Por Marlon Marcos – poeta e antropólogo, jornalista, historiador, professor da Unilab.
Para o teto do meu quarto invento uma epígrafe: “O meu corpo quer extensão, quer movimento, quer zigue-zagues”, o sentir autoral de Pagu rasgando minha manhã febril de feriado em 1º de maio, uma quarta-feira, calor no corpo, calor no espaço, e o tempo passando devagar nesses instantes de recorrências da memória.
Estou sob o peso real da minha história, revendo tudo que deixei de fazer por falta daquela coragem que habitou a mulher Pagu. Encolhi pelas queixas do que precisava ser feito, mas eu não fiz. A liberdade da minha alma sofreu de muitas servidões, e, me parece, escolhi os caminhos mais difíceis, por onde o sofrimento foi mais real que imaginário, mais pesado que alegórico, mais gritante que retórico.
Há a presença da música aqui. Canções retiradas do silêncio de existir. Tocadas ao violão. Marcadas de minimalismos da invenção do enorme cantor de Juazeiro. Aberturas para o cais me assegurando a hora de partir. Meu encontro com outra cidade que, para além de não me ler, nem me sabe como existência, como pessoa, como verdade. Parto como uma mentira singrando os mares da minha adoração. Reimagino minha vida pela luz refletida nas águas, as do mar e as minhas lágrimas expelindo toda minha confusão.
Hoje é um dia de festa. Uso da linguagem para grafar minha dança selvagem, salvando mundos, trazendo luares, causando nojos, repetindo consolos, autoajudando a mim mesmo que imploro por ajuda. Uma festa de imundos, sujos em suas dores, nós contudo, alegrando a tristeza dos bailes. Hoje é um dia de riqueza de araque, profunda pobreza, definindo essa glória imposta pela luta diária que não significa arte.
Uma festa de nós sujos se indo aos holofotes da mediocridade e pedindo abrigo com o Blues da Piedade, na voz de Sandra de Sá. E eu chorando por mim pelo avesso da minha pele – o que mais me traduz.
“Pagu tem olhos moles/ Olhos de não sei o quê/ Se a gente está perto deles/ A alma começa a doer”, Raul Bopp, em 1928, desenhando Pagu em versos, agora a epígrafe da parede desse meu delírio em palavras. Estou inspirado pela presença da escritora musa modernista, a boca da risada pitando o cigarro da bravura, para criar asas e sobrevoar, tomando distância, o meu próprio ressentimento.
Ah, Dona Patrícia Galvão: “As casas subindo/O dinheiro circulando/ O dinheiro caindo. / Os namorados passando, passeando, / Os ventres estourando/ o lixo aumentando/ Que monótono o mar!”, recita a poeta.
Que monótona a Cidade da Bahia nesse contínuo recauchutar que nunca se conclui. Eu quereria o busto da Gal no Farol da poesia. Gal siderada como a voz da mulher soteropolitana nos inscrevendo na ordem universal das criações. Gal feito alma irmanada de Pagu, o desejo feminino, embelezando ainda mais a Barra.