Por Morgana Montalvão
Ele é parada obrigatória em Salvador e é visitado por 80 % dos turistas que vêm à cidade. O Mercado Modelo, situado no bairro do Comércio, na Praça Cayru, é um “senhor” de 111 anos de idade que acaba de passar por reformas para dar mais conforto, acessibilidade e segurança aos baianos e visitantes.
Com investimentos de R$17 milhões de reais, o equipamento cultural passou por um conjunto de intervenções que envolveu a substituição completa da cobertura, que anteriormente era composta por telhas de cerâmica e vidro, agora substituídas por telhas de cobre na rotunda (construção circular cujo o topo é formado por uma cúpula).
Além disso, foram realizadas melhorias na impermeabilização do piso em madeira das varandas, assim como pintura e restauração das esquadrias. Uma nova rede de energia elétrica, incluindo uma subestação própria, foi construída, juntamente com a implementação de sistemas hidráulicos e contra incêndio.
Coordenado pela Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), o projeto manteve as características originais do imóvel. As intervenções foram executadas pela Superintendência de Obras Públicas (Sucop).
Mais iluminação e facilidade de circulação
A reforma possibilitou que o mercado adquirisse mais iluminação e com corredores livres para facilitar a circulação dos transeuntes, trazendo maior frescor para o espaço e comodidade para os turistas. Pessoas com dificuldades de locomoção também têm a oportunidade de aproveitar o local, pois o mercado ganhou rampas de acessibilidade e um elevador.
Há áreas dedicadas a serviços, que incluem a recepção e um ponto de controle para o acesso à área de exposição no subsolo. Também existe um posto de informações para os turistas, fornecendo detalhes tanto sobre a própria estrutura, como a localização das lojas, quanto sobre o turismo em Salvador em sua totalidade.
Os 20 painéis que integram as fachadas laterais do estabelecimento passaram por uma restauração completa. A revitalização, conduzida pela Fundação Gregório de Matos (FGM), conferiu uma nova vida às pinturas que representam variados aspectos da cultura baiana, como a Lavagem do Bonfim, Festa de Yemanjá, Elevador Lacerda, puxada de rede, orixás e roda de capoeira. Destaque especial é dado à obra de Jayme Figura, recentemente falecido, que retrata uma cena da Paixão de Cristo.
Mercado Modelo é o cartão postal da Bahia
O maior shopping de artesanato do Brasil, com 263 lojas, onde podem ser encontrados os mais variados tipos de artesanato e produtos típicos da Bahia, possui 8.410 m² é unanimidade: o Mercado Modelo é o principal cartão postal do estado e enche de orgulho a todos os baianos.
Para Roberto Alves Pitanga, 51 anos, um dos permissionários do mercado, mais do que um meio de sustento, o equipamento conta a história de sua vida. “ Comecei a trabalhar aqui com 7 anos, em 1979, e já vi muita coisa. Costumo dizer que o Mercado Modelo é uma extensão de quem sou. Já conheci gente do mundo inteiro, tenho amigos de diversas nacionalidades e aprendi até algumas expressões com eles. É gratificante trabalhar aqui”, conta ele, que comercializa instrumentos percussivos e divide a loja com a irmã.
Foi nas águas da Baía de Todos os Santos que Pitanga aprendeu a nadar ainda criança. Um pouco mais velho, aprendeu a tocar berimbau, caxixi e bongô. O pai adquiriu a loja em 1969 e, desde então, ele está à frente do negócio.
Tereza das Candeias dos Santos, 54 anos, conhecida por “Tekka Colares”, tem uma loja no Mercado Modelo há 25 anos. Ela chegou ao estabelecimento para trabalhar como atendente em um dos restaurantes do local. Depois, montou o seu próprio negócio, ela é artesã e comercializa souvenirs africanos. Para ela, o Mercado Modelo não é só “para turista ver” e sim, um patrimônio dos baianos. “ A reforma foi boa pois trouxe benefícios como corredores mais largos, facilitando a circulação e fluidez, dando mais organização. Somos ‘modelo’ não só para o turismo, mas, que os baianos tenham a noção de ter um equipamento voltado para a cultura que eles também visitem e sintam orgulho porque esse lugar tem uma história incrível. É preciso conscientizar que aqui é um local feito por baianos e para os baianos, na arte, culinária e história”, enfatiza.
