Por Morgana Montalvão
Beber café pode ser uma experiência única e muitas vezes afetiva. A reportagem do site Doris Pinheiro foi convidada para uma experimentação em imersão em cafés especiais na Cafeteria Nossa Senhora do Bom Café, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador.
Café especial é aquele cujo grão é selecionado e apresenta um equilíbrio impecável entre o aroma, o sabor, a doçura, o corpo (característica física e sensorial, é o conjunto de sensações táteis que o café provoca na boca entra em contato com as papilas gustativas), a acidez e a finalização. Além disso, esses café são meticulosamente cultivados, cada lote é individualmente identificado, a produção atende a requisitos de sustentabilidade, a colheita é executada com máxima dedicação, registrada e pode ser rastreada.
A ideia da imersão partiu do empresário, publicitário, barista (profissional especializado em preparar e servir bebidas à base de café) e chef de cozinha Nilton Leite Saldanha, 44 anos, conhecido por Nil Saldanha, que se diz um “apaixonado por café.”
Antes de virar chefe de cozinha, ele se graduou em publicidade, no entanto, percebeu que ali não era o seu lugar. Decidiu então, cursar gastronomia, já que, desde mais jovem, sempre gostou de cozinhar.
Uma viagem à cidade de Santos, em São Paulo, com uma turma de amigos, despertou o fascínio pelo café em Nil Saldanha. Ao visitar o centro da cidade, conhecida por ser um polo importante de exportação da indústria cafeeira no final do século XIX e início do século XX, Nil sentiu o aroma de café no ar e ficou curioso. “Senti um cheiro de café maravilhoso, entrei numa cafeteria, tomei o café. Depois andei mais um pouquinho, senti outro aroma e o tomei, e assim, foi. Nessa brincadeira eu tomei seis xícaras. À medida que experimentava os cafés percebi que não tinha o gosto amargo, era um sabor diferente”, disse ele.
Ao fim do passeio, ele passou em frente a uma casa antiga que tinha sacas de café de 60 kg, onde estava escrito “Café do Brasil”. Lá funcionava uma empresa exportadora de café. “Bati à porta e pedi para conhecer o lugar. Logo na entrada havia uma bancada de inox com dois punhados de café com um metro de altura cada um. Um punhado tinha um café limpinho e o outro tinha um café cheio de coisa dentro, todo sujo. Perguntei a funcionária se eles estavam selecionando o grão. Ela disse que não, que o grão já estava selecionado. Ela explicou que o café limpo iria para o exterior e o sujo ficava no Brasil. Eu achei aquilo um absurdo”, conta ele, informando que a moça da exportadora lhe explicou que apenas 1% do café limpo ficava no Brasil.
Saldanha pediu para comprar o grão de café limpo, o que foi negado pela funcionária da exportadora. A moça então lhe ofereceu uma xícara do café daquele grão, o que chamou a atenção do chefe de cozinha. De início, ao beber o café, Saldanha disse que a bebida estava muito adocicada e que não havia gostado. “Moça, o café está muito adoçado, não desce. Ela me disse que não tinha adicionado açúcar e que o café já era naturalmente doce. “Aquilo para mim foi um choque e mudou o meu paladar. E foi assim que eu conheci o café especial e essa experiência mudou para sempre a maneira como eu saboreio café.”
Por muita insistência, Nil Saldanha conseguiu um acordo e comprou o café especial na loja exportadora. Com o tempo, ele conseguiu mais fornecedores deste tipo de café e começou a fazer lives em seu perfil do Instagram falando sobre essas marcas, divulgando o produto para revender online.
Depois disso abriu a Cafeteria Nossa Senhora do Bom Café, que fará um ano de existência no bairro do Santo Antônio Além do Carmo e comercializa pães, tortas e bolos de fabricação artesanal. E tem um café muito especial…
A primeira degustação
A imersão em cafés especiais é destinada às pessoas que gostam desse tipo de bebida, mas têm dificuldades de entender suas notas, aromas e nuances. “A ideia é facilitar o entendimento do que é um café especial, suas diferenças, a formação do repertório de sabor e a roda de sabores, Tudo organizado de maneira simples, descomplicada e bem didática. As rodadas de degustações de cafés específicos vão facilitar o aprendizado para quando a pessoa beber esse tipo de café, conseguir identificar o que está tomando no paladar e no aroma”, enfatiza.
