Por Doris Pinheiro
Mais que um EP, Sete Portais é uma jornada sensorial. O percussionista e compositor Aquim Sacramento estreia em carreira solo com um projeto ousado: transformar sete ícones da MPB em experiências únicas, onde o vibrafone reina absoluto. Sem acompanhamentos, o músico abre espaço para a riqueza de harmonias, texturas e afetos que o instrumento pode revelar.
As três primeiras faixas já disponíveis — “Olhos nos Olhos” (Chico Buarque), “Carinhoso” (Pixinguinha) e “Chega de Saudade” (Tom Jobim) — anunciam o tom intimista e inovador do trabalho, que será completado ao longo de 2025 com mais quatro gravações.
Com formação acadêmica sólida (UNESP, UFBA, UFMG) e trajetória internacional (EUA, China, Argentina), Aquim reúne no EP sua bagagem de pesquisador, professor e intérprete, criando um trabalho profundamente pessoal e universal. Paralelamente, o artista segue em 2025 com agenda intensa: destaque no XIV Festival Internacional de Percussão 2 de Julho, turnês com o Duo VibraCor e colaborações em grupos como MarinGinká e Duo Sá-Cramento.



A seguir, Aquim Sacramento fala sobre o processo de criação, as escolhas e os significados por trás de Sete Portais:
Doris Pinheiro – O que te inspirou a criar Sete Portais?
Aquim Sacramento – Sete Portais é a culminância de muitos anos de carreira e de intimidade com o vibrafone, que é o instrumento da minha vida. Foi um presente do meu pai e nunca mais me separei dele. Me sinto em casa quando toco o vibrafone e quando interpreto clássicos da música brasileira, que fazem parte das trilhas sonoras de todos nós. A ideia é justamente essa: cada música abrir um portal para lembranças, memórias afetivas, pessoas, épocas.
DP – Como foi o processo de reinventar clássicos da MPB?
AS – Arranjar é entender profundamente os elementos musicais com os quais você trabalha. O primeiro arranjo desse EP nasceu em 2010, 2011 — e foi mudando junto comigo. Minha técnica, minhas reflexões e vivências moldaram cada versão. Era o momento de registrar esses arranjos que estavam vivos em mim, trazendo uma sonoridade nova, com vibrafone solo.
DP – Qual das sete faixas mais revela seu olhar pessoal?
AS – Não sei se alguma revela mais que as outras. Mas “Carinhoso” tem um peso especial: foi o primeiro arranjo que fiz, ainda na adolescência, e me acompanhou em diferentes fases da vida. Outras faixas são muito recentes. Cada uma me leva a um tempo diferente de mim mesmo.
DP – Como sua experiência internacional influenciou esses arranjos?
AS – Mesmo sendo um instrumento pouco associado à música brasileira, o vibrafone dialoga muito bem com nossos clássicos. Lá fora, percebi que, mesmo quem não conhece as letras, se conecta profundamente às melodias e harmonias da nossa música. Isso reforçou minha certeza de que esses arranjos podem falar a todos.
DP – Entre Chico Buarque, Pixinguinha e Tom Jobim, quem foi mais desafiador?
AS – Cada um de um jeito. O arranjo de Chico é o mais recente, carrega minha fase atual. Tecnicamente, o mais difícil foi Chega de Saudade, de Tom Jobim. Mas Carinhoso, de Pixinguinha, é até hoje o que mais conecta o público, de todas as idades.
DP – Seu trabalho acadêmico dialoga com sua criação artística?
AS – Totalmente. Dou aulas e formo percussionistas na UFBA. Meu processo artístico influencia os alunos, e muitas vezes eles se interessam pelo vibrafone a partir dessa vivência. É um diálogo constante.
DP – Como é transformar arranjos que “viviam em você” em registros para o público?
AS – É um processo de vulnerabilidade. Tocar vibrafone solo é se despir: olhar para o que já fiz, para o que preciso melhorar, para minhas fragilidades. Essa exposição é o que conecta com o público.
DP – Qual foi a maior descoberta ao gravar sozinho em estúdio?
AS – Perceber que era um espaço de mergulho pessoal. Exigente e reflexivo, mas também generoso comigo mesmo. Um processo íntimo de autoconhecimento.
DP – O público reage como ao vibrafone solo?
AS – Sempre com surpresa e encantamento. Apesar de o instrumento estar no Brasil desde os anos 1930, ainda é pouco conhecido. Quando ele dá voz a clássicos, o público se transporta para lembranças pessoais de uma forma inédita. É sempre uma experiência única.
DP – Existe alguma técnica ou detalhe do vibrafone que você quis destacar no EP?
AS – Sim, busquei justamente a intimidade, a proximidade. Queria que fosse um som que mostrasse vulnerabilidade e abertura, que dialogasse diretamente com quem ouve, quase como uma conversa.
Qual a relação entre Sete Portais e seus projetos coletivos, como MarinGinká e Duo Sá-Cramento?
AS – Eles são parte do meu percurso. Mesmo parados, continuam pulsando em mim e, de alguma forma, desembocam nesse momento solo. Tudo se conecta.
DP – Quais expectativas para as quatro faixas que ainda serão lançadas?
AS – São arranjos muito profundos, alguns me acompanham desde a adolescência. Estou ansioso para que o público conheça essas versões e veja como registrei esse caminho que sempre está em transformação.
DP – Se pudesse abrir uma porta em Sete Portais, qual seria?
AS – A porta do autoconhecimento. Acho que é o que mais atravessa todo esse processo: olhar para dentro, refletir, cuidar de si.















