Por Morgana Montalvão
O Ilê Aiyê serviu como precursor para a chegada de outros blocos afros em Salvador. Essas entidades carnavalescas exaltam a representatividade da sua cultura e, também, possuem um papel crucial na construção do orgulho negro. “Nós fomos os pioneiros, mas, no entanto, o surgimento de outros blocos afros, também contribuíram para a valorização e empoderamento da comunidade negra”, diz Vovô.
O e-book A História dos Blocos Afros no Carnaval de Salvador (2021), de Enock Souza, conta com riqueza de detalhes a história e curiosidades sobre alguns blocos afros da capital baiana. A obra é fruto da Lei Aldir Blanc, de fomento à cultura, que garantiu recursos durante o período da pandemia de Covid-19 e teve o apoio financeiro da Fundação Pedro Calmon, entidade vinculada à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e pela Secretaria Especial da Cultura, do Ministério da Cultura. O livro pode ser acessado gratuitamente através do link: https://encurtador.com.br/ghoGQ . A reportagem do site Doris Pinheiro conta a história destes blocos, de maneira resumida, logo abaixo:
Ara Ketu (1980): O bloco afro carnavalesco surgiu em Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. Araketu significa ‘Povo de Ketu’. Ketu é uma região da república do Benim, localizado na África. Também influenciado pelo Ilê Aiyê, é carinhosamente conhecido como Ara pelos fãs. O Ara Ketu ficou conhecido pelo pioneirismo na fusão de ritmos, misturando a percussão afro baiana com os instrumentos de harmonia e metais, influenciado pela pop music africana. O compositor Tatau, passou a integrar a Banda depois de vencer um festival de música no Olodum com a composição “Protesto Olodum”. Ele se destacou nacionalmente com a banda, que gravou os sucessos: “Araketu bom demais”, “Pipoca” e “Mal acostumado”. Tatau saiu da banda em definitivo no ano de 2015. Atualmente, Dan Miranda é o atual vocalista da banda.
Cortejo Afro (1998): O bloco foi criado em 2 de julho pelo artista plástico Alberto Pitta, que desenvolve trabalhos ligados à estética e à cultura africana há mais de 40 anos, sob a liderança espiritual da ialorixá do Ilê Axé Oyá, Anizia da Rocha Pitta, Mãe Santinha.
O bloco é conhecido por unir uma batida com ritmos africanos mesclados às batidas eletrônicas e ao pop nas noites de segunda-feira no Pelourinho. As apresentações são uma preparação para os desfiles do bloco durante o Carnaval. O grupo carnavalesco utiliza estampas marcantes com símbolos, ferramentas, indumentárias e adereços dos orixás que servem como fonte de inspiração para as indumentárias. O Bloco Cortejo Afro também realiza atividades sociais junto à comunidade do bairro de Pirajá, como seminários, exposições, capacitação profissional, feiras e intercâmbios culturais.
Didá (1993): Formanda em dezembro de 1993, a agremiação é a primeira banda de percussão formada só por mulheres negras no Brasil. Didá, na língua iorubá, significa ‘o poder da criação’. O seu fundador, também criador do samba-reggae, o mestre de bateria com atuação no Olodum e no Ilê Aiyê Neguinho do Samba (1945-2009), resolveu agir diante da ausência de mulheres no universo da percussão e enfrentar o racismo criando a Associação Educativa e Cultural Didá. A indagação surgiu de Adriana Portela, atual maestrina da banda, que se tornou a primeira mulher a reger um bloco afro no país. A estreia do grupo aconteceu durante a Lavagem do Bonfim de 1994, quando também participou da entrega das chaves da cidade para o Rei Momo na abertura do Carnaval de Salvador. No ano seguinte, o bloco composto apenas por mulheres desfilou pela primeira vez com 100 integrantes e chegou a duas mil em 1996. O Bloco Afro Didá já se apresentou em El Salvador, Espanha, Estados Unidos, França, República Dominicana e Ucrânia, sem contar o show de encerramento da Copa do Mundo 2014 e a participação na trilha sonora do filme ‘Tieta do Agreste’. O grupo realiza ações sociais que aliam arte e educação com foco nas questões raciais e de gênero, com oficinas gratuitas de confecção de instrumentos, canto, dança, jazz, teatro, capoeira, percussão e aulas de música, entre outras, para mulheres e crianças.
