Por Vitor Rocha
Há três décadas residindo na Bahia, Cau Gomez celebra essa trajetória por meio da exposição comemorativa “A Arte e o Humor Gráfico de Cau Gomez – 30 anos de Bahia”.
Natural de Belo Horizonte, o talento de Gomez despontou aos 15 anos, quando foi contratado para ilustrar um dos principais jornais da capital mineira. Antes mesmo de completar 18 anos, Gomez já ilustrava livros infantis, participava de exposições, conquistava prêmios em salões de humor e contribuía para publicações como a Revista Playboy e para o jornal Estado de São Paulo.
Aos 21 anos, recebeu o convite para se estabelecer em Salvador, assumindo a subeditoria de arte do recém-lançado jornal Bahia Hoje. Desde 1993 radicado na cidade, Gomez enxerga as exposições realizadas na capital baiana como oportunidades para compartilhar um vislumbre de sua produção ao longo de diferentes períodos da sua carreira.
A mostra deste renomado artista gráfico apresenta cartuns, charges e caricaturas, incluindo rascunhos inéditos, todos permeados pelo humor e pela crítica que caracterizam sua abordagem à realidade social, política e cultural do Brasil e do mundo.
Os trabalhos podem ser vistos até o dia quatro de fevereiro na Galeria Arcos, da Caixa Cultural. Nesta entrevista, Gomez compartilha insights sobre as mudanças e permanências ao longo dos últimos 30 anos na arte gráfica, tanto em seu processo criativo quanto no cenário local, além de discorrer sobre alguns dos processos para a realização da exposição.
“Para mim, é vital poder imprimir em desenhos de humor toda a indignação que sinto ao me deparar com absurdos políticos e injustiças humanitárias no Brasil e em outras partes do mundo”
Cau Gomez
VITOR ROCHA – Como foi o processo de seleção das obras para a exposição “A Arte e o Humor Gráfico de Cau Gomez – 30 anos de Bahia”?
CAU GOMEZ – O processo de escolha foi complexo e muito criterioso. Contei com a ajuda de Ilan Iglesias, da RV Cultura e Arte, que também foi o curador desta exposição na Caixa Cultural. Lembro-me que, em determinado momento do processo de seleção, parecia quase inviável escolher algumas obras e abandonar outras nas pastas. Tivemos que revisitar muitos desenhos com estilos diferentes, armazenados em pastas, caixas repletas de ilustrações, charges, cartuns, caricaturas coloridas e em preto e branco, posters, jornais e revistas impressas. Estas estavam lacradas e guardadas em armários e gavetões no meu estúdio por décadas. No final, optamos por destacar os trabalhos premiados e outros com maior relevância histórica.
VR – Ao longo desses 30 anos na Bahia, como você percebe as mudanças na sua arte e estilo?
CG – Penso que mudei pouco ao longo dessas décadas. Continuo buscando não impor muitas fronteiras entre os estilos na minha arte, pois acredito que tudo está conectado dentro de uma coerência e matriz criativa. Essa conexão é algo que surge automaticamente nas minhas experimentações ao longo da minha trajetória, que já ultrapassou três décadas nas artes gráficas e visuais. Considero que a essência artística deve ser preservada, independentemente das técnicas e materiais utilizados.
VR – O que mudou no cenário de humor gráfico na Bahia nos últimos 30 anos?
CG – Sinto que, nos anos 90, os artistas do humor gráfico baiano, como Nildão, Lage, Setúbal, Rei, Gentil, Ruy Carvalho, Café, Caó, Hector Salas, Flávio Luiz, Bruno Aziz, Borega e Simanca (cubano radicado em Salvador), se encontravam mais frequentemente na capital. Havia outros grupos de ilustradores mais ativos e menos dependentes das pautas e discussões geradas nas redações. Infelizmente, hoje, apesar da velocidade de conexão da internet e suas redes sociais, estamos curiosamente separados em todos os sentidos, e não conseguimos mais renovar essa interligação, tão favorável à criatividade e ao bom humor na arte de desenhar e pensar em cartuns.
VR – Como você enxerga o papel do humor gráfico na abordagem de questões sociais e políticas no Brasil?
CG – O papel do humor gráfico é fundamental para aprofundarmos nossas reflexões sobre os fatos mais contundentes do nosso cotidiano. Para mim, é vital poder imprimir em desenhos de humor toda a indignação que sinto ao me deparar com absurdos políticos e injustiças humanitárias no Brasil e em outras partes do mundo. Vivi uma infância sem muitos recursos financeiros, vindo de uma família de trabalhadores simples, e percebi desde cedo que desenhar se tornaria uma arma natural de combate, levando-me sempre às trincheiras em defesa dos injustiçados.
VR – Na exposição, houve ênfase em seus rascunhos. Qual a importância e por que a decisão de expor esse aspecto do seu processo criativo?
CG – Para mim, rascunhar é trabalhar com a ausência. Os esboços e rascunhos são registros gestuais livres que servem para espantar o vazio criativo, que muitas vezes ocorre quando não temos nenhuma ideia preconcebida. Sem compromisso, recomendo sempre aos iniciantes o exercício gestual de desenhar a lápis ou outro marcador no papel como uma forma de aquecimento livre para a chegada da tão almejada arte-final.
VR – Além das charges, cartuns e caricaturas, você também trabalhou em HQs elivros infanto-juvenis. Como essas diferentes formas de expressão se
complementam em sua carreira?
CG – Está tudo no mesmo pacote, no mesmo DNA criativo que carrego desde muito cedo. Passei pela ilustração diária em jornais, caricaturas mais elaboradas para revistas semanais e mensais, e charges para páginas de opinião editorial. Apesar dessa vasta experiência com o desenho de humor gráfico, quis diversificar e aceitei ilustrar o primeiro livro infanto-juvenil aqui na Bahia; “Pastinha, o menino que virou Mestre de Capoeira” de José de Jesus Barreto e publicação da editora soteropolitana Solisluna. Essa oportunidade me deu visibilidade como co-autor e ilustrador, indicando-nos como finalistas ao Prêmio Jabuti em 2012. Em seguida, fiz mais alguns livros, como “O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz” pela CEPE, Companhia Editora de Pernambuco, que trouxe desenvoltura memorável na composição e técnica do meu desenho. Quanto ao álbum de HQ – “Billy Jackson”, um projeto que se concretizou graças à perseverante parceria com o escritor Victor Mascarenhas e a editora RV Cultura e Arte. Foi um trabalho que exigiu muita energia de todos, e tivemos pouco tempo para entregar a arte-final na gráfica. Acredito que, de forma geral, foi um desafio muito bem-sucedido, superando as expectativas e contribuindo para o meu aprimoramento como desenhista e artista.