Além de ser um dos principais articuladores da Semana de Arte Moderna de 1922, Oswald de Andrade deixou vasto legado construído em trajetória que passa pela poesia, romance, dramaturgia, jornalismo, filosofia e militância. A sua obra marcou a literatura, a música, o teatro e as artes visuais no Brasil. A sua herança cultural e política pode ser conhecida por completo na exposição, que também marca os 70 anos de sua morte
Romances, teses filosóficas, artigos de jornais: trata-se de uma ampla obra de Oswald de Andrade que o Itaú Cultural (IC) apresenta das 19h30 de 23 de outubro até 23 de fevereiro de 2025, nos horários normais de visitação. Mais de 160 itens, entre recortes de jornais, primeiras edições de seus livros, manuscritos e datiloscritos originais de livros, peças, poemas e artigos, fotos de família e pessoais, vídeos com depoimentos de estudiosos de seu trabalho, filhos e biógrafos, compõem esta que é a 65ª Ocupação Itaú Cultural dedicada a personalidades da arte, cultura e educação brasileiras que inspiram gerações.
A concepção e realização, além do projeto de acessibilidade, são da equipe Itaú Cultural. A curadoria é assinada pela gerência de Curadorias e Programação Artística da instituição, com consultoria do jornalista Lira Neto, autor da mais recente biografia do homenageado, a ser lançada pela editora Companhia das Letras.
Na data da abertura da mostra, ainda, a Itaú Cultural Play – plataforma de streaming gratuita e voltada para o cinema brasileiro – passa a disponibilizar O Rei da Vela (1983), com direção de José Celso Martinez Correa e Noilton Nunes e com Esther Goés, Renato Borghi, José Wilker e Henriqueta Brieba, entre outros, no elenco. O filme é inspirado no texto oswaldiano da década de 1930, cuja adaptação para o palco, em 1967, foi um marco do teatro brasileiro – a narrativa fragmentada, irônica e agressiva desafiou os padrões morais e estéticos. A versão cinematográfica, concluída nos anos 80, ganhou novas camadas ao agregar imagens contemporâneas, sendo exibida no Festival de Berlim em 1984 e premiada no 52° Festival de Cinema de Gramado.
“Homenagear Oswald de Andrade neste ano em que se completam sete décadas de sua morte já seria natural, mas esta Ocupação é ainda mais do que isso”, diz Galiana Brasil, gerente de Curadorias e Programação Artística no Itaú Cultural. “Buscamos jogar luz à multiplicidade de sua obra, que se desdobrou por praticamente todas as expressões artísticas, e à sua capacidade intelectual transgressora, no sentido de insubordinar o estabelecido manuseando as palavras de forma irreverente, porém totalmente coerente e inovadora. Esta Ocupação procura mostrar a obra de Oswald para além da Semana de 22”, completa.
Autor insubordinado
Oswald (cuja pronúncia é “Oswáld”, de acordo com ele próprio) nasceu em 11 de janeiro de 1890, em São Paulo, com o nome José Oswald de Sousa de Andrade. Filho único de José Oswald Nogueira de Andrade e de Inês Henriqueta Inglês de Sousa de Andrade, uma família rica e aristocrática paulistana, formou-se advogado na Faculdade de Direito de São Paulo em 1919.
Passados três anos, quando ele somava 32, se tornou um dos principais protagonistas do Modernismo brasileiro, ao lado de Mário de Andrade, ao idealizar a Semana de Arte Moderna de 22 e construir o manifesto do Movimento Antropofágico. Juntaram-se eles, artistas visuais como Di Cavalcanti, Anita Malfatti e Tarsila Amaral, o escultor Vitor Brecheret, o compositor Heitor Villa-Lobos, os escritores Menotti del Picchia e Manuel Bandeira, e os músicos Guiomar Novais, Ernani Braga e Frutuoso Viana, entre outras personalidades do universo das artes brasileiras.
Reconhecido como irreverente e insubordinado, tanto na vida quanto na escrita, ele militou na política, candidatou-se a deputado federal, escreveu para jornais – ele próprio foi dono de um, O Pirralho, que ganhou do pai, quando tinha 21 anos – e peças icônicas, como O Rei da Vela. Tarsila, com quem foi casado de 1926 a 1929, foi parceira de produção em plena fase modernista. Em sua fase mais militante, ele se casou, de 1930 a 1954, com a escritora, poetisa, jornalista e militante comunista brasileira Patrícia Galvão, a Pagu, com a qual criou o jornal O Homem do Povo. Em 1940, conheceu a sua última mulher, Maria Antonieta d’Alkmin. Com ela, o autor trabalhou na pesquisa para a elaboração de seu romance Marco Zero. Ele morreu em 22 de outubro de 1954.
Esta é a face mais conhecida de Oswald de Andrade, embora sua obra seja muito mais ampla. “Ele escrevia textos de combate e crítica engajados no momento histórico, pouco conhecidos hoje”, diz Lira Neto em um dos vídeos expostos na mostra. “É importante resgatar a sua obra. Ela fugia do padrão. Do ponto de vista da linguagem e das ideias, Oswald era um sujeito indomável, não obedecia às regras gramaticais, não adaptava a sintaxe convencional”, conta ele.