A família de Ângela Maria Magarão Jorge, 69 anos, é uma das mais antigas permissionárias no Mercado Modelo. O pai dela chegou aos 10 anos em 1952. Ângela Jorge trabalha com artesanato, decoração e doces baianos. Ela, que é descendente de portugueses e árabes, está há 36 anos em atividade e continua o legado deixado pelo pai. Para Ângela o mercado é uma extensão da sua história.
“Meu avô e meu pai vieram trabalhar aqui. Eu cresci nesse estabelecimento e vivenciei muitas coisas. Aqui representa o legado da minha família, uma história de comércio e de contato com pessoas de diversas localidades. Quando retomamos após essa reforma fiquei muito feliz, ainda depois dessa pandemia. Me emocionei de verdade”, contou.
Espaço encanta por variedades de produtos e cores
A estudante norte- americana Emma Burke, 21 anos, estava em êxtase. Os diversos souvenirs, cores e texturas saltavam aos olhos da turista, que gostaria de levar um item de cada. “ É fantástico isso aqui. Bem que dizem que a Bahia é muito colorida e olhe, que eu ainda não visitei os principais pontos turísticos da cidade. Sem dúvidas o lugar é de uma riqueza artística impressionante”, disse ela, que estava buscando uma roupa com as cores da Bahia.
Já para a itabunense Priscila Carvalho, 41 anos, o Mercado Modelo é um espaço para “colecionar memórias”. “É a terceira vez que venho aqui, pude observar que a reforma melhorou o local. Quando venho, gosto de deixar registrado o quanto é especial para mim vivenciar Salvador em suas diferentes formas e expressões”, diz.
Associação dos Comerciantes tem primeira presidente mulher
Analu Garrido, 53 anos, é a primeira presidente mulher da Associação dos Comerciantes do Mercado Modelo (Ascom) em 34 anos de existência. Ela, que é de uma família de comerciantes que está no Mercado Modelo há 60 anos, e, comercializa cerâmica, está há três anos na presidência da entidade. Para ela, a requalificação chegou em boa hora. “ A reforma foi uma bênção, porque o Mercado Modelo estava muito sofrido. Mas hoje ele passou realmente por uma grande reformulação, o telhado estava todo esfarelando, né? Toda parte elétrica e hidráulica estavam deterioradas, a parte de combate contra incêndio estava danificada. Então a prefeitura veio com olhar muito sensível para pegar toda essa problematização e consertar de vez. Foi uma obra de grande monta e de alta complexidade, pois não é um monumento qualquer. Aqui tem história e é tombado pelo pelo Iphan (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional). Costumo dizer que ele passou por uma cirurgia plástica profunda. O mercado agora está lindo, maravilhoso”, enfatiza.
Por possuir uma experiência em administração de empresas quando trabalhava fora, os conhecimentos foram úteis para trazer bons resultados ao negócio da família. “ Eu nasci aqui, pois minha família possui um negócio no mercado. Com a minha visão e experiência em mercado externo, tive a certeza que essa experiência poderia agregar frutos para o negócio. E, de fato, isso foi positivo”, conta ela.
No começo da sua gestão, Garrido enfrentou resistência da ala dos permissionários homens do Mercado Modelo, que questionavam a sua aptidão para exercer o cargo. No entanto, com determinação e altivez, ela vem mostrando para aqueles que duvidavam da sua capacidade o poder de sua competência. “Eu ouvi comentários machistas, foi uma situação delicada, mas mostro para eles todos os dias que a minha administração prima pela qualidade e bem estar de todos aqui dentro, sem qualquer sombra de dúvida”.
