Por Vitor Rocha
A roupa branca ainda é a preferida para a virada do ano no Brasil. A cor simboliza paz e boas energias. Porém, há pessoas que fogem deste padrão, dando um significado pessoal ao que vestem no réveillon. Para quem não se preocupa com as tendências da moda para a chegada de 2024, vestir branco, preto, verde, amarelo ou azul tem mais a ver com crenças, sentimentos e o contexto de cada um durante as festas.
O hábito comum de usar branco no final do ano tem raízes nas religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé. A Ialorixá Antoniêta D`Oxum, do Terreiro Ilê Axé Omim Odô, em Lauro de Freitas, explica: “Existe uma conexão muito forte com Oxalá, cuja cor é o branco. No final do ano, usamos normalmente o branco em busca da paz, embora neste ano alguns optem pelo dourado, simbolizando a prosperidade”.
A mãe de santo acrescenta que o próximo ano será regido pelo orixá Exu, representado pelas cores vermelha e preta. “Algumas casas viram Obaluaê primeiro, mas aqui vimos Exu. Vamos utilizar o vermelho e preto para representar o próximo ano, além das cores tradicionais”, afirma.
Há também quem reinterprete as cores, como Iris Moreira, integrante da comunidade xamânica Terra-mirim, que vai trocar o verde da esperança pelo verde da natureza. “Neste ano, vou usar verde para me conectar espiritualmente com a natureza na virada, algo muito importante para mim. Além disso, é bom variar do branco”, relata Iris. Terra Mirim é reconhecida como uma fundação comunitária, sem fins lucrativos, focada em sustentabilidade e trabalho voluntário.
Seguindo uma direção oposta, Henrique Silva optou não por uma cor, mas por duas. Torcedor fervoroso do Vitória, o estudante de 19 anos vai passar o ano novo com a camisa do seu time. “Para celebrar este ano incrível e aproveitar o título nacional, vou passar de vermelho e preto. Não consigo imaginar outra cor que não seja a do Vitória”, exclama Silva.
Existem também aqueles que não se preocupam com o que vão vestir, seja por falta de entusiasmo pela festa ou por estar trabalhando. É o caso de Edvaldo Brito, porteiro que estará de serviço na noite de ano novo. “Não estou preocupado com o que vestir, estarei trabalhando mesmo. Vou passar a virada de uniforme, só quem está de folga pensa nessas coisas”, afirma Brito, que no dia 31 vai começar o turno de trabalho às 19 h e só vai ser liberado às 7 h da manhã do dia 1 de janeiro, assim como muitos outros brasileiros que vão passar o ano novo trabalhando.
A importância do branco no candomblé
O branco assume uma importância significativa na cultura afro, estendendo-se para além das vestimentas e permeando todo o ritual da virada, desde ornamentos até comidas dos santos.
Segundo a Ialorixá Antoniêta D`Oxum, na semana anterior, realiza-se a limpeza dos orixás e a troca das águas. No dia 31, elabora-se uma bela oferenda em forma de torre para Oxalá, composta por inhames, milho branco em uma bacia, algodão e uma vela de sete dias na cor branca, tudo durante o final da tarde. Espalham-se milho branco e folhas de pitanga pela casa, decoradas com rosas brancas e toalhas brancas.
“O banho é preparado com água de alevante da graúda e da miúda, mirra, manjericão, palma da rainha, alfazema e folha de akoko [originada da árvore trazida da África para os terreiros]”, explica Antoniêta D`Oxum. O ritual é coletivo, portanto, evita-se adicionar mel, por supostamente desagradar Oxóssi, orixá (de cabeça) de muitos dos adeptos. No lugar do produto da abelha, utiliza-se melaço de cana como substituto.
Da cabeça aos pés, não se enxuga, ao contrário, tomam um banho de folhas e incensam com pó de café e açúcar. Aos pés dos orixás são colocados acaçá branco, água do milho branco e jarro de folhas de pitanga.
No dia primeiro, caso chova, a água é recolhida para encher as quartinhas [recipientes com água oferecidos aos orixás na crença afro-baiana]. A casa tem uma ligação muito forte com Oxum, inclusive no nome. Ilê Axé Omim Odo significa casa com a força das águas dos rios. O terreiro está localizado no quilombo Quingoma, visitado pelo rei Adeyeye Enitan, da cidade de Ifé, ao obter reconhecimento como primeiro território iorubá no Brasil.