No momento em que completa 27 anos de sua morte, um amigo me recordou que quando estava na faculdade, fiz um trabalho em equipe, em homenagem a ela, a Mulher de Roxo.
Tínhamos que gravar um vídeo e o tema escolhido foi: E se uma pessoa famosa, já falecida, voltasse nos tempos de hoje? A ideia principal veio depois que assistimos “Ele está de volta” (Título original: Er Ist Wieder Da. 2015), que resumindo é Adolf Hitler acordando na Alemanha atual, como se não tivessem se passado mais do que alguns segundos entre a Segunda Guerra Mundial e a atualidade. Quisemos trazer para mais próximo da realidade soteropolitana e veio logo ela: a lenda urbana de Salvador, Mulher de Roxo.
Então com essa inspiração criei a personagem “Mulher de Roxxo”.
Junto com meus colegas de equipe, começamos a criar o roteiro para a filmagem. Primeiro o figurino, a roupa, de tecido came roxo, com um modelo bem orgânico e torso ao invés de véu como ela usava e claro que, ao invés de pés descalços, tinha salto alto, batom e maquiagem.
Era uma versão empoderada da lenda, youtuber, fazia terapia, casou e teve um filho. Aí que entra o outro personagem, o marido Vado, interpretado por Xande Fateicha, integrante da equipe que embarcou nas minhas viagens.
Vado e a Mulher de Roxxo
Lá fomos nós, para a Rua Chile, local onde ela era vista e conhecida do tempo que vivia pelo Centro Histórico. Munidos de câmera, microfone e muito boa vontade, Xande e eu, encarnamos os personagens e saímos rua acima, parando as pessoas e perguntando se estavam me reconhecendo. Pedia esmola no cartão, tinha até maquininha fictícia. Os comerciantes locais e guias turísticos mais antigos logo se lembravam dela. Foi uma experiência fantástica, contavam histórias, relembravam como interagiam com ela.
O final do vídeo foi hilário com ela pedindo um carro por aplicativo para irem para casa, com pagamento em débito, é claro!
Sobre a lenda urbana Mulher de Roxo
Fonte: Aventuras na historia
Ao longo dos 1970, até perto do fim do século passado, uma figura enigmática e até certo ponto amedrontadora, chamava a atenção de todos que passavam pela principal via de comércio de Salvador, a Rua Chile.
Por lá, vagava uma mulher vestida de roxo, com trajes que mais lembravam o hábito usado pelas freiras, o que incluía ainda um grande crucifixo na altura do peito. Apesar de folclórica, a imagem da dama causava os mais diversos tipos de sentimentos, como medo, receio, compaixão, arrepios e até mesmo pena.
O que deixa a narrativa mais complexa e interessante é que ninguém, de fato, sabia ao certo quem era aquela pobre moribunda. As divergências começam logo por seu nome: muitos dizem que o rosto por trás da Mulher de Roxo era de Florinda Santos, já outros alegam que se tratava de Doralice. Até hoje a dúvida permanece.
Assim como também não se tem conhecimento sobre o porquê ela repetia um ritual quase diário, que começava na entrada da loja Sloper, percorrendo de um lado ao outro da rua pedindo dinheiro. Uma outra característica que chamava a atenção era o modo educado com o qual fazia isso. Afinal, dizia-se que a Mulher de Roxo vinha de boa família, que tinha certo dinheiro.
Uns defendem que a figura havia perdido toda sua riqueza e enlouquecido com isso; outros alegam que ela viu sua mãe matar seu pai e depois a progenitora teria se suicidado; há ainda quem garanta que a história da Mulher de Roxo não tenha qualquer cunho macabro e de que a senhora endoidou após ter sido deixada no altar.
Essa última tese pode ajudar a explicar as ocasiões em que apareceu vestida de noiva, com direito a véu e grinalda. Porém, independente da roupa que usava, o batom vermelho sempre lhe fazia companhia.
Mas a aparência pouco importava para Florinda — ou Doralice —, afinal, a rua era sua verdadeira casa, seu mundo, seu espaço. A intimidade com a via era tão grande que seus pés tocavam naturalmente o solo, sem nenhum calçado para impedir a relação entre pessoa e o universo.
Ao fim do dia, a mulher voltava andado para o albergue noturno da prefeitura, situado na Baixada dos Sapateiros. O refúgio era seu único abrigo, e por lá, tentava colocava os pensamentos em ordem antes de retornar na manhã seguinte para reivindicar seu espaço: isso porque, além da Rua Chile, ela também afirmava que o Palácio do Rio Branco lhe pertencia.
A verdade, no entanto, jamais será descoberta, pois foi enterrada junto com seu corpo, em 5 de abril de 1997, quando faleceu aos 80 anos — sendo sepultada como indigente. O que restou foi seu legado, sua história e seu folclore, que transcendeu as barreiras regionalistas e serviram de inspiração para um personagem do cineasta Glauber Rocha no filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de 1969.
Além da ficção, a memória da Mulher de Roxo também foi contada no documentário homônimo dirigido por Fernando Guerreiro e José Américo Moreira da Silva e em uma música da banda Cascadura (gravada com Pitty). Já sua imagem foi eternizada na Galeota Gratidão do Povo, um painel pintado por Carlos Bastos que decora o plenário da Assembleia Legislativa.