Por Rosana Andrade
O Balé Folclórico da Bahia (BFB), ícone da cultura baiana e brasileira, celebrou em 2023 35 anos de existência, resistência e sucesso. Neste tempo já levou seus espetáculos para mais de 24 países e diante de inúmeros desafios o grupo segue construindo sua história. Além de espetáculos permanentes no Teatro Miguel Santana, situado no Pelourinho, em Salvador, o grupo realiza atividades sociais e educativas e se apresenta em outros palcos. Conversamos com o diretor do balé, Vavá Botelho que junto com Ninho Reis, lá em agosto de 1988, fundou a companhia de dança.
Rosana Andrade – 35 cinco anos desse ícone da cultura baiana, o que alimenta essa paixão que vemos nos espetáculos?
Vavá Botelho – Para nós baianos é gratificante se sentir representado em cena por pessoas que fazem parte do dia a dia dessas manifestações, trazendo a verdade de forma espontânea. Para os que não são baianos, e não vivem essa verdade no dia a dia, a forma como fazemos nossa arte encanta porque é bem feita, com cuidado e critérios. Portanto é gratificante para quem vê e para quem faz.
RA – Como o Balé, com tanta riqueza, estudo, preservação da cultura, tem se posicionado diante dos desafios da era virtual, onde existem tantos conteúdos rasos e voláteis?
VB – Passamos por cima desse tipo de situação. Nosso compromisso é com a qualidade, conteúdo, seriedade. Eu, particularmente, como artista, batalhador desde muito tempo para manter nossas tradições, fico, às vezes, chateado por não entender como nosso trabalho não tem o merecido reconhecimento para nos dar tranquilidade financeira para viver melhor e poder produzir muito mais. Mas é só às vezes mesmo, porque sei que tudo é passageiro e essa onda vai acabar. Virão outras banalidades, mas, pelo menos, serão coisas novas. E a prova é que estamos há 35 anos na estrada e já vimos tanta besteira chegar e passar. Só se estabelece quem tem competência. É o ditado mais certo em situações como essa.
Vídeo produzido pelo #SalvadorDaBahia @visitsalvadordabahia @bfdabahia
“É ali no Teatro Miguel Santana que a magia acontece”
RA – O Balé vai além dos palcos e realiza projetos voltados para a educação, capacitação e inclusão social. Conte-nos um pouco mais sobre esse outro lado.
VB – Hoje entendo que o Balé Folclórico da Bahia sem o lado social não existiria mais. Considero até mais importante que o artístico. Foi assim, de forma natural desde sua criação, quando, para realizar os ensaios que aconteciam somente aos finais de semana nas salas emprestadas da antiga Ebateca, no TCA, era preciso antes resolver o problema da falta de dinheiro para o transporte de quem ia ensaiar, da falta de dinheiro para se alimentar e aguentar a exaustão das cinco horas de aulas e ensaios por dia, da conta de luz, água e gás não pagas em casa, de familiares com problemas de todos os tipos.
E não era só dar dinheiro para pagar essas despesas, era ter que ir até as casas para resolver problemas familiares, de vizinhança, de justiça, etc. Isso nos deu um know-how imenso para tudo que viria depois. Daí começamos a pensar nas soluções para essas situações de forma mais racional, equilibrada, percebendo que além de tudo que já era feito poderíamos criar meios para que esses problemas fossem resolvidos pelas próprias pessoas, dando suporte a elas através da educação, encaminhando para escolas para continuarem os anos de estudo largados, mostrando as oportunidades advindas dessa vantagem, fazendo com que elas criassem ambição por uma vida melhor.
E assim surgiram as oficinas de dança, capoeira, percussão, o balé júnior, balé nas comunidades, o balé que você não vê e tantos outros projetos que existem até hoje. Tudo isso gratuito. Dizemos que quando alguém entra pela porta do Teatro Miguel Santana ali acaba o coitadinho, o pobrezinho, o carente. Se é para ficar no assistencialismo então lá não é o lugar. O Balé Folcórico da Bahia é para ativar a dignidade, a nobreza, o orgulho de ser quem você é.
RA – Para quem deseja um dia, integrar o elenco do Balé, como são selecionados novos integrantes?
VB – Temos diversas formas de possibilitar que as pessoas interessadas possam ser notadas. Temos o balé júnior que completou 21 anos e que já nos deu dezenas de talentos. O projeto que tem matrícula aberta durante todo o ano recebe crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, às segundas e quartas, das 13h30 às 15h. As oficinas de dança noturnas que recebem qualquer pessoa que queira se mover, não importa idade, experiência com dança, se é para emagrecer, para não ficar em casa. A gente que quer que a pessoa somente se jogue na aula e curta. Também já tivemos pessoas saídas dessas oficinas no elenco da companhia. Fora esses projetos fazemos audições para novos componentes a cada necessidade que temos de complementar, por alguma razão, o elenco. Essas audições são anunciadas publicamente e as pessoas se submetem à nossa apreciação durante um processo seletivo. Havendo alguém que nos interesse, a pessoa é convidada a fazer parte da companhia.
RA – E o documentário, dirigido por Gloria Pires, será lançado quando? E como foi o processo de construção?
VB – Já filmamos boa parte do trabalho. Faltam algumas etapas a serem registradas, em especial as cenas em outros países e com personalidades internacionais que fazem parte do nosso relacionamento. Estamos aguardando o resultado dos projetos inscritos na Lei Paulo Gustavo no município e no estado para saber se conseguiremos terminar ainda esse ano.
RA – Com inúmeros prêmios, apresentações pelo mundo, o que falta para que o Balé seja reconhecido como patrimônio cultural e receba o devido suporte para que se mantenha dignamente?
VB – Falta boa vontade. Acho que 35 anos são suficientes para mostrar que não estamos aqui de brincadeira. Quando cultura e arte estiverem dissociadas de política isso dará certo. Não só para o Balé, falo para a arte e a cultura brasileiras.
RA – E os planos para mais 35?
VB – Ter o suporte merecido para deixar esse legado e poder descansar. Quero um dia poder ir assistir o BFB sentado nas poltronas de teatros no mundo como público, sem me preocupar de estar contando quantas pessoas estão na plateia para saber se a arrecadação da bilheteria vai dar para pagar o salário das pessoas que estão em cena.