Por Doris Pinheiro
O Movimento Boca de Brasa ocupa o Quarteirão das Artes, complexo da Fundação Gregório de Mattos, no Centro Histórico, nos dias 21, 22 e 23 de março com uma super programação que inclui shows, cozinha show, painéis, mostra audiovisual, laboratórios criativos, poesia, literatura, feira de empreendedorismo e o resultado das iniciativas culturais e criativas dos participantes das atividades formativas da Escolas Criativas Boca de Brasa. Fiquei particularmente impactada pelos painéis, que nos dias 22 e 23, em oito momentos, vão discutir assuntos de extrema importância não só para a periferia de Salvador, mas para toda a cidade. O rapper e ativista MV Bill participa às 11h do dia 22 do painel “O Mundo é Um Grande Gueto – Periferias e Conexões”. MV Bill concedeu entrevista exclusiva pra gente. Se ligue na programação como um todo porque está sensacional. Confira no site https://movimentobocadebrasa.com.br/. Vamos ao papo com MV Bill…
Doris Pinheiro – Bem vindo a Salvador. Como se faz no seu peito essa conexão entre o Rio e a Bahia?
MV Bill – Eu vejo muita conexão entre os estados, né, Bahia e Rio de Janeiro, mas mais ainda, especificamente, Salvador e a cidade do Rio. Eu vejo muitas semelhanças, assim, no jeito de ser, na arquitetura, às vezes, das duas cidades, apesar de ambas ficarem em regiões diferentes, né, sudeste, nordeste. Eu vejo muitas coisas que se assemelham muito, né, a alegria do povo, a forma de viver, o estilo de vida. Infelizmente, essa conexão também está se virando igualitária na questão criminal, né. Hoje, Salvador tem muitas facções, muitas guerras, muitas armas. Eu frequento Salvador desde 2000 e, infelizmente, acompanho essa escalada da violência que acontece por aí, assim como acontece por aqui.
DP – Como você vê a riqueza das conexões que estão sendo estabelecidas entre as diversas periferias do nosso imenso país?
MV Bill – Acho que essas conexões entre as periferias é muito importante, né? Acho que ela ajuda a própria periferia a entender o que outras pessoas semelhantes em outros lugares estão fazendo pra driblar ou enfrentar determinado problema, determinada mazela. Então acho que quando tem esse intercâmbio, né, essa comunicação, acho que é muito importante. Já vem acontecendo de várias formas, de diversas formas, né? Em Salvador a gente já vai fazer mais um elo dessa corrente.
DP – 3- O que as periferias brasileiras têm a ensinar ao Brasil o inteiro?
MV Bill – A periferia tem muita coisa para ensinar para o resto do país. São muitas lições que são aprendidas dentro da adversidade. Talvez uma delas seja a da honestidade e de se pertencer à classe trabalhadora. Embora seja taxada, muitas vezes, como bandido, como fora da lei, a periferia é trabalhadora. Muitas pessoas que vêm de família abastada, quando tem alguma situação que as coloquem em um terço do que a pessoa que vem da periferia tem que passar, essa pessoa de família abastada acaba entrando em colapso. Então, é muita coisa que às vezes pode ser parte do dia a dia de uma pessoa preta de periferia. Às vezes ela pode ser por si só, só para existir um grande aprendizado. Nunca passou nem quem nunca nem viu isso de perto.
DP – O que nossos cidadãos e nossas cidadãs da periferia têm de aprender a respeito de si mesmos?
MV Bill – Mas antes de a periferia passar alguma lição pro resto do país, ela precisa aprender uma lição que eu acho que ao longo do tempo vem aprendendo aos poucos, mas o importante é aprender, que é sobre si mesmo, sobre a sua própria força, sua própria potência. Quando a periferia se une e faz coisas em conjunto, a gente tem um armamento povo que é muito grande e deve ser considerado. E sim tudo isso em manifestação, isso em questões políticas, em questões trabalhistas. Se um dia a periferia combinar o jetal, a periferia não vai sair, o morro não vai descer, a favela não vai. Se essas classes periféricas tirar um dia sem trabalho, o Brasil para. Só que a periferia. Boa parte dela ainda não sabe disso. A gente já está aprendendo o tamanho da sua potência e está entendendo que a gente é, na verdade, o armamento povo. É uma parte gigante, importante da engrenagem que move o país.