Um estudo recente publicado na Nature Communications (https://doi.org/10.1038/s41467-025-59884-y) trouxe à tona preocupações alarmantes sobre os impactos dos nanoplásticos (NP) na saúde intestinal, destacando como essas partículas minúsculas podem comprometer a barreira intestinal e alterar a microbiota por meio de interações entre bactérias e o hospedeiro. O neurocientista e especialista em genômica, Dr. Fabiano de Abreu Agrela, pós-PhD em Neurociências e diretor do CPAH – Centro de Pesquisa e Análises Heráclito, analisou os achados do estudo, enfatizando sua relevância para a saúde humana e o meio ambiente.
Como o Estudo Foi Realizado
O estudo, conduzido por pesquisadores da National Cheng Kung University e da National Chiayi University, em Taiwan, investigou os efeitos de nanoplásticos de poliestireno (100 nm) em modelos in vivo e in vitro. Camundongos C57BL/6 machos de seis semanas foram divididos em dois grupos: um grupo de controle e outro tratado com NP, que receberam administração oral de 2×10¹¹ partículas/mL quatro vezes por semana durante 12 semanas. A distribuição de NP nos órgãos foi rastreada usando microesferas fluorescentes e analisada por imagem in vivo (IVIS Spectrum). Além disso, células Caco-2 (semelhantes a enterócitos) e LS174T (semelhantes a células caliciformes) foram usadas para avaliar a permeabilidade intestinal e a expressão de proteínas de junção celular, como ZO-1 e mucina-13 (MUC-13).
Os pesquisadores realizaram análises transcriptômicas para identificar mudanças na expressão de microRNAs (miRNAs) intestinais, além de análises de microbiota fecal para detectar alterações na composição bacteriana. Técnicas como PCR em tempo real, Western blot, imunofluorescência e coloração AB-PAS foram empregadas para avaliar a integridade da barreira intestinal e a produção de muco. A análise de vesículas extracelulares (EVs) derivadas de bactérias e células intestinais foi usada para explorar os mecanismos de interação bactéria-hospedeiro.
Principais Achados
Os resultados revelaram que os nanoplásticos se acumulam no intestino, fígado, ceco e cólon dos camundongos, persistindo por até 48 horas após a administração. Essa exposição prolongada levou a uma série de alterações preocupantes:
- Comprometimento da Barreira Intestinal: A exposição aos NP reduziu a expressão de proteínas de junção celular, como ZO-1 e occludinas, resultando em maior permeabilidade intestinal, uma condição conhecida como “intestino permeável”. Isso foi observado tanto em camundongos quanto em células Caco-2 tratadas com NP.
- Alterações nos MicroRNAs: O estudo identificou que os NP aumentaram a expressão de miRNAs específicos, como miR-501-3p e miR-700-5p, no intestino dos camundongos. Esses miRNAs foram associados à redução da expressão de ZO-1 e MUC-13, comprometendo a integridade da barreira intestinal. Além disso, EVs derivadas de células caliciformes apresentaram níveis elevados de miRNAs (como miR-98-3p e miR-548z), que também interferem na expressão de ZO-1.
- Desequilíbrio na Microbiota: A exposição aos NP causou disbiose na microbiota intestinal, com aumento de 112 espécies bacterianas únicas após 12 semanas, incluindo um crescimento notável de Ruminococcaceae. Bactérias da família Lachnospiraceae internalizaram NP, e suas EVs suprimiram a expressão de MUC-13, agravando a disfunção intestinal.
- Impactos Sistêmicos: Embora não tenham sido observadas alterações significativas em marcadores de função hepática e renal (ALT, AST, creatinina e ureia), os camundongos tratados com NP apresentaram ganho de peso significativo (5,17 g contra 4,03 g no grupo controle), sugerindo possíveis efeitos metabólicos.
Comentários do Especialista
Dr. Fabiano de Abreu Agrela destaca a gravidade dos achados: “Este estudo é um alerta sobre como os nanoplásticos, devido ao seu tamanho nanométrico, podem penetrar tecidos e interagir com sistemas biológicos de maneira complexa. A disbiose da microbiota e o aumento da permeabilidade intestinal podem desencadear inflamações crônicas e até doenças neurológicas, já que o eixo intestino-cérebro é profundamente afetado por essas alterações.”
O especialista enfatiza o papel das vesículas extracelulares na amplificação dos danos causados pelos NP. “As EVs, tanto de células intestinais quanto de bactérias, atuam como mensageiros que transportam miRNAs capazes de regular genes cruciais para a saúde intestinal. O fato de os NP alterarem essas vias de comunicação sugere um impacto indireto, mas poderoso, na homeostase do corpo”, explica Dr. Agrela.
Ele também chama a atenção para as implicações ambientais: “A presença de nanoplásticos na cadeia alimentar é um problema crescente. Precisamos de políticas públicas que limitem a produção e o descarte de plásticos, além de mais pesquisas para entender como mitigar esses efeitos no organismo humano.”
Implicações para a Saúde Humana
Os achados reforçam a necessidade de compreender melhor os riscos dos nanoplásticos, que, por seu tamanho reduzido, têm maior potencial de toxicidade em comparação com os microplásticos. A disrupção da barreira intestinal pode facilitar a entrada de patógenos e toxinas no organismo, aumentando o risco de doenças inflamatórias, metabólicas e até neuropsiquiátricas.
Dr. Agrela conclui: “Este estudo é um marco na compreensão dos efeitos dos nanoplásticos. Ele conecta a exposição ambiental a mudanças moleculares e microbiológicas que podem comprometer a saúde a longo prazo. É essencial que a sociedade e os tomadores de decisão ajam rapidamente para reduzir a exposição a esses poluentes.”
O estudo publicado na Nature Communications oferece evidências robustas de que os nanoplásticos comprometem a saúde intestinal por meio de mecanismos complexos envolvendo miRNAs, vesículas extracelulares e disbiose da microbiota. As análises de Dr. Fabiano de Abreu Agrela reforçam a urgência de ações para mitigar a poluição por plásticos e proteger a saúde humana e ambiental.
Para mais detalhes, o estudo completo está disponível em: https://doi.org/10.1038/s41467-025-59884-y.















