Por Reynivaldo Brito
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O artista Ubiraci Tibiriçá não nasceu em nenhuma tribo da região amazônica, mas sim em Campinas de Brotas, em Salvador, onde outrora existiam fazendas com a criação de pequenos rebanhos de gado, além de galinhas e outros animais domésticos. Foi neste ambiente que se criou o Ubiraci Contreiras Simões, filho de um policial da extinta Guarda Civil o Carlos Filgueiras Simões e da dona de casa Nereida Contreiras Simões, ambos falecidos. Sua infância foi na escola e nas horas vagas andava pelas roças que existiam no bairro de Brotas e ele relembra das roças do Asilo Salvador, do seu Tertuliano, do seu avô Huguelino Simões, da roça de Almiro Romualdo da Silva, dentre outras. Ele saía de Brotas até o bairro do Cabula com seus amigos andando nas matas que também tinham muitas árvores frutíferas. Seu avô fazia questão que seus netos aprendessem a ordenhar as vacas e tirar leite. Era quase um ambiente rural parecido com esses das pequenas cidades do interior do Estado. Sua família era muito numerosa porque além dele tinha mais doze irmãos, sendo oito homens e cinco mulheres.
Para ajudar no sustento da casa já que o salário de seu pai de Guarda Civil não era suficiente sua mãe d. Nereida fazia doces e pastéis e os meninos vendiam nas imediações do bairro de Brotas, enquanto ela ainda lavava para fora. Na época não existiam por aqui as máquinas de lavar e tudo era lavado nas mãos ensaboando e esfregando para que as peças saíssem bem lavadas.
Haviam muita vegetação nos restos de mata Atlântica no bairro de Brotas que quando assolou uma grande enfermidade de tuberculose em Salvador este bairro era recomendado aos acometidos por esta doença a morar ali por ter um clima ameno.
Foi durante essas andanças pelas roças em Campinas de Brotas que o Ubiraci Contreiras Simões, nascido em 13 de outubro de 1953, conheceu uma família de índios da tribo Kiriris, que se estabeleceu numa das roças e pegou uma amizade que permanece até hoje com outros indígenas desta tribo que hoje habitam o município de Banzaê, no interior da Bahia. Disse Ubiraci Tibiriçá que é amigo dos índios Kiriris até hoje e quando eles vêm a Salvador costumam se hospedar em sua casa na Ladeira do Carmo, no número 30, que tem uma placa na porta com a inscrição Casa do índio.
Porém, o seu nome artístico de Ubiraci Tibiriçá tem outra história. Foi com o pintor naif Irakitan Sá, falecido no dia dez de julho de 2019, em São Paulo, enquanto dormia teve um enfarte fulminante, que ele tomou gosto pela pintura. Sempre desenhou, mas um certo dia estava no ateliê de Irakitan e pegou um pedaço de Eucatex e fez um quadro, e por coincidência entrou no ateliê um casal de argentinos quase interessou tanto pela pintura que resolveu adquirir. “Eu nem sabia dar o real valor ao quadro, mas Irakitan Sá que era experiente me ajudou e vendemos por uma boa grana. Neste dia fizemos uma boa farra para comemorar”, conta Ubiraci rindo. Deste dia em diante aumentou seu interesse e comprou umas telas e tintas e passou a pintar com regularidade. Vieram novas aquisições e daí em diante seguiu seu caminho de pintor, mas com algumas interrupções. Um dia estava pintando um quadro e virou-se para Irakitan Sá e disse: “olhe meu amigo a partir de hoje vou assinar minhas telas com o nome Ubiraci Tibiriçá. Dias depois foi chamado às pressas porque uma irmã sua teria bebido muito e estava se sentindo mal. Rumou para o local e lá chegando sua irmã estava era incorporada de um caboclo. Quando lhe avisaram que sua irmã havia bebido e que estava ruim fui logo dizendo : minha irmã não bebe. O que está acontecendo? Foi aí que ao me ver ela falou: Você sabe por que adotou este nome Tibiriçá? Respondi que tinha escolhido aleatoriamente. Foi aí que ela incorporada respondeu: “Não. Esta entidade lhe acompanha até hoje”.Ubiraci Tibiriçá passou a acreditar que esta entidade lhe acompanha até hoje.