BOX- Mercado Modelo é o retrato fiel da Bahia
O Mercado Modelo Bahia ou Mercado Municipal de Salvador possui diversidade de lojas, onde podem ser encontrados vários tipos de artesanato e produtos típicos da Bahia. A sua história começa em 1912, quando o edifício foi construído bem em frente ao Elevador Lacerda, onde fica o atual “Monumento à Cidade de Salvador”, feito por Mário Cravo Júnior, no bairro do Comércio, na Cidade Baixa.
Inicialmente, o mercado não era destinado à visitação turística, mas, possuía o objetivo de ser um centro de abastecimento para Salvador, com localização privilegiada para a Baía de Todos os Santos.
Saveiros traziam produtos e alimentos do Recôncavo para a cidade, posteriormente, o local tornou-se um ponto de encontro onde reunia capoeiristas, músicos, escritores, pintores e outros artistas que trocavam ideias e realizavam apresentações.
História é marcada por diversos incêndios
O Mercado Modelo já passou por incêndios parciais em 1917, 1922 e 1943. O mais devastador deles foi em 1969 que determinou o fim do antigo Mercado Modelo.
A partir de 1971, um novo mercado surgiu, com a sua atual sede no edifício histórico da antiga Casa de Alfândega, uma construção do final do século XIX, tombada pelo Iphan. É nessa época que ele ganha contornos como conhecemos hoje, de ser um espaço cultural, gastronômico e comercializar souvenirs e artesanatos típicos da Bahia.
Em 1984 outro golpe do destino foi cruel com a construção: um incêndio de grandes proporções o consumiu em chamas. A edificação passou por um processo de reforma e, em um período de apenas dez meses, foi reinaugurada. Atualmente o Mercado Modelo mantém a arquitetura neoclássica original sendo considerado um patrimônio arquitetônico e cultural baiano conhecido no mundo inteiro.
Mercado Modelo tem espaço gastronômico
No segundo andar do Mercado Modelo Salvador, você encontrará dois restaurantes: Camafeu de Oxossi no lado direito e Maria de São Pedro no lado esquerdo. Ambos oferecem almoço com apetitosos pratos da culinária baiana.
O primeiro restaurante surgiu em 1948 e teve como proprietário Ápio Patrocínio da Conceição, conhecido como Camafeu de Oxóssi, ilustre personalidade da cultura baiana. Camafeu de Oxossi, capoeirista e músico, era também Obá de Xangô no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. No período de 1976 a 1982, Camafeu de Oxóssi ocupou a posição de presidente do renomado Bloco de Afoxé Filhos de Gandhy, fundado em 1949. Este é o mesmo ano em que o líder indiano Mahatma Gandhi, fonte de inspiração para o grupo, foi tragicamente assassinado. Ele adquiriu sua primeira barraca por volta de 1945 no local e é uma das figuras mais simbólicas do Mercado Modelo.
O segundo, que começou a sua história em 1925, na antiga Feira do Sete ( onde hoje é a base dos Fuzileiros Navais), foi fundado por Maria de São Pedro dos Santos, nascida em Santo Amaro da Purificação no ano de 1901, precursora da culinária baiana. O restaurante foi o primeiro a ser aberto de comida típica na Bahia. Maria de São Pedro, já cozinhou para a família Matarazzo, em São Paulo, onde realizou um banquete para celebrar os 400 anos de fundação da capital paulista.
Mercado já recebeu visitantes ilustres
O espaço já recebeu a visita de gente famosa como a falecida rainha da Inglaterra, Elizabeth II, que na ocasião, foi presenteada com uma penca de balangandãs, o filósofo francês Jean Paul Sartre, Jorge Amado, Simone de Beauvoir, Pablo Neruda, Aldous Huxley, Érico Veríssimo, Caribé, assim como cineastas como Orson Welles, Clouzot, Roberto Rossellini e Louis Malle.