Por Rosana Andrade
Uma vida dedicada à arte, com percalços, muito esforço e grandes conquistas. Um pouco da história da atriz, bailarina, artista circense, criadora e professora do método Pole Dance Circus, Odre Consiglio, de 64 anos. Com sua dedicação, conseguiu fazer parte do universo circense, rompendo barreiras de preconceitos e tradições, conquistando um lugar de destaque e abrindo caminho para outras gerações. Um bate papo que segundo ela: “virou uma partida de tênis”!
ROSANA ANDRADE – Quais as origens dessa veia artística?
ODRE CONSIGLIO – A arte é minha missão nesta vida! Nunca pensei em ter outra profissão. Desde criança sempre tive a certeza de que eu queria dedicar minha vida à arte. Adolescente que não sonhava com casamento nem com maternidade, mas sim com espetáculos e viagens. Estudei piano muito jovem, adorava música clássica! Estudei corte e costura aos 13 anos e criava e costurava minhas roupas. Logo descobri que meu talento não era para a música apesar da minha dedicação. Mas o teatro, ah! O teatro! Fiz até um curso de Shakespeare em inglês original e todos os cursos de teatro amador ao meu alcance. Mas meu pai não estava de acordo com minha escolha. Me levou para fazer teste vocacional, muito recomendado na época para os adolescentes “fora do padrão”. Qual o resultado? Arte! Nenhuma outra opção!
RA – A sua consagração no circo não foi uma caminho fácil, teve nariz torcido, família que não apoiava e professora que desacreditava da sua capacidade, nos conte um pouco dessa trajetória.
OC – Fui profissional de teatro antes da maioridade! Ganhei meu certificado de atriz profissional no meu aniversário de 18 anos. Já com espetáculo em cartaz! Mais ou menos nesta época, foi inaugurada a primeira escola de circo da América do Sul, em São Paulo, a Academia Piolin de Artes Circenses.
Até então, o circo era um mundo inatingível para aqueles não nascidos nele. Se acreditava que a arte circense era transmitida pela tradição familiar e pela linhagem dos sobrenomes, onde se acrescentava orgulhosamente, terceira, quarta ou quinta geração! A iniciativa de uma escola de circo, como já havia na Europa, foi revolucionária!
Os circenses tradicionais seriam os professores, mas nem eles mesmos acreditavam em transmitir a arte para “plebeus” adultos. E assim, alguns mestres circenses já aposentados do picadeiro e da vida nômade vestiram uniformes e receberam uma variedade de atores, bailarinos e curiosos ávidos pela sua arte. Eu adorava circo! Admirava uma trapezista argentina que assisti várias vezes fazendo um solo no trapézio.
Quando cheguei na Escola e me perguntaram qual área me interessava mais aprender, quis trapézio solo e aéreos em geral. Libriana, signo do Ar, queria voar! No terceiro dia de aula, ainda toda “quebrada” dos treinos intensos, uma professora me chamou no vestiário pra me dizer que eu jamais seria trapezista! Eu era muito velha (18 anos) muito grande (1.65) e muito pesada 57 quilos)!
Morta de vergonha, pedi uma oportunidade de ficar pelo menos um mês… Treinava durante os dois períodos, manhã e tarde. Treinava durante as horas de almoço. Fazia shows nos fins de semana e na noite para me sustentar. Às vezes ia treinar com duas ou três horas de sono!
Dois anos depois, me formei com Trapézio Solo, Ballet Aéreo e sendo a primeira mulher a cortar alvos com chicotes com as duas mãos! Meu pai, que as duras penas tinha engolido o teatro, rejeitou totalmente o circo! Minha mãe não entendia muito bem o que eu queria com aquilo então não opinava.
RA – Como foi a fase de sua carreira viajando e fazendo shows e apresentações?
OC – Recém-formada já quis alçar vôo nos circos! Mas, mesmo contratada não era aceita pela comunidade circense. Morávamos todos no circo em trailers, e de repente me vi numa sociedade fechada, machista, aonde filhos saem de suas famílias para casar, e meninas são monitoradas o tempo todo pelos pais e irmãos. Um mulher “sem dono” independente a ponto de dirigir (dirigir carro era estritamente masculino!) e que sabia armar seu equipamento sozinha (outra função masculina, montar os aéreos das mulheres!) certamente não deve ser virgem e isso seria uma ameaça aos costumes…
Depois de ter um contrato cancelado num circo grande, (por causar desequilíbrio na estrutura das famílias) consegui trabalhar em circos médios, pouco a pouco conquistando a confiança dos homens (que viam em mim uma presa fácil) e das mulheres que me viam como ameaça e mau exemplo para as filhas!
Aos 23 anos meu número de Chicotes ganhou mundo quando fui contratada por um circo importante no México. A sociedade machista era a mesma, ou pior, mas eu valia como artista o alto preço pago para contratar uma estrangeira! Em pouco meses, além do número de Chicotes e atuando como dançarina, já montava elefantes, fazia Pirofagia, apresentava um número com cavalos e era tradutora em Inglês, Português e Espanhol (que estudei lá mesmo). Meu contrato foi renovado. Depois outro circo lá mesmo me contratou com os meus aéreos, o Trapézio e o Ballet Aéreo e no circo seguinte fiz temporada nos EUA.
