Por Victoria de Andrés Fernández
The Conversation
Você já deve ter ouvido dizer que quando nadamos no mar, o corpo e a mente voltariam ao seu “estado mais primitivo”.
Que nos sentimos bem porque é como se estivéssemos retornando ao ventre da mãe ou lembrando de estágios evolutivos muito ancestrais.
Tudo isto nada mais é do que uma visão embrionária e evolutiva de… um enorme mito completamente desprovido de base científica!
Não importa quão atraente ou idílico possa parecer, não temos capacidade de lembrar nem o estado ontogenético da nossa pessoa como indivíduo, nem o estado filogenético da nossa linhagem como espécie.
Em outras palavras, não nos lembramos de quão confortável era o saco amniótico que nos protegia quando éramos fetos nem, muito menos, temos a capacidade de saber o que os táxons que nos precederam sentiram em nosso caminho evolutivo até a condição de homo sapiens.
O que é evidente – e repetidamente verificável– é a sensação de bem estar que um mergulho no mar nos gera.
O bem-estar vai além do simples prazer.
Enquanto o prazer seria o desfrute de algo relacionado ao êxtase ou à euforia específica (ou seja, é uma sensação imediata), o bem estar é algo mais profundo, é um estado de prazer mais “consolidado”, harmonioso e calmo e que transcende o puramente sensorial.
Isso porque, enquanto o prazer está mais relacionado ao vivenciado, o bem-estar envolve aspectos mais plurais como a saúde, a virtude, o conhecimento ou a satisfação de desejos.
Quando entramos no mar, ao prazer puramente somático junta-se um bem estar mental muito mais complexo, que nos faz sentir felizes e satisfeitos.
Mas por quê?
O óbvio
Tendemos a pensar no mais óbvio: entrar na água nos esfria e isso neutraliza o calor do verão quando ele está muito intenso.
Obviamente, isso está correto. Satisfazer uma necessidade fisiológica, como comer quando temos fome ou beber quando sentimos sede, é sempre prazeroso.
Mas no caso do banho de mar, há muito mais.
Do ponto de vista da neurofisiologia, foi demonstrado que a imersão vertical na água gera efeitos positivos muito interessantes.
Para começar, aumenta a velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias cerebrais média e posterior.
Além disso, se a imersão for acompanhada de exercícios de baixa intensidade (como caminhar na água), alcançamos a mesma velocidade do fluxo sanguíneo cerebral o do que ao correr fora da água.
Menos esforço para os mesmos benefícios. Uma pechincha que justifica a boa reputação da hidroginástica.
Juntamente com este aumento no fluxo circulatório cerebral, os estímulos somatossensoriais gerados pelo aumento da pressão hidrostática produzem um aumento na atividade cortical cerebral, tanto nas áreas motoras quanto nas áreas sensoriais ou parietais. Um ponto para o nosso cérebro.
Terceiro, apenas mergulhar até aos ombros reduz o edema muscular e aumenta a atividade cardíaca (sem aumentar o gasto energético), promovendo um fluxo sanguíneo generalizado e o transporte de nutrientes e resíduos através do corpo.
Isto, que se traduz numa redução drástica da sensação de cansaço, é a razão pela qual uma sessão de jacuzzi é recomendada aos atletas após exercício intenso.
Para quem não se dedica a quebrar recordes, o que percebemos é como nossas pernas ficam muito mais leves à medida que o retorno venoso é favorecido.
Todos os efeitos acima são resultado da imersão em água. Mas você pode estar pensando que não nos sentimos tão bem nadando na piscina como quando nadamos no mar. E você está certo novamente.
Aos efeitos derivados da própria imersão em água, devem ser acrescentados aqueles relacionados com a natureza especial da água do mar.
Nadar no mar
A água do mar, como bem sabemos, recebe contínuas contribuições fluviais de sais e minerais.
As fontes hidrotermais subaquáticas e as erupções vulcânicas no fundo do mar também contribuem para a manutenção de uma elevada concentração salina (com uma média de 35 g/kg de água, dos quais 80% são cloreto de sódio e o restante, principalmente, cloreto de magnésio, sulfato e brometo).
A consequência direta é dupla. Por um lado, a água salgada é mais densa que a água doce. Isto requer menos esforço muscular para nos manter à tona.
Ou seja, nadamos mais relaxados no mar porque flutuamos mais.
Por outro lado, os sais são absorvidos pela pele.
Isto representa uma contribuição muito importante para inibir a quebra da barreira cutânea causada por agentes irritantes dérmicos, o que acelera a sua recuperação e previne a secura.
Este fato é especialmente interessante no tratamento de doenças de pele como a dermatite de contato ou a psoríase e tem levado à consideração dos banhos de mar como tratamento adicional no cuidado com a dermatite crônica.
A água do mar especialmente enriquecida com sais de magnésio, como a do Mar Morto, também demonstrou uma interessante ação antiinflamatória.
A todos estes efeitos benéficos devemos acrescentar a ausência de ações negativas devido aos aditivos que aparecem necessariamente nas piscinas.
A adição de cloro é necessária para evitar a proliferação de protozoários, bactérias e fungos na água, mas irrita a pele.
Evitamos esta agressão substituindo a piscina pelo mar.
O mar é mais do que água
Vimos que a imersão na água é benéfica e que, além disso, a água marinha é especialmente aconselhável para a pele.
Mas tomar banho de mar é muito mais do que entrar numa banheira à qual foram adicionados sais.
O grande volume de água que se acumula nos mares e oceanos atua como um regulador térmico muito importante.
A maior capacidade térmica de um meio denso (como a água) em comparação com o ar funciona como um amortecedor de temperatura, de modo que as zonas costeiras são menos frias no inverno e menos quentes no verão do que áreas de localização geográfica semelhante, mas no interior.
Isto gera um resfriamento contínuo do ar quente e o estabelecimento de correntes que geram a reconfortante e fresca brisa marítima.
A brisa também traz consigo uma concentração muito elevada de ânions (partículas eletricamente carregagas) que penetram não só na pele, mas também nos pulmões.
Seus efeitos fisiológicos e psicológicos não são desprezíveis: prevenção de distúrbios neuro-hormonais, redução dos efeitos do estresse, ação antioxidante pelo aumento dos níveis de uma substância chamada superóxido dimutase e até melhora da acne.
Podemos ainda acrescentar consequências mais benéficas, como o relaxamento causado pela intensidade da cor azul ou os efeitos calmantes e sedativos do maravilhoso som do bater rítmico das ondas.
Faça como eu e aproveite o mar porque, além de tudo, é de graça.
* A. Victoria de Andrés Fernández é professora do departamento de biologia na Universidade de Málaga.
Este texto foi publicado originalmente no site de divulgação científica The Conversation e foi reproduzido aqui sob a licença creative commons. Leia a versão original (em espanhol).