Por Cássia Reuter
Psicóloga Bianca Reis chama a atenção para a autocobrança do adulto de hoje, relacionada com sua criança interior
Ainda é muito comum presenciar familiares reprimindo e minimizando as dores e sentimentos de uma criança. Um exemplo clássico disso é quando uma criança é questionada pelo fato de estar chorando “por besteira” e de forma violenta é dito a ela para “engolir o choro”. Meninos e meninas que passam por este tipo de situação, que é mais comum do que se pensa, crescem sem entender as suas emoções, acham que podem e devem lidar com tudo sozinhas, para não “atrapalhar” ninguém. E esta criança interior segue ferida vida afora…
A criança interior nada mais é que uma parte do nosso inconsciente onde estão algumas experiências e comportamentos da nossa infância, além das emoções que foram reprimidas. A autocobrança, por sua vez, é a pressão que um indivíduo coloca sobre ele mesmo, na busca de atingir determinadas metas e objetivos de forma perfeita e conforme as expectativas que ele mesmo estabelece.
O adulto que vive o processo de autocobrança não se permite errar, ser acolhido, chorar, fraquejar, quer sempre estar em evidência como uma figura forte, que não precisa de ajuda de ninguém. Esse adulto transborda a figura de sua criança interior que na infância precisou ter atitudes e obrigações adultas de maneira prematura, e se desenvolveu acreditando que é sua obrigação organizar a instabilidade do ambiente em que vive.
De acordo com a psicóloga Bianca Reis “quando a sua criança interior está ferida é comum o adulto entrar num processo de autocobrança muito desafiador, adoecedor e sem conseguir impor limites a si mesmo”. Bianca Reis diz que a porta de entrada para uma autocobrança tão exacerbada na fase adulta foi aberta na infância, quando não foi ensinado para a criança de maneira firme, porém afetuosa, o que é certo e errado, e quando ela não pode entender suas próprias emoções e as emoções dos outros. “A criança interior não foi acolhida e suas dores e sentimentos, além de não terem sido respeitados, foram minimizados”, afirma a psicóloga.
Em conversa ao site dorispinheiro.com.br Bianca Reis explica porque desenvolvemos um escudo protetor para afastar a criança interior que possuímos e não queremos deixar aflorar. acompanhe abaixo.
Cássia Reuter: Por que criamos esse escudo protetor?
Bianca Reis: Para proteção, mas além dela, escudos também são feitos para enfrentar batalhas e guerras. Decerto foi ensinado que é desta forma que iriamos enfrentar melhor a vida. Hoje, estamos aqui para entender quem se esconde por trás da armadura e utiliza o escudo, afinal muitos não sabem quem são. Isso porque esse artificio serviu por muito tempo como forma de sobrevivência, mas também privou a pessoa de experimentar a vida de maneira espontânea. Afinal escudos e armaduras engessam nossos movimentos, nossas vivências!
CR: Por que adultos se cobram tanto e não deixam que as emoções transpareçam na interações sociais?
BR: É multifatorial: ambiente, temperamento e cultura influenciam em crenças que estão ligadas às feridas e necessidades emocionais não supridas. Essas questões repercutem na criação e manutenção de padrões de comportamento que nem sempre são saudáveis. Em adição, vivemos em uma sociedade que foi ensinada, e arrisco dizer, até adestrada, a não permitir que os sentimentos e emoções façam parte da vida, com a alegação de que elas são fraquezas. E quando as pessoas se manifestam são taxadas de maneira pejorativa. Muitos de nós escutaram “engole o choro” e “vou te dar um bom motivo pra chorar” e com isso vem a cobrança até de não sentir passou a fazer parte do nosso repertório. Resultado: baseados na necessidade de adequação, pertencimento e amor, nos inadequamos, deixamos de pertencer a nós mesmos e nos amar.
CR: Como desenvolver a criança interior?
BR: Entrando em contato com os sentimentos. Eles são portal e guia, e buscando auxílio de um profissional especializado.
CR: Este adulto que nega as suas emoções internas, como ajudá-lo psicologicamente?
BR: Primeiro reconhecendo que esse movimento foi importante para ele, demonstrando empatia e pisando com muito cuidado e carinho no campo/vida do outro. Após (isso será personalizado a cada caso) pode-se fazer uma psicoeducação, apresentação de sentimentos e emoções de maneira ludica ou com exemplos práticos e construindo espaço seguro para a manifestação dos sentimentos.
CR: As terapias podem aflorar estes sentimentos reprimidos pelos adultos?
BR: Sim. E a ideia é proporcionar isso com técnica, teoria, empatia e muita humanidade, pois podem estar atrelados a feridas e grandes vulnerabilidades. Vivenciar para entender o significado e futuramente ressignificar são quesitos interessantes ao processo de autoconhecimento e libertação.
Sobre Bianca Reis
Psicóloga 03/11.152 do CRE-TEA, Psicoterapeuta, Palestrante e Facilitadora de Grupos. Bianca é Mestra em Família, Especialista em Psicoterapia Junguiana e Pós-graduada em Estimulação Precoce e pós-graduanda em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Atua há 9 anos na área clínica, tratando de pacientes com demandas voltadas aos relacionamentos familiares e românticos, sexualidade, gênero, infância, ansiedade, depressão e outras importantes questões psicológicas e humanas.