Bom humor sobre as vicissitudes da terceira idade
Por Ildo Simões
Pensei que já tinha passado por tudo nesta vida, mas ainda faltava um restinho. Completando cinquenta anos de casado, meus filhos e netos me prepararam uma surpresa, que depois pude ver que foi um vexame. Ofereceram-me uma noite num motel. A Marieta pelo visto já sabia por que uma semana antes começou a por no sol o vestido de casamento e a combinação com que dormimos juntos pela primeira noite. Sempre com a desculpa de que era só pra tomar sol.
A Caixa de remédios (quase trinta), já vivia arrumada motivo pelo qual não desconfiei. Terminada a fuzarca da festa me enfiaram num táxi, e entregaram um cartãozinho pro motorista. Não demorou muito e me aparece a Marieta com a bendita mala, a caixa de remédios e um riso estampado no rosto estragando o rouge e o baton, colocado às pressas. O motel ficava a beira dum lago onde nadavam vários paturis e tinha o nome sugestivo de Afogando o Ganso.
Ficamos num quarto maior que meu puxadinho, a cama dava pra jogar uma pelada e uma banheira enorme maior que muitas piscinas de apartamento. Desarrumada a mala, não encontrei meus óculos pra conferir a loteria. Liguei a televisão e só passava chuvisco. Chamei o estafermo e pedi pra botar um filme. Marieta vestiu a indumentária do nosso casamento, que parecia um espantalho para os dias de hoje. Apagou a metade das luzes e começou a circular em volta da banheira.
O filme era um casal pelado que fazia duas horas que tinham se conhecido, tentando um intercurso carnal e me lembrei que passei três dias pra convencer a noiva que se continuasse com roupa, nossa família ia ficar só nós dois. Lembro que ela tirou a combinação, os espartilhos, um dos califons, e entrou debaixo das cobertas de calçola, califon e bobes num cabelo que cresceu durante os dois anos de nosso noivado. Isto tudo passava agora na minha cabeça.
Marieta dava voltas em torno da banheira achando que tava no céu. Quando perguntei se num tava com sono ela tomou um susto e despencou na água. Tive que pular pra salvar dum afogamento, de pijama , camisolão e touca. Segurei ela por um braço e como não tinha outra alternativa, comecei a esvaziar a piscina, usando o penico de cabeceira. Esvaziei a piscina e alaguei o quarto e o ato seguinte foi furar a parede pra que a água saísse.
O casal vizinho que àquela altura dava gritinhos e sussurros, começou a berrar no celular pedindo socorro e dizendo que o Rio das Tripas estava alagando toda a cidade. Saíram os dois pelados e dez minutos depois foram presos pela vigilância do hotel. Amanheceram presos na despensa pra serem entregues à policia.
Até meia noite foi pra torcer e enxugar as peças. Ainda ouvi um risinho do porteiro quando pedi pra mudar a roupa de cama porque se consumara um… acidente. Refeito o susto fomos deitar e em dez minutos já tinha acabado o gás dos dois que, na verdade, nem acendeu. Cada um roncava sua desafinada melodia. Eu sonhava com a loteria e ela com a festa do nascimento do oitavo neto.
Arrumamos as trouxas depois do acidente e tinha como deixar uma mala arrumada, Marieta catou os comprimidos derramados. A gente toma o segundo porque o primeiro cai pelo tremor das mãos e a gente nunca acha na hora. Ficamos um tempão esperando um taxi que alegou demora pelo trânsito e a chuva que não parava de cair.
O moço da portaria vendo aquela ‘bagagem’ ainda falou sério, como convém a um funcionário que cumpre seu dever, prendendo o riso:
– Vão viajar em lua de mel?
– Não moço. Estamos voltando pro barraco. Só vou passar pela lua quando for desta pra melhor e a caminho do céu vou falar com ela que o mel que ela tem parece mais um suco de laranja azeda.
O senhor ainda me faça um favor. Ligue pra este telefone e quando Jaime, meu filho atender, peça pra ele mandar um pedreiro e um encanador, porque tive que esvaziar a banheira pra tirar a Marieta de dentro e como a agua se acumulou no quarto precisei furar a parede pra esgotar a água. Mas ele paga tudo. Fique tranquilo.
-Velho sooooooooooooooofre