De início, por não estar acostumada com o sabor deste tipo de café, achei um pouco estranho. Jamais havia passado pela minha cabeça tomar um café sem açúcar. O primeiro a ser degustado foi o café especial do tipo Bourbon, oriundo da Ilha Bourbon (atualmente, ilha Reunião) a leste da ilha de Madagascar, no Oceano Índico.
Os grãos chegaram ao Brasil em 1859, os pés de Bourbon são altos, vão até 3 metros e seus frutos são menores. O que eu degustei foi o café Bourbon Rosa, cujo grão de café é rosado (por isso o nome), é originário da Colômbia e, possui extrema raridade genética sendo muito difícil de colher e cultivar. É quase 100% certo que é cultivado à sombra porque é a melhor forma de proteger o seu amadurecimento.
O aroma desse café é bem marcante, possuindo fragrância floral com notas de mel e frutas cítricas amarelas. No início, o odor da bebida para mim lembra algo caramelizado e o sabor é bem suave, não concentrado.
O segundo foi o café originário da Etiópia, na região de Sidamo. Esse tipo de grão é cultivado em altitudes mais baixas, o que resulta em um sabor mais suave e delicado. O processo de colheita e processamento também é diferente, com os grãos sendo lavados e fermentados antes de serem secos. O aroma dessa bebida é mais intenso, lembrando chá preto, possui notas de chocolate e casca de laranja doce. Ele é mais encorpado e adocicado, foi o que eu mais gostei.
Por fim, o terceiro e último a ser degustado, foi um café especial baiano, oriundo da Chapada Diamantina. Os grãos colhidos nos morros da Chapada Diamantina produzem cafés com características peculiares e se tornaram muito conhecidos pela sua qualidade e sabores especiais. O café tem aroma de frutas maduras e caramelo. Há notas de morango, chá preto e chocolate ao leite. O corpo é amanteigado, mais pesado. É um café mais robusto.
Segunda degustação: aguçando os sentidos (às cegas)
A segunda parte da experiência envolveu uma degustação às cegas que estimulou o olfato, tato e paladar, criando um repertório de sabor. A exposição a uma variedade de alimentos ao longo da vida contribui para a expansão do repertório de sabor de uma pessoa, permitindo-lhe apreciar e distinguir uma gama mais ampla de sabores e cheiros. Experimentei os mais diversos ingredientes: do mais adocicado mel, da acidez do vinagre de álcool, do cítrico suco de lima ao exótico sabor do mirtilo (conhecido como blueberry) fruta consumida nos EUA e Europa. Esses e outros ingredientes serviram para explicar a acidez e doçura de cada alimento, características essas que também compõem a estrutura de um café especial.
Café é um estilo de vida
Para Natália Coelho, 36 anos, pedagoga e estudante de psicologia, beber café é uma “experiência prazerosa”. “Beber café para mim, durante um bom tempo, era uma experiência. Hoje não. É um hábito, muito prazeroso por sinal. Hoje tive a oportunidade de conhecer mais sobre o café especial e suas características de realmente degustar o café e sentir o verdadeiro sabor”, disse a pedagoga. Para o seu companheiro Victor Linhares, 37 anos, sociólogo, beber café é um hobbie e um estilo de vida. “Eu tenho o café como um hobbie, eu sou viciado mesmo, ainda mais em café especial. Aqui pude experimentar esse café, degustar o seu verdadeiro sabor e saber mais sobre suas particularidades. É uma experiência sensorial incrível”, complementa.
Já para a barista Patrícia Maia, 47 anos, que trabalha com Saldanha há um ano, mais do que preparar esse tipo de café, a satisfação está em perceber que o cliente se sente “realizado” ao degustar a bebida. “Esse tipo de café desperta sensações incríveis, toda vez que o cliente pede um café desses, eu também tenho vontade de tomar. Quando você experimenta esse café, o café comum, aquele que a maioria está acostumado a beber, se torna obsoleto. Beber esse café é uma arte”, diz a barista, que deseja aprofundar seus conhecimentos sobre as particularidades do café especial.
A Cafeteria Nossa Senhora do Bom Café está localizada na Rua Direita de Santo Antônio, nº 314, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador.