Por Bruno Passos
Um belo dia a internet brasileira amanhece monotemática: Um filme brasileiro está fazendo um “burburinho estrondoso” nos festivais de Toronto e Veneza. Veículos nacionais e estrangeiros apontam o longa como aposta certa para o Óscar de melhor filme internacional e mais certo ainda para melhor atriz.
O filme é “Ainda Estou Aqui”, que foi escolhido esse mês como o representante brasileiro para concorrer ao Oscar de melhor filme internacional. Inicia-se então uma jornada, não só para a produção em si e todos os seus envolvidos, mas também para o cinema nacional como um todo.
Não que o Oscar seja uma comprovação de qualidade ou a validação da nossa indústria como significativa no cenário mundial, isso nós já temos, pela nossa história. Mas, aparecer nos holofotes de uma grande premiação faz movimentar o mercado de filmes, leva mais pessoas aos cinemas e, com isso, só temos a ganhar. A trajetória do filme do diretor Walter Sales (Central do Brasil, Abril Despedaçado, Diários de Motocicleta. Todos incríveis) já começou bem antes, na verdade, fazendo barulho nos festivais, como foi o caso de Veneza e Toronto, onde ganhou o prêmio de melhor roteiro, foi aplaudido de pé e apontado de imediato como uma aposta para as grandes premiações da temporada.
A história é uma adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva e é contada no Rio de Janeiro de 1971, no período da ditadura militar. A família Paiva vive com conforto numa casa à beira da praia, lá moram o ex-deputado, engenheiro Rubens Paiva (Selton Mello, ótimo), a esposa Eunice (Fernanda Torres) e os cinco filhos (entre eles Marcelo, autor do livro). Um dia, a casa é ocupada calma e friamente, Rubens Paiva é levado, à luz do dia, por pessoas não identificadas, para algum lugar não identificado e por motivos inicialmente não muito claros. E é só isso que a família sabe… e nós também.
Nesse momento já se passou mais de meia hora de filme. O primeiro ato é todo utilizado para nos apresentar àquela família, vivendo uma vida normal de uma família de classe média alta carioca. Filhos na escola, férias na praia, programação de viagens, almoços com amigos, projetos de uma casa nova e a despedida da filha que vai passar uma temporada em Londres. Tudo com muita leveza, música, alegria e amor entre eles. Apenas existe uma sombra de uma situação estranha que o país vive. Militares na rua, notícias de sequestro de diplomatas na televisão e blitz truculentas da polícia em busca de contraventores.
Essa narrativa é muito adequada para nos inserir naquele cotidiano e vai servir para nos impactar quando o horror tomar conta daquela casa. Apesar de abordar a ditadura militar, o interesse da história é mostrar o desespero da família ao ter um dos seus membros simplesmente levado sem maiores explicações. Como se existisse uma autoridade soberana para tomar a sua liberdade. Sem defesa, sem juiz, sem júri.
E todo esse desespero chega para nós na forma da personagem de Fernanda Torres, espetacular. Não há o que dizer, o trabalho é perfeito. Da esposa dona de casa tranquila (porém desconfiada) à mulher que busca a verdade numa luta injusta e impossível de vencer. Não há grandes arroubos na interpretação, sem gritos ou choros desesperados, mas sim uma caracterização sutil, minuciosa de uma personagem que vê o seu mundo desabar e precisa, ainda, ser forte para os filhos, que a tem como a única fonte de segurança em meio a uma insana realidade.
Todos os outros aspectos do longa são impecáveis. A fotografia iluminada; a direção de arte para nos transportar para o Rio de Janeiro dos anos 70 e a trilha sonora, que nunca toma para si o protagonismo para ditar as emoções e sim usa da sutileza para ambientar e conduzir. A trama, além de ter uma identificação e especificidade para nós brasileiros (até pelas imagens de arquivo), tem apelo universal, por se tratar de uma comovente e intensa jornada de uma personagem que aprendemos a nos importar.
Para concorrer ao Óscar, uma produção precisa ser exibida, antes de 30/09, com venda de ingressos, dentro do país, durante 7 dias. Salvador foi a cidade escolhida, com exibição exclusiva no cine Glauber Rocha durante a semana de 19 a 25 de setembro. A estreia oficial, em todo país, será em 7 de novembro.
E já que estamos falando de Brasil no Óscar, é difícil não lembrar do Óscar de melhor atriz que Fernanda Montenegro não levou em 1999 por Central do Brasil. Aqui, ela faz uma participação de alguns minutos e ela alcança, apenas com o olhar, o que Gwyneth Paltrow nunca conseguiu na carreira inteira. Que venha o Óscar… ou não! Já temos Marcelo, Walter e Fernandas… Montenegro e Torres. Que sorte a nossa!