Por Deko Lipe
A prova de que ainda há esperança para nosso futuro é essa. Vocês devem estar se perguntando: essa o que Deko? Sim. Essa de eu, Deko Lipe, estar em diversos espaços falando para pessoas jovens e outras não tanto, sobre diversidade na literatura jovem e infantil.
Há cinco anos mergulhei no oceano chamado literatura e percebi a diversidade de peixes que nele existe. De início eu queria somente ler meus livros que estavam encalhados há anos sem ler nada além da faculdade. Só que quanto mais nadamos, mais percebemos que nenhuma corrente se repete, mesmo que pareça ser a mesma.
Logo de cara conheci uma pessoa muito especial e ela me disse: Deko, eu leio muitas histórias LGBTQIAP+. E de coração aberto me apresentou sua estante com vários títulos protagonizados e escritos por pessoas da nossa comunidade. A cada um que ele me mostrava, mais perplexo eu ficava. Afinal, onde eu estava durante meus 32 anos que não sabia da existência deste universo tão diverso?
Pois é. Deste dia em diante passei a me debruçar sobre essa literatura que diz tanto de mim. Percebi que existem muitas pessoas que escrevem e que somos protagonistas de inúmeras histórias e então decidi que queria consumir mais e fazer com que essas histórias chegassem cada vez a mais pessoas.
Só que eu também amo a literatura infantil e a infantojuvenil e não queria deixar de consumi-las e propagá-las. Aprendo tanto com elas. Então pensei: porque não juntar essas histórias e seguir falando delas? Pois é! E não é que vem dando certo. Daí volto para aquela questão lá do início: ainda há esperança para nosso futuro, afinal, uma pessoa como eu: gay, gordo, nordestino tenho falado sobre essa minha vivência em escolas, eventos literários e empresas de grande porte.
No ano passado que fui convidado para falar para jovens sobre este tema. Só que em um colégio da Polícia Militar. A escola sempre foi o lugar em que vivi os meus melhores sonhos e piores pesadelos. Todes nós sabemos que a escola é um lugar muito danoso, principalmente para pessoas como eu, que fogem da heteronormatividade e do padrão de beleza que é imposto pela sociedade.
Ao chegar nessa escola eu fui tão bem recebido, tão bem tratado que até me emociono ao lembrar. Não é fácil ser quem sou em um país como o Brasil. A tendência é até estranhar quando isso acontece. Fui bem acolhido desde o menino que me recebeu na porta, até as patentes que não só apertaram minha mão, mas também me abraçaram.
Viver essa experiência me deu mais força pra seguir. Tinham tantos olhos ávidos para que o ia ser dito. Tanta troca de olhar curiosos e sedentos de informação. Vivenciar esse momento em minha vida, após ser aplaudido e abraçado, me deu mais força e percebi que esse é o meu lugar no mundo, por hora, de levar a literatura que tanto esteve distante de mim quando foi mais preciso: no meu entendimento de ser quem sou e de sentir que está tudo certo.
Um questionamento que sempre me vem à mente é: e se eu tivesse lido tudo o que eu leio hoje na minha juventude? E se, como muitos amigos, eu tivesse lido o “Terceiro Travesseiro” lá atrás, por exemplo? Eu, com certeza, teria muito mais consciência de não haver problema algum em ser quem sou, assim como tantas outras pessoas que já passaram por minha vida ao longo desses 35 anos.
Acredito numa literatura transformadora. Toda literatura feita com cuidado e responsabilidade é transformadora. Somos seres em constante transformação, basta ser racional que constatamos isso. Ninguém passa por essa vida e segue do mesmo jeito, pois somos seres pensantes e isso é o que nos difere dos demais animais.
Sempre vejo alguém questionando sobre a falta de leitura das pessoas jovens. Dizendo que só querem saber de redes sociais. Será? Há cinco anos observo o crescimento da literatura LGBTQIAP+ jovem nacional e internacionalmente. Hoje temos pessoas nossas publicadas em grandes editoras e sendo traduzidas para fora do país. Vivemos um momento de jovens leitores. Lotando grandes eventos literários. Esgotando senhas para ver seus escritores favoritos. É nesse momento da vida em que temos mais força para tentar reverter os equívocos do passado e aí entra o poder da literatura. Através dela podemos dialogar através de histórias que contribuem para uma formação de seres melhores.
Enxergar-nos nas histórias, perceber que somos pertencentes, compreender que somos protagonistas em narrativas que vão além das nossas vidas é engrandecedor. É o sentimento de existir. É potencializar vozes e notar que o quanto antes nos sentirmos incluídos, menor a nossa dor de ser quem somos. Menos serão os dedos apontados. Maior será o carinho que passamos a ter por nós mesmos e por quem está conosco.
A literatura LGBTQIAP+ para jovens nunca é somente para jovens LGBTQIAP+, afinal eu cresci lendo Pedro Bandeira, Marcia Kupstas e tantas pessoas que são aclamadas na literatura clássica protagonizada por personagens heterossexuais-cis e continuo gay. O que acontece é que vivemos numa sociedade que ainda acredita que consumir algo que foge do padrão se tornará por conta disso. Chega a ser absurdo. Hoje temos livros publicados por pessoas hetero-aliadas como Thalita Rebouças escrevendo história protagonizada por pessoas LGBTQIAP+, por exemplo. A literatura LGBTQIAP+ é para quem gosta de ler. É para que se divirta, sofra, chore, ria, aprenda, compartilhe, se identifique e compreenda que o problema nunca está em quem nasce sendo da comunidade, mas sim em pessoas LGBTfóbicas que se acham no direito de ter que aceitar alguém por ser quem é.
A literatura é feita por pessoas e as pessoas são diversas por existirem. Através da literatura podemos conhecer e vivenciar histórias em sua diversidade podendo assim olhar para o lado com mais cuidado, zelo, carinho e amor. Já pensou um mundo com menos dor, violência, intolerância, preconceito ou discriminação? Somos capazes disso. Basta ensinar à nossa juventude que pode e deve se amar por ser quem é e a literatura é a nossa aliada para contar e fazer essa história o quanto antes.