Os pais da nova rainha se conheceram dentro do Ilê Aiyê, ela tem um filho de apenas 4 meses, e concorreu pela terceira vez ao título, agora conquistado bem no cinquentenário do bloco
André Frutuoso
Com ingressos esgotados e o marco de ser evento que iniciou as comemorações pelos 50 anos do Ilê Aiyê, aconteceu na madrugada de sábado (13) para domingo (14) a 43º Noite da Beleza Negra, que escolheu a Deusa do Ébano 2024. O título foi conquistado por uma moradora do Curuzu, que desde pequena tem nos ensinamentos do bloco uma escola para a sua vida. Larissa Valéria Sacramento, 29 anos, já estava na terceira tentativa de honrar o manto de Rainha do Ilê, e esse dia finalmente chegou.
Ao entregar o troféu a ela, o presidente Vovô realçou a alegria de ter nos 50 anos do Ilê uma rainha do bairro da Liberdade. Para Larissa, representar o Ilê bem no ano do seu cinquentenário é uma grande realização porque desde criança ela já via o bloco tocar na ladeira do Curuzu. “Meu pai era músico do Ilê, minha mãe associada, e eles se conheceram dentro do bloco, então eu me sinto filha dessa potência que é o Ilê, e tenho noção da responsabilidade de assumir os 50 anos. Eu sempre digo que ser a Deusa do Ébano é realizar também o sonho de uma outra mulher negra, é realizar o sonho de uma criança que se vê, ao ver você dançar”
Larissa estudou na Band’Erê dos 7 aos 15 anos, onde aprendeu dança afro, canto e percussão e formou sua identidade de mulher preta. “Tínhamos acesso à biblioteca do Ilê, ao terreiro Ilê Axé Jitolu e ao entendimento sobre as matrizes africanas e sobre nossa ancestralidade”, conta ela. O legado do bloco também pautou sua escolha profissional, de trabalhar cuidando da beleza de mulheres pretas.
Inicialmente, Larissa trabalhava levando seu estúdio a domicílio para cuidar das tranças e cabelos de mulheres que não conseguiam ir para um salão de beleza por ter filhos pequenos. Há dois anos, ela tem o espaço Aconchego da Preta Hair, na Rua Direta do Curuzu, onde atende suas clientes, muitas delas presentes na torcida que deu grande colaboração para a conquista do título
Larissa é casada, mãe de três filhos, Pétala, 11 anos, Pétala, 7 anos, e Pyetro, 4 meses. Desde que concorreu pela segunda vez ano passado, ela veio se preparando ainda mais para o dia de ontem. “O preparo não é só para dançar melhor, é também cuidar do emocional, porque era algo que eu queria muito e envolvia uma grande expectativa”.
A Rainha do Ilê Aiyê 2024 conta que nunca pensou em desistir. “Dancei até os nove meses de gravidez, voltei a dançar com um mês e meio de meu filho nascido. Esse foi o meu terceiro ano seguido de concurso, não teve desistência. Então, não desista. Se é o seu sonho, se é a sua realização, se é a sua meta, se é uma referência, persista e consiga” diz para as futuras candidatas.
As princesas
Junto com a Rainha Larissa Valéria, foram eleitas como princesas do Ilê Aiyê, a dançarina e comunicadora, Lorena Bispo, 21 anos, em segundo lugar, e a professora Caroline Xavier, 25 anos, em terceiro lugar. “Esse momento é muito marcante para mim porque eu entendo que eu sou uma ruptura da minha família, onde as mulheres eram lavadeiras de ganho, empregadas domésticas, e hoje, sou princesa do Ilê Aiyê e rainha do Malê Debalê 2023. Pela primeira vez, minha família inteira vem à senzala do Barro Preto, meu avô era cambista, ele faleceu, mas sempre quis trazer os filhos, e aí pela primeira vez minha vó veio à senzala”, conta Lorena.
Foto: Fafá Araújo
Após a conquista do segundo lugar, ela disse que não sabe se volta a concorrer. Mas sua mensagem é de incentivo para que outras mulheres se permitam sentir essa emoção. “Que muitas Lorenas, muitas Valérias, muitas Carols ainda passem por aqui. Independente de qualquer coisa, eu desejo que venham sentir essa vibração, porque é sobre sentir, sentir verdadeiramente o que é a senzala do Barro Preto do Curuzu”.
Foto: Fafá Araújo
Já Caroline Xavier, vencedora em terceiro lugar, desfila como princesa do Ilê Aiyê no próximo Carnaval pela segunda vez. Ano passado, ela foi eleita como princesa em segundo lugar, e mais uma vez dedicou seu título à comunidade do seu bairro, Sussuarana. “Quando a gente faz pesquisas sobre a minha comunidade, a Sussuarana, o que mais apresenta é violência e falta de infraestrutura. Então, quando eu me coloco no palco do Ilê Aiyê, eu trago possibilidades de também ter noticiários sobre a Deusa do Ébano na Sussuarana. Na minha Sussuarana, tem reis, rainhas, tem grupos culturais de poesia, teatro, dança, capoeira, arte, então quando trazemos mais um título, a gente também oportuniza e visibiliza os grupos que lá já existem há muito tempo fazendo cultura e arte. Então é mais um título, é mais uma memória positiva da minha comunidade”.