Por Pascal Vrticka (The Conversation)
Formar conexões seguras com os pais é fundamental para o desenvolvimento saudável das crianças.
Após décadas de pesquisas, estudiosos identificaram um ingrediente fundamental deste processo: a coordenação entre o cérebro e o comportamento de pais e filhos durante as interações sociais.
Os seres humanos se conectam sintonizando-se de diversas formas. Este processo, chamado de sincronia biocomportamental, envolve a imitação dos gestos, alinhamento dos batimentos cardíacos e secreção de hormônios, como cortisol e ocitocina.
Até os cérebros podem se sincronizar, com a atividade cerebral aumentando e diminuindo nas mesmas áreas, praticamente ao mesmo tempo, quando passamos algum tempo com outras pessoas.
Meus colegas e eu realizamos pesquisas que demonstraram que a sincronia entre os cérebros de pais e filhos pode ser útil para a conexão das crianças e tende a aumentar quando pais e filhos brincam, conversam ou resolvem problemas juntos.
Mas, recentemente, começamos a nos perguntar se realmente é sempre melhor ter maior sincronia. E nosso estudo recente, publicado na revista Developmental Science, indica que, às vezes, este pode ser um sinal de dificuldades no relacionamento.
As orientações precisam ser atualizadas?
Grande parte das orientações atuais oferecidas aos pais recomenda que eles permaneçam em constante sintonia com seus filhos. Os pais devem estar fisicamente próximos e sincronizados com as crianças, antecipando e reagindo imediatamente a cada uma de suas necessidades.
Este conselho se baseia na teoria da conexão e em algumas pesquisas. Elas demonstram que maior sensibilidade parental e funcionamento reflexivo são benéficos para o desenvolvimento das crianças e a formação de conexões seguras.
Ainda assim, apesar das boas intenções, este conselho deixa de considerar diversos detalhes importantes.
Pesquisas já indicaram, por exemplo, que, em cerca de 50 a 70% do tempo, pais e filhos não estão “em sintonia”.
Nesses momentos, eles podem estar fazendo atividades separadas. Isso ocorre quando um filho explora algo sozinho ou um dos pais está trabalhando, por exemplo.
Pais e filhos costumam participar de uma “dança social” constante, que compreende se sintonizar, sair de sintonia e reparar essa desconexão. E é este fluxo de conexão, desconexão e reconexão que oferece às crianças a combinação ideal de suporte e estresse moderado, que ajuda a fazer crescer o cérebro social delas.
Os pesquisadores também concordam que pode haver consequências negativas para pais e filhos em sintonia constante entre si. Estes efeitos podem incluir, por exemplo, o aumento do estresse do relacionamento e do risco de conexão insegura das crianças.
Isso ocorre especialmente quando os pais estimulam excessivamente seus filhos ou reagem de forma exagerada a cada necessidade das crianças.
É por este motivo que, quando o assunto é a sincronia entre pais e filhos, aparentemente existe um “nível intermediário ideal”. Em outras palavras, mais sincronia pode não ser necessariamente melhor.
Sincronia cerebral e conexão
Como parte de uma grande equipe internacional de pesquisadores de toda a Europa, meus colegas Trinh Nguyen, Melanie Kungl, Stefanie Hoehl, Lars White e eu decidimos investigar de que forma a sincronia biocomportamental entre pais e filhos está relacionada à conexão entre eles.
Convidamos pares de pais e filhos — 140 pais ou mães e seus filhos de 5 a 6 anos — para o nosso Laboratório da Neurociência Social da Conexão Humana. Juntos, eles resolveram tangrans, os quebra-cabeças de origem chinesa.
Nós avaliamos a atividade cerebral com “hipervarredura” por espectroscopia funcional em infravermelho próximo. Para isso, solicitamos aos pais e filhos que usassem bonés conectados a sensores ópticos.
Também gravamos as interações em vídeo, para determinar o nível de sincronia comportamental demonstrado — o grau de sintonia e atenção que eles mantinham entre si. E, por fim, avaliamos o tipo de conexão entre pais e filhos, conhecido como representações de conexão.
Nós havíamos descoberto anteriormente que a sincronia neural em pares de mãe e filho e de pai e filho aumenta durante tarefas diferentes.
Nos pares de mãe e filho, a sincronia neural estava relacionada a sessões alternadas de resolução de quebra-cabeças ou conversas. Já nos pares de pai e filho, a sincronia durante os quebra-cabeças estava relacionada à confiança e ao prazer dos pais ao desempenharem seu papel.
Mas será que isso significa que a maior sincronia neural entre pais e filhos é sempre uma medida do bom relacionamento?
No nosso novo estudo, observamos que, na verdade, as mães com tipo de conexão inseguro, ansioso ou de fuga demonstraram maior sincronia neural com seus filhos. É interessante observar que os tipos de conexão das mães não têm relação com o grau de sincronia entre as mães e os filhos em termos de comportamento.
Também encontramos, nos pares de pai e filho, sincronia neural mais alta, mas sincronia comportamental mais baixa (em comparação com pares de mãe e filho), independentemente da conexão.
Nossas conclusões indicam que a maior sincronia neural pode ser o resultado da concentração de maior esforço cognitivo na interação entre pais e filhos. Se a conexão da mãe apresentar representações inseguras, ela e seu filho podem ter mais dificuldade para se coordenarem e ajudar um ao outro durante atividades como a solução de quebra-cabeças.
Uma explicação similar pode se aplicar à sincronia neural durante a solução de problemas por pais e filhos. Os pais têm mais familiaridade com jogos ativos e violentos. Por isso, atividades mais estruturadas e cognitivas, como quebra-cabeças, podem ser mais desafiadoras e exigir maior sincronia neural nos pares de pai e filho.
Lições a serem aprendidas
Qual o significado das nossas novas descobertas? Em primeiro lugar, pais e mães não devem acreditar que precisam estar “em sintonia” com seus filhos todo o tempo, a todo custo.
A alta sintonia entre pais e filhos pode também ser reflexo de dificuldades de interação. E, muitas vezes, ela pode aumentar o burnout parental, com impactos negativos para o relacionamento entre pais e filhos.
É claro que sempre é bom ter pais emocionalmente disponíveis — que saibam ler com habilidade as indicações demonstradas pelas crianças, reagindo de forma rápida e sensível às suas necessidades —, especialmente quando os filhos são jovens.
Mas os pais precisam ser “bons o suficiente”, ficando disponíveis quando as crianças precisam deles, não “permanentemente ligados”.
A liberdade e a independência também trazem benefícios emocionais, sociais e cognitivos para as crianças, especialmente quando elas ficam mais velhas.
O que realmente conta é que a relação entre pais e filhos funcione bem, de forma geral. Que as crianças possam desenvolver a confiança nos seus pais e que eventuais desencontros, que ocorrem naturalmente todo o tempo, sejam reparados com sucesso.
Esta é a verdadeira essência da teoria das conexões, muitas vezes esquecida e mal representada nas orientações apresentadas para os pais.
*Pascal Vrticka é professor de psicologia da Universidade de Essex, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons.
Leia aqui a versão original em inglês.