A doença, muitas vezes subestimada entre adultos, volta a preocupar autoridades sanitárias com o aumento de casos em várias partes do mundo
A coqueluche, também conhecida como tosse convulsa, é uma infecção respiratória altamente contagiosa causada pela bactéria Bordetella pertussis. Embora historicamente associada a crianças, a doença tem ressurgido em várias partes do mundo, com um aumento preocupante de casos em adultos.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, em 2023, os casos de coqueluche mais que dobraram em relação a 2022, passando de 64.313 para 159.832 registros. Esse cenário reflete não apenas a baixa imunidade entre adultos, mas também lacunas em campanhas de vacinação e diagnósticos tardios.
No Brasil, o Ministério da Saúde reportou mais de 4.000 casos de coqueluche em 2023, dos quais cerca de 35% ocorreram em adultos. Este grupo, muitas vezes negligenciado em políticas de prevenção, desempenha um papel significativo na transmissão da doença, especialmente para populações vulneráveis, como crianças pequenas e idosos. A disseminação entre adultos geralmente se deve à perda progressiva da imunidade adquirida na infância, quando essa população foi imunizada, destacando a necessidade de reforços vacinais periódicos.
A situação não é isolada. Países como Estados Unidos, Reino Unido e França também relatam uma alta incidência de coqueluche em adultos. O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) alertou que surtos recentes no continente europeu foram exacerbados por campanhas insuficientes de revacinação e mudanças nos padrões de circulação da bactéria, agravados por fatores como urbanização e maior mobilidade populacional.
Dr. Filipe Piastrelli, infectologista e coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, enfatiza a gravidade do quadro. “A coqueluche em adultos é subdiagnosticada, em parte porque seus sintomas podem ser confundidos com os de outras infecções respiratórias, como resfriados ou bronquites. No entanto, a doença pode ser severa, causando complicações respiratórias graves, especialmente em pessoas com condições preexistentes. Além disso, os adultos são vetores silenciosos, transmitindo a bactéria para grupos mais suscetíveis”, explica o especialista.
A coqueluche se manifesta inicialmente como sintomas semelhantes aos de um resfriado comum, incluindo febre baixa, coriza e tosse leve. No entanto, após uma a duas semanas, a tosse torna-se mais severa e persistente, caracterizada por episódios que podem durar minutos e dificultar a respiração. Em adultos, esses episódios frequentemente não são reconhecidos como coqueluche, atrasando o diagnóstico e aumentando o risco de complicações.
Reforço vacinal
A vacinação é a medida mais eficaz para prevenir a coqueluche, especialmente em crianças. No Brasil, o calendário nacional de vacinação estabelece que os bebês devem receber três doses da vacina pentavalente (que protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b) aos dois, quatro e seis meses de vida. Além disso, são recomendados dois reforços com a vacina tríplice bacteriana (DTP): o primeiro aos 15 meses e o segundo entre os quatro e seis anos.
Apesar da importância da imunização, a cobertura vacinal tem apresentado quedas preocupantes. Em 2022, a taxa de vacinação com a DTP em crianças menores de um ano foi de 77,25%, abaixo da meta de 95% estabelecida pelo Ministério da Saúde.
Para adultos, especialmente aqueles que convivem com crianças pequenas ou atuam em ambientes de alto risco, como escolas e hospitais, a vacinação também é crucial. O Programa Nacional de Imunizações oferece a vacina para gestantes e profissionais de saúde. No entanto, a cobertura vacinal entre adultos permanece baixa. Por exemplo, em 2024, a adesão à vacina dTpa entre gestantes na cidade de São Paulo foi de apenas 41%.
“Precisamos urgentemente de campanhas direcionadas que incluam os adultos no plano de vacinação. A coqueluche não é uma doença exclusivamente pediátrica e, se ignorada, continuará a impactar a saúde pública de forma significativa”, alerta o Dr. Piastrelli.
Além da vacinação, estratégias de conscientização sobre a doença e seus sintomas são fundamentais para reduzir o subdiagnóstico e incentivar a busca por tratamento precoce. A coqueluche é mais do que uma doença respiratória; é uma ameaça silenciosa que exige uma resposta integrada para proteger todas as faixas etárias. Autoridades sanitárias, médicos e a população em geral precisam atuar em conjunto para enfrentar o ressurgimento dessa enfermidade e evitar que ela continue se espalhando.