Por Matheus Spiller
Quem já teve a oportunidade de assistir ao Coletivo Outras Vozes no palco sabe que estamos diante de um acontecimento especial para a música feita na Bahia (com todo significado que isso evoca). Ali há uma união preciosa, dessas que só a Bahia parece capaz de produzir. São abordagens artísticas diversas, personalidades marcantes, colocadas em comunhão, a serviço da música boa, da poesia forte, profunda e repleta de sentimento. O Coletivo Outras Vozes reúne talentos que se encaixam tanto, se completam tanto e transformam o ambiente de uma maneira tão efetiva, que seria quase um pecado que essa união não acontecesse.
Ali se acariciam, em forma de música, poesia e imagem, o visceral e o suave, em medidas exatas para que a emoção transborde legítima e necessária. Eu comecei o texto falando de quem já teve a sorte de assistir e ouvir às Outras Vozes. Se não for o seu caso, recomendo que ouça, recomendo que assista. E que guarde também na memória este recorte de tempo musical extraordinário em que podemos contemplar esse encontro e sentir o prazer de tê-los juntos e tão perto.
Nesta entrevista exclusiva ao nosso site, Ana Barroso (atriz, cantora e compositora), conta um pouco de como nasceu, de que substâncias são formadas as Outras Vozes e o que vem por aí a partir deles(as). Confira:
Matheus Spiller – Pra começar a gente pode falar um pouco de como se formou o Coletivo Outras Vozes. Como nasceu esse encontro musical entre vocês?
Ana Barroso – Foi um tanto espontâneo porque ficamos muito próximos nos últimos anos, nessa de encontrar em casa pra tocar. Nem todos do grupo são primeiramente cantores, compositores, mas são do teatro, da poesia, da fotografia, e gente que se entende em suas complexidades e delicadezas. Começou assim, e ainda é, eu acho. Claro que o que inicialmente seria uma proposta de mostra, um fortalecimento do trabalho autoral que fazemos individualmente, virou algo maior. Fizemos Radioca e um concerto com a Osba. Estamos compondo juntos. As coisas vão mudando e a gente vai aprendendo o que somos diante a responsabilidade do que nos propomos a mover.
MS – Outras Vozes tem uma formação fechada? Quem são as Outras Vozes e como fazer para conciliar as agendas, pra agrupar todo mundo pra ensaiar, shows…dá um trabalho extra?
AB – Sim, temos uma formação fechada. A gente já quebra muito a cabeça com tanta cabeça (risos), mas pode ser que essa nuvem não passe ligeira e outras vozes acheguem, tudo pode acontecer. Também recebemos convidados, a exemplo do músico e compositor Tarcísio Santos que, nos shows, acompanha o grupo tocando violão. Hoje somos Ana Barroso (atriz, cantora e compositora); Ângela Velloso (cantora e compositora); Daniel Farias (ator e poeta); Dorea (cantor e compositor); Fatel (cantor, poeta e compositor); Guigga (ator, cantor e compositor); Lígia Rizerio (fotógrafa); Luiza Britto (cantora e compositora); Nalessa Paraizo (atriz e poeta); Theo Charles (cantor, compositor, diretor de arte); Tom Vasconcelos (cantor e compositor). Ufa! (Risos) No momento encontramos um…
MS – Vocês são artistas com trajetórias individuais destacadas, cada um com uma personalidade muito própria, abordagens musicais diversas…Como é feita a escolha do repertório? Essa diversidade é aliada na hora de formar o setlist?
AB – Isso. Priorizamos um repertório dinâmico que acolha essas individualidades. Todo mundo tem solo e números em duo ou trio ou quarteto, abrimos e fechamos o show juntos. Tem toada, bolero, balada, samba, rock, bossa, baião, canção… Vejo como um de nossos maiores chamarizes exatamente essa diversidade. É música feita na Bahia, no Nordeste e no Brasil, não tem como não ser diverso e profundo. A gente também gosta, pesquisa e defende. A música brasileira é um banquete de ritmos, palavras e contextos, vejo no grupo muita coisa boa sendo recontada, falo isso com muito respeito. Compartilhamos da sensação de que quase tudo já foi dito, cantado e escrito, mas nem tudo compreendido. Então a gente segue participando disso em nosso tempo com a singeleza e resistência próprias de nossa gente. É um desafio e uma alegria.
MS – As apresentações do Outras Vozes emanam uma afetividade e uma energia muito contundentes entre vocês no palco. Fale um pouco dessa emoção que vem da arte de vocês juntos(as).
AB – É verdade que nós somos amigos. Não precisava, mas talvez seja o que mais somos. A gente também se admira, algo muda no ar quando alguém corajosamente diz: deixa eu mostrar essa canção que eu fiz. E canta. E berra ou sussurra. Da gosto ver. Foi importante juntar essa turma. Nem tudo são flores, claro. Principalmente porque somos “patrão e peão”, o que talvez mais embarace, mas veja só, nunca nem brigamos (risos). Só um pouquinho, quer dizer. Acho que estamos bem! Também confiantes de que muito em breve teremos parceiros, é fundamental em um trabalho como esse a presença de produção e direção (e assessoria e grana e sescs e a gente minimamente frescos pra o seguimento de nossas criações).
MS – Na quinta-feira, dia 28 de março, tem show no Teatro Sesc Casa do Comércio. O que vocês prepararam pra essa apresentação?
AB – Esse é um show muito especial. É um dos melhores aparelhos que temos na cidade (o Teatro Sesc Casa do Comércio), então estamos trabalhando pra renovar a força e beleza do espetáculo que, apesar de repetir algumas canções, é sempre novo. Serão 17 canções autorais e 2 releituras. Somos 12 artistas em cena, gente de Juazeiro, Maracás, Conquista, Mutuípe, Salvador (de Itapuã à Caixa d’Água). Os ingressos estão quase esgotados, então quase 500 pessoas vão assistir. Naturalmente é a confluência de um grande encontro. Grande e íntimo. Também contaremos com o auxílio fino de Fred Alvin na luz e de Cássio Pinchemel no som. Eu desconfio de que será bonito, emocionante, confio nessa turminha.
MS – E para o futuro? O que a gente pode esperar para os próximos passos de vocês como Coletivo Outras Vozes?
AB – A gente quer poder continuar. Acho que poderemos. Está em nossos planos mais próximos fazer um disco e turnê. Também acho que faremos. É bom sonhar junto e realizar junto. Minha avó (e muitas, talvez) trazia duas frases de efeito que só entendi mais tarde. Uma, que me dava medo pelo seu tom, era “Desse jeito você não vai pra São Paulo não, menina” e a outra, mais confortante, mas igualmente misteriosa, era: “você até que tem futuro!”. Acho que temos futuro. Nos resta caminhar. Caminharemos.