Malê Debalê (1979): Fundado em 23 de março por moradores do bairro de Itapuã, o bloco surgiu como forma de proporcionar aos moradores da localidade o direito de brincar a folia em um bloco de carnaval. O bloco foi batizado com esse nome como forma de homenagear os heróis da Revolta dos Malês, ocorrida em 1835, em Salvador. Debalê foi uma palavra criada pelo grupo que tinha a informação de que ‘bali’ felicidade na língua yorubá. Assim o bloco foi batizado com o nome Malê Debalê na intenção de traduzir “negros felizes”. O grupo, que se intitula o “maior balé afro do mundo”, foi o primeiro campeão do carnaval na categoria Bloco Afro, quando essa foi criada em 1980. O bloco afro tem uma agenda extensa durante todo o ano, especialmente no verão. Todos os anos, promove o Festival de Música Malê e o Concurso Negro e Negra do Malê.
Muzenza (1981): Fundado em 5 de maio no bairro da Liberdade por Geraldão, fundador e ex dirigente do Olodum e Barabadá, que foi um dos mais destacados cantores do grupo. A palavra Muzenza, na língua bantu-kikongo, significa ‘yaô dos nagôs’, que é o nome dado aos iniciados no candomblé da linha de Angola. É conhecido como ‘Muzenza do Reggae’, por ter a sua percussão e os seus temas carnavalescos marcados pelo reggae e por elementos ligados à Jamaica. O Muzenza teve algumas de suas músicas gravadas por artistas como Daniela Mercury, que gravou “Swing da cor”, acompanhada pela percussão da Banda Olodum; Gal Costa, que gravou “Brilho e Beleza”, em dueto com Gilberto Gil; Carlinhos Brown, que gravou “Rumpilé”; e Margareth Menezes, que gravou “Povo, vem ver”. O bloco também já teve Tatau como vocalista.
Olodum (1979): O bloco surgiu através de um grupo formado por sete amigos da comunidade do Pelourinho (Carlos Alberto Conceição Nascimento – Carlinhos, o primeiro presidente do grupo; Geraldo Miranda –Geraldão; José Luiz Souza Máximo; José Carlos Conceição Nascimento – Nego; Antônio Jorge Souza Almeida; Edson Santos da Cruz e Francisco Carlos Souza Almeida. A palavra Olodum possui origem yorubá e, no ritual religioso do candomblé, significa “Deus dos Deuses” ou “Deus maior” Olodumaré, não representa um orixá mas, o Deus criador do Universo. As cores do Olodum são as cores do Pan-africanismo (movimento que propõe a união de todos os povos do continente africano) e simbolizam respectivamente: o verde, as florestas equatoriais africanas; o vermelho, o sangue do povo negro; o amarelo, o ouro da África, que é maior produtora mundial do metal precioso; o preto, o orgulho da raça negra e o branco, representando a paz mundial. O ano de 1987 representou uma guinada para a banda. A música “Faraó, divindade egípcia”, composta por Luciano Gomes, marcou não apenas a musicalidade do Olodum, mas inovou ao trazer um novo formato de se fazer músicas para o Carnaval de Salvador. A canção foi gravada por Djalma Oliveira, que convidou Margareth Menezes para um dueto, e também pela Banda Mel, tornando-se o primeiro samba-reggae a ser registrado em disco. O sucesso foi algo estrondoso, fazendo com que o Olodum ficasse conhecido em todo o Brasil. O bloco afro já gravou com o cantor norte-americano Paul Simon a canção ‘The Obvius Child’ em 1990 e, com o Rei do Pop Michael Jackson, a música ‘They don’t care about us’ em 1996.