A mostra
Para apresentar a amplitude de sua obra intelectual e da produção que realizou com Tarsila e Pagu, além dos modernistas, a Ocupação Oswald de Andrade se estende por 190 metros quadrados. A mostra é formada por quatro eixos delimitados por cores. No roxo, o visitante é recebido por um texto de abertura. Azul acolhe a sua biografia, com fotografias e objetos pessoais originais, como uma cadeira e três esculturas; além de áudios em que ele recita a sua própria poesia, recortes jornalísticos, cadernos de memórias e vídeos com depoimentos do filho Rudá e da filha Marília e dos biógrafos Lira Neto e Maria Augusta Fonseca.
No ambiente verde está a literatura, a política e o modernismo, entre manifestos e obras diversas, como as primeiras edições de seus livros, entre eles, Pau Brasil, de 1925. Neste espaço também se encontra um vídeo sobre os manifestos de Oswald de Andrade. Produzido pelo Itaú Cultural e dirigido por Rodrigo Mercadante, ele apresenta as artistas Lilly Baniwa, Vicka Matos, Alice Guél, Ymoirá Micall, Priscila Magella e Thaís Dias, com trilha sonora criada pelo grupo indígena do Jaraguá, Kyreymba Kuery, composto de Jurandir Augusto Martimm na rabeca (violino), Márcio Bolgarim, no maracá (chocalho) Pedro Mbyazinho, no violão, e Fábio Oliveira, no tambor.
O espaço vermelho acolhe a sua produção teatral, com a exibição, por exemplo, de um trecho do filme O Rei da Vela dirigido por José Celso Martinez Correa e Noilton Nunes, que estrou em 1983, com Esther Góes e Renato Borghi. Neste nicho tem, também, um vídeo com depoimentos de Zé Celso, Ítala, Borghi e Marília de Andrade sobre a primeira montagem da peça de mesmo nome, em 1967.
Os itens em exposição provêm dos acervos do Banco Itaú, do Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulalio da Universidade Estadual de Campinas (Cedae/Unicamp), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma universidade (IFCH/Unicamp), do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), da Coleção Marília de Andrade e do Museu da Imagem e do Som (MIS). O projeto expográfico é de Renato Bolelli Rebouças.
O público encontra nestes espaços, primeiras edições como a de Memórias Sentimentais de João Miramar, livro escritoentre 1916 e 1923, lançado em 1924; Serafim Ponte Grande, de 1933 – que ele chamava de “livros de invenção” –, Primeiras poesias, lançado em 1945, com capa de Flávio de Carvalho, e reeditado em 1966, com capa de Lasar Segall. Entre outras preciosidades literárias, tem o rascunho manuscrito do livro Primeiro caderno do alumno de poesia e sua primeira edição, pertencente ao Acervo Itaú. Encontra-se, ainda, a chamada trilogia do exílio, formada pelos romances Os condenados – são dois volumes de 1922 –, Estrela de absinto, de 1927, e A escada vermelha, de 1934.
Há também cartas que ele trocava, por exemplo, com Érico Veríssimo, a quem em 1936 escreveu pedindo uma remessa do livro Um lugar ao sol (1936); de Dalton Trevisan, agradecendo a participação na Revista Joaquim, e de Manuel Bandeira indicando o interesse de Juan Uribe-Echevarría, professor de literatura brasileira na Universidade do Chile, em receber o seu romance Chão. Tem também a missiva que ele escreveu a Luís Carlos Prestes informando sobre a criação da Ala Progressista Brasileira. Os dois foram companheiros no Partido Comunista até 1945. Após desentendimentos, o escritor foi traçar vida própria na política chegando a se candidatar, em 1950, a deputado federal, pelo Partido Republicano Trabalhista, sem sucesso. O seu lema era: “pão, teto, roupa, saúde, instrução, liberdade”.
Por fim, a Ocupação Oswald de Andrade também pode ser conhecida on-line, no site itaucultural.org.br/ocupacao, com conteúdo inédito, entre entrevistas exclusivas com a filha Marília, os biógrafos Lira Neto e Maria Augusta Fonseca, o ator Renato Borghi e a atriz Ítala Nandi, textos de referência sobre o autor e outros materiais que complementam a Ocupação.
Para o público que visitar a mostra, estará disponível o jornal O Oswaldo focado na produção jornalística do escritor, em especial sua cobertura cultural. Além de uma linha do tempo, a publicação traz os textos O Homem do povo, da professora Gisely Hime, e Revista da antropofagia, do também professor Marcos Antonio de Moraes. A escritora e jornalista Josélia Aguiar escreve sobre a crítica teatral e literária de Oswald, entre outros, além de ilustrações feitas por André Dahmer e inspiradas no jornal O Pirralho.
SERVIÇO
Ocupação Oswald de Andrade
Abertura: 23 de outubro, às 19h30
Até 23 de fevereiro de 2025
Sala Multiuso – 2º piso
Concepção e realização: Itaú Cultural
Curadoria: Gerência de Curadorias e Programação Artística/Itaú Cultural
Consultoria: Lira Neto
Projeto expográfico: Renato Bolelli Rebouças e Anísio Serafim (assistente de expografia)
Projeto de acessibilidade: equipe Itaú Cultural
Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, próximo à estação Brigadeiro do metrô
Visitação:
Terça-feira a sábado, das 11h às 20h; domingos e feriados, das 11h às 19h.
Entrada gratuita
Acesso para pessoas com deficiência física
Estacionamento: entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.