Por Gina Marocci
Em 2024 voltamos às urnas para eleger prefeitos e vereadores em 5570 municípios brasileiros. Com 475 anos de criação, atualmente a câmara municipal de Salvador é composta por 43 vereadores, eleitos democraticamente para representar os soteropolitanos, para trabalhar em prol do município e para a promoção da qualidade de vida. Isto envolve temas como saúde, educação, mobilidade urbana, planejamento urbano, saneamento básico e ambiental e segurança. Nela são discutidas as propostas e projetos de leis, alguns interessantes, outros nem tanto.
Instaladas em vilas e cidades coloniais, as câmaras (antigos Conselhos) eram um dispositivo de poder local que derivou dos antigos conselhos portugueses, remanescentes não só de estruturas da administração romana, mas também de comunidades primitivas organizadas cujas condições de insegurança constante devido às guerras, e a ausência de uma instância de poder superior, levavam a esquemas que garantissem o controle e a sobrevivência coletiva. Assim, em uma colônia tão distante da metrópole, essa estrutura administrativa transformava as vilas e cidades representantes legais dela. Acima das câmaras, os governadores e vice-reis agiam, como membros da burocracia estatal, controlando de perto a vida colonial e muitas vezes contrapondo-se às iniciativas do poder local.
As câmaras municipais eram a base da pirâmide administrativa, tendo, entretanto, não só funções administrativas, mas também legislativas e judiciárias. As Ordenações Filipinas, que começaram a vigorar após 1603, restringiram as funções judiciárias reduzindo-as às ações por injúrias verbais, pequenos furtos e causas de almotaçaria. Essas ordenações transformaram os conselhos em câmaras compostas de: juízes ordinários, com jurisdição cível e criminal; vereadores, com funções administrativas; procurador, advogado do município e os almotacés, fiscais. Cada câmara tinha um brasão e, no caso de Salvador, assim como na sua bandeira, a pomba com um ramo no bico é a principal figura, uma analogia à passagem bíblica em que Noé solta uma pomba para buscar terra firme e ela retorna à arca com um ramo de oliveira. Pois o Brasil, para esse povo de navegantes, era a nova terra a ser ocupada. O primeiro brasão tinha a pomba branca sobre um fundo verde, e a inscrição Sic illa as arcam reserva est, que significa assim ela retornou à arca. O brasão foi substituído por outro, com novas figuras além da pomba: a coroa mural, que indica a importância da cidade na hierarquia político-administrativa; os golfinhos, por ser uma cidade costeira. A inscrição foi mantida. A pomba branca também está na singela bandeira do município.
Desde o período colonial, os cargos da câmara sempre foram almejados, apesar das muitas queixas e críticas aos abusos da burocracia estatal. Do mesmo modo, os burocratas desejavam ingressar nas melhores famílias, participando mais das elites econômicas, unindo, assim, a fortuna e o poder. Os cargos eletivos eram chamados de Oficiais, os quais, embora não remunerados, gozavam de prestígio social. Os juízes presidiam as sessões da Câmara e investigavam e decidiam sobre pequenos delitos, de valores modestos, funcionando como uma espécie do que hoje conhecemos como primeira instância do Judiciário. Os vereadores eram encarregados dos aspectos da povoação, do arruamento à organização do comércio, cumpriam a função administrativa, verificando se eram cumpridas as posturas, as necessidades do povo, principalmente o abastecimento alimentar. Já o procurador fazia o papel de tesoureiro e de cumpridor das decisões dos vereadores, respondendo com seu patrimônio pessoal no caso de algum problema. Os almotacés eram fiscais, cabendo-lhes vigiar o cumprimento das posturas e resoluções, fiscalizar os pesos e medidas e registrar queixas da população.
O escrivão era um funcionário vitalício, de nomeação real por proposta da Câmara, que lavrava as atas das reuniões, organizava as finanças sendo praticamente um tesoureiro. O carcereiro, também chamado de ministro da cadeia, era subordinado ao alcaide da cidade, que era responsável pelo policiamento e a segurança da cidade. Por isso a sede municipal era a Casa de Câmara e Cadeia, pois cabia aos oficiais municipais manter a ordem.
Em meados do século XVII, as câmaras tinham como atribuições, em geral: taxar o preço do trabalho dos índios e trabalhadores livres em geral, dos artefatos dos oficiais mecânicos, a carne, sal, farinha, aguardente, pano e fio de algodão, dos medicamentos e das próprias manufaturas do Reino. Com o desenvolvimento dos núcleos, as câmaras passaram a orientar, por meio de posturas, o alinhamento, a limpeza das ruas, a conservação e o reparo dos edifícios públicos, calçadas, pontes, fontes, aquedutos, chafarizes, poços, tanques, qualquer construção ou ornamento das povoações. Quanto aos cemitérios, as câmaras deveriam ouvir a autoridade eclesiástica do local. Ainda deveriam atuar sobre a comodidade das feiras, mercados, questões higiênicas dos alimentos e outros objetos expostos à venda pública.
O processo de eleição dos membros das câmaras sempre foi uma grande arma de negociação e de coerção da Coroa, numa sociedade onde a grande massa, constituída por iletrados e pobres, mantinha-se alienada do poder e das decisões, ou seja, sem participação política substancial. Enquanto a economia brasileira foi dominada pelo comércio do açúcar, as relações entre a elite envolvida na produção e na comercialização e o Estado visavam atender aos interesses mútuos.
Até a primeira metade do século XVII, a jurisdição da Câmara de Salvador se estendia até o sertão, cabendo-lhe toda a fiscalização dos engenhos espalhados pela capitania, o controle da importação e a arrecadação dos tributos. Dotadas de prédio, termo e rocio, as câmaras tinham suas insígnias. O símbolo máximo da dignidade municipal era uma coluna de pedra ou um poste de madeira levantado na praça principal, o pelourinho, que servia para castigar os infratores.
A escolha de um homem bom para compor a Câmara envolvia todos os nobres homens abastados do seu termo. Era a maior distinção confiada pela Coroa, tanto no reino como em suas colônias. Geralmente os cargos eram assumidos por portugueses, porém, para o final do século XVIII a tendência foi de equilibrar o número de portugueses e brasileiros na composição das câmaras. Na Bahia, as mudanças sociais levaram à abertura dos cargos públicos e institucionais aos comerciantes, os de homens de negócio.