Andanças
Seus avós maternos moravam na cidade de Belmonte, interior da Bahia, e nos anos 70 chegou a fazer a decoração do carnaval da cidade juntamente com Renato Viana, e outros artistas locais. Depois voltou para Salvador e participou do cadastramento durante a primeira reforma do Centro Histórico trabalhando no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultual – IPAC onde ingressou por intermédio de seu primo Paulo Simões que era o tesoureiro da entidade. Foi ser auxiliar de desenhista e depois de seis meses passou a desenhista.
Anos depois decide se afastar do Pelourinho e montou um ateliê na Vila 14, no bairro boêmio do Rio Vermelho e todas as vezes que vinha ao Pelourinho um amigo chamava a atenção que tinha uma ruína abandonada da Santa Casa de Misericórdia localizada na Ladeira do Carmo e que a gente poderia limpar. Resolveu enfrentar e juntamente com ele e mais outro passaram a limpar o terreno. Os outros dois não aguentaram e decidiu continuar. O pessoal na época dizia que ele estava ficando maluco. Foram retiradas mais de oitenta caçambas de entulhos. Improvisei um ateliê no terreno e passei a pintar aqui onde estou até a presente data”.
Foi quando lembrei que um amigo de juventude chamado Pedrinho era filho do Provedor da Santa Casa de Misericórdia proprietária do terreno que estava ocupando e ele conversou com o pai e garantiu que permanecesse aqui. Com os anos terminei adquirindo e hoje o imóvel me pertence. Ainda está inacabado ,segundo ele, fruto de perseguições que vem sofrendo através dos anos. “Mas estou aqui firme tocando minha vida de pintor, disse Ubiraci Tibiriçá. Depois que o IPAC levantou as paredes ainda hoje a Casa do Índio está inacabada. Eles pintaram o Pelourinho inteiro recentemente e a Ladeira do Carmo não foi pintada e está com várias ruínas que precisam ser recuperadas pelo IPAC e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Em 1975 foi para Minas Gerais passear e terminou trabalhando por cinco anos até 1980 na Fundação João Pinheiro cadastrando imóveis históricos do Ciclo dos Diamantes. Conheceu mais de oitenta cidades mineiras onde cadastrou centenas de imóveis. Diz brincando que conhece o Estado de Minas Gerais mais do que muitos mineiros”. Só em Diamantina ficou uns seis meses. Soube que tem um livro que fala que ele e sua equipe cadastrou os imóveis históricos., disse que ” preciso resgatar um exemplar deste livro.”
Sua Obra
Hoje com setenta anos de idade sua obra está consolidada e registrada em livros e catálogos daqui e até fora do país. Por falar em fora do país a convite do artista Totonho que é casado com uma holandesa, convidou Bida e Bel Borba e ele para expor na cidade de Haarlem, na Holanda, onde passaram três meses. Esta cidade fica há cerca de 20 Km de Amsterdam, capital holandesa. Conta com orgulho que levou algumas telas retratando bambuzais e que foram muito bem apreciadas a ponto de vender quinze delas o que lhe rendeu um bom dinheiro que parte destea grana aplicou nas obras complementares da Casa do Índio.
Está presente nos dois livros organizados por Matilde Mattos, tem um livro dos americanos Henry Glassie e Pravina Shuhla dedicado as artes naifs no Brasil com duas páginas sobre sua obra. O livro tem um texto na capa de um santeiro e chama-se Sacred Arte. Esta dupla tem uma vasta bibliografia sobre as artes no mundo. Também no livro da Benetton tem um registro sobre sua obra.Já em fevereiro de 1989 escrevi na coluna com o título “Um artista sai em defesa da flora e fauna nacionais”, quando ele expôs na Galeria Aquarela, que funcionava na Avenida Oceânica, número 12, no Farol da Barra. “São vinte trabalhos em acrílico sobre tela e nada mais é do que uma reflexão do Ubiraci Tibiriçá sobre a nossa natureza tão maltratada. Diria é que quase o testemunho de um “cacique” que vive nas matas e sabe a importância da sua conservação. Sabe que são necessários anos a fio para que toda aquela beleza seja restabelecida. O artista demonstra interesse em registrar que esta sua preocupação com a ecologia, com a natureza, não é modismo, não surgiu no bojo desta onda ecológica que tenta barrar a sanha dos insensíveis. Sua preocupação é anterior. Esta sua sensibilidade está retratada com muito critério e diria até com uma paciência inusitada. Ele não faz uma tela apressada em busca de um turista espantado ou maravilhado com o exotismo ali estampado. São telas trabalhosas, muito detalhadas e demonstram exatamente a riqueza plástica que ele consegue transpor das nossas florestas para suas telas. As araras, os tucanos e as garças dão voos rasantes despreocupadas porque estão em porto seguro. Aqui não há lugar para caçadores e matadores. O equilíbrio é perfeito e, o silêncio é interrompido quando alguém fica espantado com a beleza de suas telas.”
