Sem apoio, milhões de mulheres enfrentam dificuldades financeiras e risco de esgotamento mental na criação dos filhos
Ao descrever sua rotina, Micaelly Gomes, de 26 anos, mãe solo de duas crianças, expõe a pressão constante que enfrenta. Para sustentar a família, ela trabalha em três empregos e ainda precisa dar conta de todas as demandas dos filhos ao final do dia. Recentemente, uma situação na escola de sua filha a fez refletir sobre o impacto da sua ausência. “A professora me disse que minha filha comentou que ‘a mãe nunca está em casa porque sempre está trabalhando’. Isso me quebrou, porque corro para dar o melhor, mas deixo faltar o principal: o tempo com eles”.
Micaelly também conta que o esgotamento físico e psicológico tem sido constante. “Às vezes, penso: será que consigo continuar?. É muito difícil ser mãe solo, tenho que ser o pilar da casa, mas estou cansada”, desabafa. Como Micaelly, mais de 10 milhões de mulheres no Brasil assumem sozinhas a criação e o sustento dos filhos, lidando com uma rotina marcada pela ausência de apoio. A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto MaterOnline, alerta que, sem suporte, essas mães enfrentam uma sobrecarga que afeta diretamente a saúde mental e física.
A situação enfrentada por Micaelly é comum entre as mães solo brasileiras, muitas das quais conciliam várias jornadas para prover o sustento familiar. Uma mulher de 49 anos, que cuida sozinha de três filhas adolescentes e preferiu não se identificar, conta que, após uma separação difícil, assumiu integralmente as responsabilidades da casa. Trabalha em dois empregos e lamenta a falta de tempo para atividades em família. “Nunca consigo proporcionar momentos simples, como um passeio com elas. Além disso, a saúde mental de todas nós tem sido afetada pela rotina de sobrecarga e pela ausência de apoio”, relata. Ela e a filha mais velha foram diagnosticadas com depressão, uma condição que, segundo ela, só se agravou com a falta de uma rede de apoio.
A carga invisível e a culpa constante
Para a psicóloga perinatal, o cotidiano das mães solo no Brasil revela uma sobrecarga invisível, que se traduz em um ciclo de culpa e exaustão. “Essas mulheres tentam equilibrar o sustento e o cuidado dos filhos sozinhas, o que agrava o peso emocional. A culpa é constante, pois elas se cobram por não conseguirem dar conta de tudo”. Schiavo observa que muitas mães solo sentem que estão falhando, mesmo ao se esforçarem ao máximo, o que intensifica o desgaste mental.
A culpa materna, como aponta a psicóloga, é reforçada pela pressão social e pela falta de uma rede de apoio. “Elas se cobram para oferecer o melhor para os filhos. Em muitos casos, acabam se privando de qualquer momento para si mesmas. Esse acúmulo de responsabilidades, sem pausas e sem apoio, pode levar ao esgotamento emocional e físico”, completa.
Além das demandas financeiras, as mães solo assumem sozinhas o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos — tarefas que não recebem remuneração e geralmente não têm visibilidade. Rafaela Schiavo alerta que a ausência de políticas públicas de apoio torna essas mulheres ainda mais vulneráveis. “O cuidado com os filhos é essencial, mas quando recai integralmente sobre as mães, sem suporte, o impacto sobre a saúde mental delas se torna inevitável”.
Para ajudar essas mulheres a lidarem com a sobrecarga, a psicóloga sugere algumas recomendações:
- Construa uma rede de apoio: Mesmo sem um parceiro, buscar suporte em familiares, amigos ou vizinhos pode aliviar parte da pressão;
- Separe momentos para autocuidado: Pequenas pausas ao longo do dia, por mais curtas que sejam, podem ajudar a preservar a saúde mental e renovar as energias;
- Converse com outras mães: Trocar experiências com outras mães solo ajuda a aliviar o peso emocional e fortalece a sensação de pertencimento;
- Busque apoio psicológico perinatal: Quando o estresse se torna difícil de manejar, o acompanhamento profissional é fundamental para manter o equilíbrio.
Quem é Rafaela Schiavo?
É psicóloga perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline. Desde sua formação inicial, dedica-se à saúde mental materna, sendo autora de centenas de trabalhos científicos com o objetivo de reduzir as elevadas taxas de alterações emocionais maternas no Brasil.
Possui graduação em Licenciatura Plena em Psicologia e graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Além disso, concluiu seu mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem e doutorado em Saúde Coletiva pela mesma instituição. Realizou seu pós-doutorado na UNESP/Bauru, integrando o Programa de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Desenvolvimento Humano, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento pré-natal e na primeira infância; Psicologia Perinatal e da Parentalidade.