Resenha exclusiva de Bruno Passos
Engenheiro civil, amante do cinema, saudoso da época das grandes locadoras de filmes. Fez cursos de Teoria e Linguagem Cinematográfica para se manter próximo da arte que tanto admira.
Lázaro Ramos tem um grande carisma, principalmente com os soteropolitanos. Ele se tornou um símbolo, um artista que tem um apelo e uma identificação forte com o público, além de atuar, dirigir, cantar… Então, ele pode lançar qualquer coisa que eu estarei lá para apreciar. E assim foi com “Ó Paí Ó 2”, continuação do filme de 2007, disponível nos cinemas desde 15 de novembro. Eu estava lá, na pré-estreia, num cinema de rua, sendo recebido por alguns atores do Bando de Teatro Olodum, que fazem parte do filme e estavam fazendo a promoção do longa. Tudo lindo e maravilhoso. Pensei, “agora era só relaxar e apreciar, dar muita risada de novo”. Mas… foi “barril”.
Por se tratar de um filme nacional, que aborda temas relevantes e sensíveis à boa parte da população, acredito que temos que ir de coração aberto, prestigiar a nossa arte e cultura. Isto posto, vamos analisar a obra em si.
A expectativa era grande. O primeiro filme foi uma sensação de crítica e público. Divertido, charmoso, com temas importantes e bem amarrado. Essa sequência chega com direção de Viviane Ferreira e com roteiro feito a 8 mãos (o que, normalmente, não é um bom sinal) e com quase todo o elenco de volta. A Trama agora envolve, 15 anos depois, três principais núcleos: Roque (Lázaro Ramos) que está prestes a lançar sua primeira música e acredita que vai ser um sucesso, Neuzão (Tania Toko) que perde o bar para um coreano numa negociação suspeita e, por fim, Dona Joana (Luciana Souza) que sofre as sequelas psicológicas que a atormentam após a perda dos filhos. Uma sinopse que prometia grandes emoções.
Os temas são relevantes, urgentes e atuais. Apropriação cultural e intelectual, saúde mental, sexualidade, comunidade, mazelas sociais, gentrificação …, mas isso não implica, necessariamente, que o resultado final vá funcionar. Não foi mesmo o caso aqui, já que dentro desse caldeirão, muita coisa foi abordada, mas poucas foram aprofundadas. A exposição dessas causas não deveria se sobressair à coerência narrativa, sob pena de “Ó Paí Ó 2” parecer uma peça publicitária e não um longa-metragem.
Existe, por exemplo, uma cena forte, na qual o personagem de Lázaro Ramos faz um discurso poderoso sobre a sua cultura e arte para um empresário branco que tenta tirar vantagem do seu trabalho. A fala é imponente, a atuação é magnifica, porém, nada no filme ajudou a construir a tensão para aquele clímax, não houve preparação e antecipação para um momento grandioso. Assim, a cena é completamente esvaziada de proposito e força. Para piorar, após esse momento de uma mensagem intensa, é seguido um outro, agora em forma de música, que rivaliza em importância e significado, fazendo com que os momentos se anulem. E o número musical é longo demais, com uma quebra de quarta parede forçada.
Falando nisso, quase todos os momentos musicais do filme não funcionam, já que a progressão da narrativa é interrompida para que eles possam acontecer de forma independente e não de modo a ajudar a história a caminhar. Uma pena, tanto pelo potencial que a história podia desenvolver, quanto pelo talento desperdiçado.
Algumas outras cenas, mesmo que belas, ficaram deslocadas, causando ainda mais frustração. A festa de Yemanjá é apenas apresentada de forma ligeira, além de problemas de continuidade, naquilo que deveria ser o clímax do filme, pois se tratava do plano para resolver a trama principal. Ou a parte em que Roque homenageia músicos baianos. Cena que, apesar de bela, está totalmente deslocada, de novo, porque não houve construção narrativa para dar valor àquela emoção.
O elenco é claramente competente, mas sofre pela falta de fluidez da história. São muitos personagens e cada um tem pequenos arcos dramáticos, desviando de forma aleatória do fio condutor principal. Um bom exemplo é a participação de Dira Paes que, literalmente, pousa na história como uma convidada de honra e parece só estar ali como um agrado para o público. Se a sua personagem fosse eliminada, não faria nenhuma falta para a trama.
A duração do filme (uma hora e meia, mas parece muito mais) não dá conta de tantas pautas urgentes. O roteiro parece querer abraçar tudo de uma vez e precisa, claro, resolver as suas tramas rapidamente no final. Por mais profundo que queira ser, Ó Paí Ó 2 é rasteiro, apressado, mal montado e, infelizmente, fica bem aquém das expectativas. Ao optar por desenhar claramente e berrar as suas mensagens, perde sutileza, charme e, mesmo que muito bem-intencionado, não alcança uma unidade narrativa, nem como comédia, nem como drama.
Como se não bastasse, a produção ainda sofreu um boicote e ataques nas redes sociais, pelas mensagens que carrega e pelas declarações da equipe durante o pré-lançamento. Nada disso deveria importar, as mensagens são humanitárias, importantes e tem eco na população. E o cinema é isso, é um retrato do seu tempo e reflete o que acontece no mundo. Ó Paí Ó 2 tem um proposito nobre e identificação com muita gente. Uma pena que não foi bem executado.
Lazinho, ô minha bença, olhe, conte comigo para tudo viu, coisinho? Vou assistir você até lendo a lista telefônica. Mas, dessa vez, não rolou.