Já o artista Renato Viana, artista plástico, viu assim o trabalho de Ubiraci Tibiriçá: “Com uma tela sobre a prancha ele retrata cenas de nossas matas tropicais dando um testemunho do seu conhecimento de nossa fauna e flora. A riqueza de detalhes que faz com seu pequeno pincel dê ao trabalho uma grande variedade e uma perfeita unidade de cor. Seu trabalho não se confunde com de nenhum outro artista, com contornos tão suaves quase imperceptíveis consegue agradar a críticos e leigos pelo seu alto nível técnico e suavidade quase ingênua.”
Nesta época estava muito em voga a defesa da fauna e flora nacionais e desde que começou a pintar Ubiraci Tibiriçá nunca abandonou esta temática que vem aprimorando com o passar dos anos. Ele ressalta que as obras que faz com o casario envolvido com a floresta sempre é mais apreciado pelo colecionador estrangeiro. E aponta para uns quadros onde vemos o belo colorido das casas simples e ao fundo e ao redor muitas árvores e fauna.
Exposições
Começou sua carreira em 1975 no ateliê de Irakitan Sá um pintor naif muito conhecido que faleceu em 2019. De lá para cá vem se dedicando ao desenho e principalmente à pintura tendo feito exposições individuais e coletivas aqui e no exterior a exemplo da França, Itália, Marrocos, Holanda, Portugal, Estados Unidos, Bélgica, Alemanha e Canadá. Tem obras espalhadas por outros países. A primeira exposição foi em 1980 numa coletiva Salão do Hotel Pelourinho, em Salvador, e a primeira individual em 1989 no Clube Mediterranée, na ilha de Itaparica, Bahia.
Exposições Individuais:
1989 – Clube Méditerranée, Itaparica;1992 – Projeto Parques das Árvores Queimadas na Rio 92, Rio de Janeiro; 1992 – Exposição Planeta Mulher, no Aterro do Flamengo na Rio 92, Rio de Janeiro; 1994- Exposição Trezentos anos de Zumbi, Salvador; 1999 – Exposição na Galeria do IPHAN, Cachoeira, Bahia e em 1999 – Exposição Galeria Aquarela, em Salvador.
Exposições Coletivas :
1980 – Salão do Hotel Pelourinho, Salvador; 1982 – Salão no La Maison Française, Salvador; 1984 – Clube Méditerranée, em Itaparica, Bahia; 1984 – Salão na Biblioteca Central, Salvador, 1985 – Jornada do Cinema no Hotel da Bahia, Salvador; 1985 – Pintura de Painéis; 1985 -Salão Genaro de Carvalho, no Othon Pálace Hotel, Salvador; 1985 – Salão dos Primitivos da Galeria 13, Salvador, tirou o 1º Prêmio; no Clube Mediterranée com os artistas Almir Oliveira e Ariel ; 1986 – Mostra Baiana de Artistas Plásticas da Arplamb , no foyer do Teatro Castro Alves, Salvador ;1986 – Mostra do Acervo da Galeria 13, no Hotel da Bahia, Salvador; 1986 – Salão da Universidade de Feira de Santana, Bahia;1986 – I Salão Metanor/Copenor de Artes Visuais da Bahia , Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador; 1987 – Coletiva de Abertura da Galeria Arte Viva, Salvador; 1987 – Exposição na Galeria 13, Salvador;1987 -Exposição Semana da Marinha na Galeria Arte Viva, Salvador; 1988- Expo Comemorativa do Jubileu de Prata , Salvador; 1989- Coletiva Exposição de Cultura Negra Através da Arte, no Núcleo Cultural Niger Okan, Salvador ; 1989 – Exposição Coletiva de Verão no Grande Hotel da Barra, Salvador; 1989 – Exposição na Prefeitura de Porto Alegre, Rio Grande do Sul; 1990 – Exposição do Dia do Artista Plástico, Cachoeira, Bahia; 1990 – Na Casa do Artista, Ilhéus , Bahia;1991 – Coletiva na Galeria Raquel, no Grande Hotel da Barra, Salvador. Continuou participando de várias coletivas nos anos seguintes e podemos destacar a do ano 2000 quando recebeu o Prêmio Destaque na Bienal do Recôncavo.