pedro, que fica no Largo da Piedade, na esquina com a Avenida Sete de Setembro, em Salvador.
Antes a antiga igreja de São Pedro ficava próxima onde hoje está o Relógio de São Pedro e foi demolida para a construção daquele trecho da Avenida Sete de Setembro. No casarão também já funcionaram a Rádio Sociedade da Bahia e os jornais Diário de Notícias e Jornal Estado da Bahia, que pertenciam ao Assis Chateaubriand, do grupo Diários Associados. Depois seus pais se transferiram para o bairro do Monte Serrat, na Cidade Baixa, e ele passou a estudar desde o primário até a conclusão do segundo grau no Colégio da Polícia Militar.
Quando chegou a adolescência foi trabalhar e largou os estudos. O gosto pela arte já tinha se manifestado durante todo o tempo que estudou na feitura dos trabalhos escolares. Teve um professor que foi fundamental para despertar mais ainda o seu talento. O professor era o Andraus, um mestre do Desenho que sempre chegava nas salas de aulas carregando imensos e pesados materiais como um compasso, um esquadro e uma régua, todos de madeira.
Ele desenhava no quadro negro com uma facilidade incrível deixando seus alunos boquiabertos tal a sua habilidade. Quando ele pronunciou o nome Andraus me veio à mente os anos que estudei no Colégio Antônio Vieira e o professor de Desenho era o Andraus. Ele era branco, tinha umas entradas no cabelo, e falava rápido e uma capacidade incrível em desenhar.
O Gentil teve a sorte que seu primeiro emprego foi no Departamento de Arte da TV Itapoan que era dirigido pelo cenógrafo Alecy Azevedo (falecido) que fazia as cenografias dos programas da emissora. Lembra Gentil que o Alecy tinha belas esculturas de sua autoria e que durante o carnaval e outros festejos ele sempre trabalhava fazendo as decorações de clubes.
Inclusive uma ocasião decorou o Clube Bahiano de Thenis, que fica no bairro da Barra, em Salvador, quando ele criou várias máscaras que foram dependuradas nas laterais da agremiação. Em 2018 foi feita uma exposição na igreja da Barroquinha com dezesseis Orixás em tamanho natural das divindades africanas, esculpidas em papel marchê pelo artista plástico Alecy Azevedo (in memoriam). As obras integram o acervo do Museu da Cidade que foi fechado durante a gestão de ACM Neto na Prefeitura Municipal.
Depois de trabalhar ao lado de Alecy o Gentil foi para a Televisão Educativa, que estava em processo de instalação onde ficou por sete anos trabalhando no Departamento de Arte. Cansado com aquela monotonia de funcionário público decidiu pedir demissão e foi trabalhar como free lancer desenhando.
Outra forte razão de largar o serviço público foi porque na época do Governo Nilo Coelho o salário perdeu seu valor de compra. Confessa que foi uma experiência rica porque conheceu vários artistas entre eles Guache Marques, Márcio Meireles e muitos outros que passaram por lá. Assim foi se relacionando no ambiente artístico até que surgiu outra oportunidade com a saída do cartunista Paulo Setúbal, que trabalhava no jornal A Tarde e foi ser juiz classista do Trabalho, em Juazeiro, interior da Bahia e o indicou para substitui-lo.
Estávamos no ano de 1995 e Gentil permaneceu em A Tarde durante dezoito anos saindo em 2013. Lá fez várias capas para o Suplemento Cultural que era dirigindo por Florisvaldo Matos, além de muitas outras ilustrações e charges publicadas no jornal durante todo este período.
DIGITAL X ANALÓGICO
Brincando o Gentil disse que está travando uma luta particular porque sempre trabalhou desenhando a mão e quando passou a usar um programa de computador as coisas fluíram com muito mais velocidade e as vantagens de fazer modificações são infinitas. No entanto o Gentil está se esforçando para não deixar de lado o analógico, o desenho feito à mão diretamente no papel.
Também ficou uns tempos sem pintar em tela e que agora já está com umas telas as quais pretende fazer algumas pinturas. Recentemente esteve com o professor Eduardo Tudella que é da Escola de Teatro, e lançou recentemente um livro intitulado “A Luz na Gênese do Espetáculo”, e também lhe incentivou a voltar a pintar. O Eduardo é light-designer e foi o responsável pela decoração do Rock in Rio, que funcionava no antigo shopping do Aeroclube, em Salvador, o qual pertencia ao grupo dono do shopping Iguatemi, hoje Shopping Bahia. Inexplicavelmente deixou de funcionar prejudicando dezenas de comerciantes. No Rock in Rio o Eduardo Tudella fez toda a decoração e nos pilares tinham umas caricaturas feitas pelo Gentil.
Quando perguntei se já teve algum problema de censura ou mesmo de desagradar a alguém por causa de uma charge de sua autoria ele lembrou que fez uma vez uma charge mostrando a escalada de violência na Bahia e um dos personagens era um ladrão de cor negra. Foi abordado por alguns colegas que disseram “A comunidade negra está aborrecida com você. Mas, não passou disto.” Certamente foi no tempo da exacerbação do politicamente correto que se espalhou como um rastilho de pólvora em nosso país.
criando mais uma de suas charges
MUITAS OBRAS
O Gentil tem realizado inúmeros trabalhos de artes gráficas e design. Recentemente fez todo o projeto gráfico da Revista da Associação Baiana de Imprensa, fez uma cartilha em formato de história em quadrinhos contando todo o fato histórico da Independência da Bahia no Dois de Julho de 1883.Como vocês sabem a Independência da Bahia, também chamada de Independência do Brasil na Bahia, foi um movimento que, iniciado em 19 de fevereiro de 1822 e com desfecho em 2 de julho de 1823.
Esta cartilha pode ser acessada no site do Tribunal de Contas do Estado da Bahia- TCE. O Gentil disse que gosta muito de História do Brasil e que tem lido e vê que muitos acontecimentos quase que se repetem claro com novos personagens e dentro de um contexto diferente. Também trabalha para as empresas do Polo Petroquímico de Camaçari e disse que tem uma rotina, embora esteja aposentado. Levanta-se cedo e após o café vai trabalhar criando suas charges e fazendo outros desenhos que lhes são encomendados pelos clientes.
Dizem que a fotografia vale por mil palavras. Digo que a charge vale mais que mil palavras porque ela nos apresenta um conteúdo de crítica do chiste. Muitos políticos têm horror aos chargistas principalmente quando a charge não lhes beneficia. Lembro que estava no jornal A Tarde alguns políticos quando eram personagens de uma charge e elas não lhe eram desfavoráveis tentavam adquirir uma cópia com os chargistas para guardar de lembrança.
Segundo o Wikipedia a palavra caricatura vem do italiano Caricare que significa “carregar, no sentido de exagerar, aumentar algo em proporção”, e que teria surgido no século XVII com o pintor Agostino Carraci da Bolonha. Ele criou uma galeria com caricatura de tipos populares da sua cidade. Depois outros artistas da Escola de Bologna também se destacaram nesta forma de arte entre eles Domenichino, Guercino e Pier Leone Ghezzi (1674-1755). E para finalizar a caricatura é um desenho que enfatiza e exagera as características de uma pessoa, animal ou objeto. Ela “revela um retrato bem-humorado, cômico e/irônico no que se refere aos aspectos físicos do objeto caricaturado e aos aspectos psicológicos e / ou comportamentais, como gestos, vícios e hábitos particulares”.