Por Mário Edson
Pense num filme surpreendente, que ancorado num tripé de atores excepcionais e com direção certeira e cirúrgica consegue prender a atenção sem viradas mirabolantes, dramas rasgados e até mesmo excesso de romantização na história …
Gracie (Julianne Moore) é pega fazendo sexo com um garoto 23 anos mais jovem (ele tem apenas 13 anos de idade )…
É presa, dá à luz na prisão, volta para a convivência com a sociedade e casa com o garoto …
Eis a espinha dorsal do filme, que vinte anos depois, com filhos crescidos e vida aparentemente estabilizada, recebe a atriz que fará seu papel num filme que contará essa inusitada história.
Elizabeth ( num momento sublime de Natalie Portman ) chega à casa de Gracie e inicia sua pesquisa, entrevistando desde a própria a todas as pessoas que direta ou indiretamente participaram da história
Fica difícil mensurar quem brilha mais, se Natalie ou Juliane Moore em mais uma de suas sublimes atuações
Frise-se aqui que Joe, o garoto, personagem de um inspirado Charles Melton não fica atrás, compondo um atormentado adulto que estacionou na infância e mediante a tudo vivido, fechou-se em si mesmo numa espécie de submissão a uma Gracie autoritária e manipuladora.
Num misto de mãe dedicada e esposa exemplar, o roteiro pontua em pequenos detalhes o poder manipulativo desta mulher que seduziu o garoto, com ele se casou e agora recebe essa estranha (a atriz) que com sua pesquisa desperta monstros adormecidos
A dedicação e a compulsão de Elizabeth na pesquisa de composição de seu personagem é um espetáculo à parte. Ela absorve trejeitos, muda o andar e numa espécie de incorporação rouba a cena.
Difícil estabelecer entre as duas, em se tratando de atuação, quem é a protagonista e quem é a coadjuvante. na minha opinião, ambas protagonistas. A atuação de Charles Melton, apesar de ser um ator jovem e sem grandes papéis em atuações anteriores, não fez feio e bate um bolão com as duas Consegue construir um Joe introspectivo que em suas inúmeras camadas nos dá uma noção, ainda que velada, dos tormentos de um jovem vítima de abuso que se deixa embalar em nome de uma pseudo história de amor e que, de uma hora pra outra ver seus tormentos aflorarem
É bela, determinante e reveladora a cena com o filho no telhado. Em poucos minutos os papéis se invertem e a ficha começa a cair. É um filme bem construído, ancorado num roteiro bem elaborado que, com uma direção sabia e segura, evita as armadilhas que dramas do tipo fatalmente sucumbiriam, se tornando um dos grandes filmes do ano.
Interessante também é abordagem que é feita da construção de um personagem, onde uma atriz é convidada a viver na tela as agruras do pivô de uma história, cujos personagem que a compõe em carne e osso vivem uma realidade abraçada e veladamente pacata e de repente é obrigada a sacudir um tapete que por anos acumulou toda ordem de detritos.
Até onde vai esse envolvimento, essa determinação que beira o doentio em caprichar nesta construção, uma lição de casa para atores, mais um mérito do filme.
Ver três atores em seus melhores momentos batendo um bolão é um programa de primeira … Não esquecendo aí a trilha sonora que, pontua com acerto e sem exagero cada cena, como uma espécie de personagem da trama, nos brindando com uma crescente tensão e pertinência equilibrada emoldurando as cenas, uma espécie de conjunto de escadas onde os atores sobem e descem com espetacular elegância. O roteiro se baseou numa história real, acontecida na década de 90, com algumas licenças poéticas que em nada alteraram seu conteúdo e a importância de refletirmos sobre assunto tão recorrente e pontual.
Entenda o porquê do título original May December:
Na Idade Média, os meses de primavera eram frequentemente retratados na literatura como mulheres jovens, enquanto os meses posteriores de inverno eram frequentemente retratados na literatura como homens velhos. Isso foi escrito antes da aceitação do calendário gregoriano, que estabeleceu dezembro como o último mês do ano, portanto, versões atualizadas frequentemente mudam seu nome para “Sr. Dezembro”. E assim nasceu a expressão “maio dezembro”, uma expressão abreviada para indicar uma grande diferença de idade entre casais românticos. Esta é a fonte do filme
Ficha Técnica:
Título Original: May December
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Samy Burch
Elenco: Natalie Portman. Julianne Moore, Charles Melton