10 anos depois da minha formatura na Piolin, voltei para SP, meu trapézio abria o espetáculo do Circo Garcia (o maior circo do Brasil) e meu Ballet Aéreo abria a segunda parte. Detalhe: a diretora Circo Garcia não gostava de números solo, e nunca havia permitido um solo “feminino” até então! Na plateia tive o prazer de ver aquela professora que me disse que eu jamais seria trapezista, e fiz meu número olhando pra ela através das lágrimas ao perceber que minha carreira foi muito mais longe em 10 anos do que a dela a vida toda. Ainda tenho contato com ela e sempre que faço algum trabalho em SP damos muita risada!
RA – O Pole Dance Circus tem base na sua experiência com o circo, como surgiu o método?
OC – Além da vivência do circo, das aulas de dança, de musculação e das pesquisas corporais que eu vinha fazendo durante os 20 anos que vivi viajando, morando nos circos, sem endereço, foi, tudo foi me mostrando que o mais completo trabalho corporal que conheço está nas técnicas de circo! Quando resolvi deixar a vida nômade e finalmente ter endereço em Salvador, criei uma aula para ser ministrada em academias chamada Fit Circo.
Eu levava um trapézio, uma corda, argolas olímpicas e bolas para malabares. Com isso fazia uma trabalho corporal superior em resultados do que tudo que as academias ofereciam na época. Mas, dependia de ter um ponto de sustentação no teto ou uma viga para pendurar meus aéreos.
Fui apresentada ao Pole Dance em Istambul durante um trabalho lá, e fiquei fascinada com as possibilidades que um tubo vertical pode oferecer, sem precisar pendurar nada! Voltando à Salvador, treinando muito, pesquisando as possibilidades que meu novo “brinquedo” tinha a me oferecer, criei um método de condicionamento físico que não era o tradicional competitivo, nem o Pole sensual. Uso a barra como base para um trabalho lúdico e divertido desenvolvendo todos os grupos musculares.
RA – Qualquer pessoa consegue fazer suas aulas? Existe algum pré-requisito?
OC – Qualquer pessoa consegue fazer o Pole Dance Circus, porque trabalho individualmente com cada aluno. Mantenho turmas pequenas para que a atenção seja assim. Além dos benefícios físicos, também temos resultados surpreendentes na área da autoestima, auto confiança e superação de limites e medos. Já tive alunos de 7 até 70 anos!
RA – Quais os benefícios do Pelo Dance Circus?
OC – Desenvolvemos força e definição muscular, equilíbrio e alongamento, além dos benefícios psicológicos descritos acima.
RA – E na área da atuação, o que tem feito?
OC – Como artista, minha essência, tenho feito performances com o Pole Dance Circus, que com o meu equipamento portátil pode ser apresentado em qualquer lugar, a Dança da Serpente que faço com uma cobra Salamanta chamada Gesse com quem as pessoas podem tirar fotos e trocar carinhos! A Pirofagia (arte de dominar o fogo) e Chair Dance, coreografia executada tendo como base uma cadeira.
RA – Quem te conhece, conhece também o seu fusca azul. Qual é a história dele.
OC – Meu Fusca, que se chama Apollo, na verdade nem é azul, kkk, a cor dele é reconhecida como verde, o azul turquesa, que nem é verde nem azul. Foi do sócio de meu irmão, em SP, há muitos anos. Meu sobrinho que hoje tem mais de 30, fazia desenhos deste fusca na escolinha.
Anos depois, meus irmãos, Clay e Emerson, fizeram o Rally Mercosul com este fusca (na época não se chamava Apolo), o percurso era saindo de SP, passando pelo Uruguai, Argentina, Paraguai e de volta a São Paulo.
Quando Emerson teve que se desfazer do Fusca, meu irmão foi o “herdeiro”. Quando meu irmão não podia mais manter dois carros em SP, eu fui a “herdeira” e nossa (eu e Apollo) fomos de São Paulo a Salvador, deliciosamente juntos! Isso já faz uns 15 anos. Hoje Apollo tem bagageiro para carregar meus aparelhos de circo, e já fizemos muitas viagens circenses juntos!
RA – Qual é o segredo dessa vitalidade? Dá uma dica pra gente.
OC – Vitalidade? Fazer o que dá paixão, com certeza! Estou com 64 anos e preparando um novo número aéreo. As pequenas coisas do dia são fontes de inspiração e alegria. Viver perto do mar é fundamental para mim e é lá que me renovo. A partir de uma vida dedicada ao “corpo” posso dizer que o envelhecimento não é um problema. O que é um problema é o aumento de peso que vem junto. Os meus maiores prazeres não são gastronômicos. A alimentação deve ser um combustível não uma substituição dos prazeres perdidos com o tempo. Hoje tenho os mesmos 55, 56 quilos que tive a vida toda.