Por Gina Marocci
A presença de engenheiros militares a partir do final do século XVII foi fundamental para o aprimoramento da arquitetura religiosa e civil em Salvador. Apesar de não termos dados específicos sobre os projetos arquitetônicos e seus autores (ainda há muito que se pesquisar sobre os construtores, os artífices e oficiais mecânicos que atuaram em Salvador), é visível a contribuição de profissionais qualificados nas edificações erguidas ou concluídas nesse período.
Além da Aula Militar, cujos professores e partidistas contribuíram executando ações como marcações de arruamentos, vistorias de imóveis, terrenos e projetos, a economia colonial em franco desenvolvimento contribuiu para o investimento em conventos, igrejas e casas senhoriais. Assim, podemos destacar como obras importantes desse período, a ampliação final da Casa de Câmara e Cadeia (Paço Municipal), a igreja e o colégio dos jesuítas, os conventos de Santa Tereza, do Desterro, de São Francisco e grandes casas senhoriais, como o Paço do Saldanha e a Casa dos Sete Candeeiros.
A casa de Câmara era o lugar da reunião dos representantes do poder local: os vereadores e os juízes. A primeira Casa de Câmara e Cadeia foi uma construção provisória de taipa e coberta com palha. Em 1551 foi erguido um prédio de pedra, cal e barro, coberto com telhas, mas apenas em 1660, no governo de Francisco Barreto de Meneses, é que foi realizada uma grande reforma e ampliação, concluída em 1696 com a construção da torre e a instalação do sino. Em 1795, nova reforma foi realizada pelo governador Fernando José de Portugal.
Na primeira fotografia, datada de 1860, podemos ver a Casa de Câmara com as características dos séculos XVII e XVIII. A segunda fotografia é de 1912 e nela podemos ver a reforma realizada nas fachadas para modernizá-las com um tratamento com características do Ecletismo, projeto do engenheiro baiano Francisco de Azevedo Monteiro Caminhoá. Em 1970, o prédio foi restaurado, quando foi restituída a antiga fachada colonial que permanece até os dias atuais.
O conjunto dos jesuítas era formado pela capela e o colégio, e foi erguido na segunda metade do século XVI fora das portas da cidade, inicialmente de taipa e coberto de palha. Um século depois, o terreiro defronte à capela do colégio estava delimitado por magníficos sobrados. O Colégio da Bahia funcionou de 1553 a 1759, ano em que os jesuítas foram expulsos do Brasil.
A capela do colégio foi erguida duas vezes em taipa e palha, apenas em 1561 é que foi construída a igreja em pedra e cal, conforme ordens do governador-geral Mem de Sá, mas ela só foi concluída em 1585. Foi nessa época que o colégio também foi erguido em pedra e cal sob a direção do irmão jesuíta Francisco Dias, arquiteto, colaborador do arquiteto Filipe Terzi na construção da Igreja de São Roque, a sede dos jesuítas em Lisboa (Leal, 1998).
A igreja atual é a quarta erguida como capela do Colégio, sob a ampliação iniciada pelo padre Pero Rodrigues em 1598, cujos alicerces foram aproveitados na nova igreja, e foi concluída a estrutura geral em 1672. A parte interna, retábulos, forro, púlpitos, foi trabalhada por mãos habilidosas, artistas e artífices que nos legaram uma das maiores riquezas da arquitetura colonial brasileira.
O Paço do Saldanha começou a seu construído em 1699 pelo coronel Antônio da Silva Pimentel. Como era comum na época, o pavimento térreo era ocupado por serviços e comércio, enquanto que o pavimento superior, o andar nobre, era a habitação da família, inclusive com uma pequena capela particular.
O sótão era dividido em quartos. Na primeira fotografia podemos ver a portada esculpida em pedra, que alguns pesquisadores em história da arte atribuem a Gabriel Ribeiro, autor da fachada da Ordem Terceira de São Francisco. Na segunda foto, a fachada para a Rua do Saldanha, e a terceira, a fachada principal da Rua Guedes de Brito.
Nesse período, foram as crônicas dos viajantes estrangeiros que permitiram a visibilidade de Salvador. Oriundos da França e da Inglaterra, muitos eram engenheiros militares, como: Francisco Coréal, 1685; Froger, 1696; William Dampier, 1699; Amadeu Frézier, 1714 e La Barbinais, 1717. Em seus diários e cartas, que serviram também como relatos de espionagem, ressaltaram a complexa topografia da cidade, a estreiteza da cidade baixa, a forte presença de confrarias e congregações religiosas, o grande movimento do porto e dos estaleiros e a beleza dos edifícios públicos e eclesiásticos.
Dampier fez o seguinte relato: A vila propriamente dita consiste em cerca de duas mil casas, a maior parte das quais não pode ser vista do porto, porém, as que aparecem, com grande mistura de árvores entre elas, e todas colocadas sobre elevações, formam uma perspectiva muito agradável. […] As casas da vila têm dois ou três andares, com telhados cobertos de telhas curvas. E muitas delas têm sacadas. As ruas principais são grandes, e todas pavimentadas ou cobertas com pedregulho. Há também passeios públicos nos lugares mais notáveis da vila, e muitos jardins, tanto dentro como fora da cidade, e ali são cultivadas árvores frutíferas, plantas medicinais, verduras para saladas, e flores em grande variedade, mas arranjadas sem grande ordem ou arte (UFBA, 1998).
Dampier descreve a cidade alta, definindo, em suas observações, o que considera pertinente à cidade e o que está em sua periferia. As casas com mais de um pavimento inseriam-se numa malha urbana propriamente dita, e que recebera, no mínimo, um calçamento de pedra. Em 1712, o engenheiro militar Jean Massé elaborou um levantamento de Salvador, com base naquele elaborado por Coutinho, em 1685, com o objetivo de criar um sistema de defesa para a capital. Ele contou com uma equipe de apoio dos mestres e dos partidistas da Aula Militar da Bahia formada por Miguel Pereira da Costa, Gaspar de Abreu, Gonçalo da Cunha Lima e Antônio de Brito Gramacho. Esta parece ter sido a primeira equipe de trabalho organizada com profissionais efetivos da engenharia militar, fato que pode indicar que a partir da consolidação das aulas militares os engenheiros começaram a se fixar nas praças.
REFERÊNCIAS
LEAL, F. Catedral Basílica de São Salvador da Bahia. Salvador: IPAC; Solisluna Design e Editora, 1998.
OLIVEIRA, M. M de. As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça do Brasil. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia. Evolução Física de Salvador. Edição especial. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 1998.