Da Redação
Durante muito tempo, o intestino foi visto apenas como o órgão responsável pela digestão dos alimentos, absorção de nutrientes e excreção do que o corpo não precisa. Mas nas últimas décadas, a ciência revelou uma verdade surpreendente: existe uma conexão íntima entre o intestino e o cérebro que influencia profundamente nossa saúde física, mental e emocional.
O “segundo cérebro” e sua rede de neurônios
Nosso intestino contém entre 200 e 600 milhões de neurônios, formando o que os especialistas chamam de sistema nervoso entérico. Embora não tenha capacidade de raciocinar como o cérebro, esse sistema é capaz de sentir e atuar de forma autônoma. Ele é tão complexo que muitos cientistas o chamam de “segundo cérebro”.
Não por acaso: o intestino é responsável por produzir cerca de 95% da serotonina e 50% da dopamina do corpo — dois neurotransmissores essenciais para o bem-estar, o humor, a motivação, o apetite sexual e até o sono.
A serotonina, por exemplo, regula o humor, a temperatura corporal, a digestão e as funções cognitivas. Já a dopamina está ligada ao prazer, à recompensa, à concentração e à coordenação motora. Ou seja, o que acontece no intestino pode influenciar diretamente nossa mente.
Três vias de comunicação entre o intestino e o cérebro
De acordo com a gastroenterologista Saliha Mahmood Ahmed, da organização britânica Bowel Research UK, a comunicação entre o cérebro e o intestino ocorre por três vias principais:
- Nervo vago – uma via neural direta que conecta o cérebro aos órgãos internos, incluindo o intestino.
- Hormônios – substâncias como a grelina e o GLP-1, produzidas pelo trato gastrointestinal, que enviam sinais ao cérebro sobre fome, saciedade e metabolismo.
- Sistema imunológico – grande parte das células de defesa do corpo se concentra no intestino e atua como ponte entre o sistema digestivo e o cérebro.
Segundo o neurogastroenterologista Pankaj Pasricha, da Clínica Mayo (EUA), essa interação existe porque o cérebro consome cerca de 20% da energia produzida pelo corpo — e é o intestino o responsável por quebrar os alimentos e fornecer esse combustível vital.
Emoções no estômago: da paixão à constipação
Essa conexão é tão profunda que é comum sentirmos emoções literalmente no estômago. Quem nunca teve “frio na barriga” ao se apaixonar, ou náuseas antes de uma entrevista importante?
Inclusive, expressões populares como “enfezado” ou “se borra de medo” têm um fundo fisiológico. Emoções como raiva, medo, frustração e ansiedade podem se manifestar fisicamente no trato gastrointestinal, provocando constipação, diarreia, náuseas ou desconforto abdominal.
O médico Alberto Peribanez Gonzalez, autor do livro Lugar de médico é na cozinha, explica que há uma íntima relação entre os estados emocionais e a saúde intestinal: pessoas constipadas tendem a demonstrar irritação e mal-humor, enquanto indivíduos com diarreia crônica costumam relatar ansiedade e medo.
A microbiota: um universo dentro de você
Dentro do intestino vive a microbiota intestinal, uma comunidade de até 100 trilhões de bactérias, vírus, fungos e outros microrganismos. Esse ecossistema complexo tem papel crucial na digestão, na produção de vitaminas, na proteção contra agentes patogênicos e na regulação do sistema imunológico.
Nos últimos 20 anos, o avanço das pesquisas mostrou que alterações na composição da microbiota — o que se chama de disbiose — estão associadas a várias doenças, como obesidade, depressão, diabetes, doenças autoimunes e até câncer.
Um estudo liderado por Pasricha em 2011 revelou que a irritação gástrica nas primeiras semanas de vida pode levar ao desenvolvimento de ansiedade e depressão ao longo da vida. Embora ainda não haja uma relação causal comprovada, os indícios apontam que manter uma microbiota saudável é essencial para o equilíbrio emocional e a saúde mental.
Como fortalecer o eixo intestino-cérebro?
Se essa conexão é tão importante, como podemos cuidar melhor dela? Aqui estão algumas recomendações baseadas em evidências científicas:
- Alimente sua microbiota: consuma alimentos ricos em fibras (frutas, legumes, grãos integrais), alimentos fermentados (como iogurte, kefir, chucrute, kombucha) e probióticos.
- Evite alimentos ultraprocessados e excesso de açúcar, que prejudicam a microbiota e favorecem a inflamação intestinal.
- Durma bem – o sono regula a produção de hormônios como a serotonina e afeta diretamente o humor e a digestão.
- Gerencie o estresse, com técnicas como meditação, atividade física, psicoterapia ou contato com a natureza.
- Mantenha-se ativo – o exercício físico regular melhora o trânsito intestinal, reduz a ansiedade e favorece a produção de neurotransmissores positivos.
Intestino são, mente sã
A ciência tem desvendado um novo paradigma: a saúde mental começa no intestino. Ao cuidar da nossa alimentação, do sono, do estresse e da microbiota, estamos cuidando também da mente, das emoções e da qualidade de vida.
Em tempos de tanta ansiedade e desequilíbrio emocional, talvez a resposta esteja mais próxima do que imaginamos — dentro da nossa barriga. Afinal, quando o intestino está em harmonia, o corpo inteiro agradece. E a mente, também.