A Cia. Catraca do Riso, de São Paulo capital, ministra no dia 4 de dezembro duas oficinas gratuitas, no Centro de Memória do Circo, no Centro Cultural Olido : sobre Acessibilidade no Teatro – Inclusão Além do Óbvio, com a escritora, atriz, produtora e especialista em acessibilidade cultural Bruna Burkert e de Dramaturgia para o Circo Teatro – Desvendando Palhaços Periféricos, com o diretor da Cia. Catraca do Riso, Gustavo Guimarães. Ambos os profissionais se dedicam, há uma década e meia, ao circo e ao teatro nas bordas da cidade, desempenhando um papel significativo na periferia, com compartilhamento de cultura e entretenimento para comunidades em suas localidades. Nós conversamos com Gustavo, sobre o trabalho direcionado à palhaçaria, importante em si mesmo, e ainda mais porque vejo pouco se falar sobre a dramaturgia na palhaçaria. Confira a entrevista:
DP – Porque é importante ressaltar os processos de desenvolvimento da dramaturgia na palhaçaria? Ajuda e quebrar paradigmas e lutar contra o estereótipo do palhaço?
GG – É crucial para romper com estereótipos. O riso é revelador e a dramaturgia cômica uma matéria em constante atualização, acompanhando a contemporaneidade. O comportamento humano ampliado para a Palhaçaria colabora com a quebra de paradigmas ao mostrar a diversidade de abordagens na criação cênica. O palhaço enaltece os defeitos que os padrões e suas épocas apontam e assim, fazem disso, uma piada.
DP – O que é negativo nesse estereótipo?
GG – O estereótipo do palhaço muitas vezes limita sua imagem a um infantilizado, é uma vertente de pesquisa de diversos trabalhadores que se vestem e se assumem como palhaços e fazem dessa figura uma forma de ganhar seu pão dignamente. Ter a liberdade de brincar com quem passa na rua, chamar clientes, ter um programa em um canal televisivo e ter a habilidade de improvisar com tudo o que passa.
O problema é que não existe espaço para a riqueza de camadas emocionais e narrativas que podem ser exploradas. Por um lado, um “oi” pode mudar o dia de uma pessoa e fazer de sua dramaturgia da vida algo mais significativo, por outro lado isso pode perpetuar uma visão extremamente superficial e desvalorizada, descontextualizada do trabalho do palhaço.
DP – Como você vê a riqueza e a complexidade do personagem “palhaço” quando ele entra em cena? Isso tem sido bem aproveitado no Brasil?
GG – A personagem “palhaço” apresenta riqueza e complexidade, apresentam uma gama de emoções e reflexões. Pode apresentar temas de extrema seriedade de uma forma extremamente sútil e estar em diversos lugares além dos palcos, com dramaturgia e menores produções. O que falta é um maior investimento. No Brasil, há uma tradição rica de explorar dramaturgias, formas de abordagens e lugares inusitados. Com certeza a sociedade seria mais saudável se refletisse e risse mais. Com mais ações que unem didática e cena. A Palhaçaria brasileira tem muito da identidade da obra de Augusto Boal, trazendo temas para debates, criando dramaturgias a partir do olhar do oprimido e trabalhando a empatia com o público que muitas vezes está contaminado com o concreto do urbano.
DP – É possível usar a figura do palhaço para falar de coisas sérias e botar para pensar?
GG – Sim, é totalmente possível usar a figura do palhaço para abordar temas sérios e provocar reflexões profundas. Ele seria muito pobre se fosse apenas a vertente do escrachado, do rir por rir. As descargas emocionais do riso também vem de paródias, a imitação da figura que fica no topo da pirâmide hierárquica, apresentar relações de poder. A habilidade do palhaço em criar empatia é possível quebrando a quarta parede, performando no aqui agora e olhando para o público sem ignora-lo ou trata-lo como invisível. É possível trabalhar temas importantes de maneira acessível, consciente e impactante.
DP – Como é o trabalho de vocês nas periferias?
GG – Ir para as bordas da cidade é um trabalho de formiga. Quando não é na quebrada que mais atuamos (a do Campo Limpo) é ir dormir cedo pra no outro dia acordar cedo sabendo que irá enfrentar um grande trânsito, que terão buracos na pista, que algumas vias estarão parecendo as avenidas da índia com pessoas impacientes dirigindo. É saber que muitas vezes você vai levar a arte do palhaço para públicos que têm menos recursos para manifestações culturais. Tem suas manifestações culturais, seu gosto musical, uma eclética diversidade. É saber que você vai entrar em um lugar que tem um “comando” e que se você já se apresentar como um circense não te olharão feio, irão respeita-lo por estar ali, levando algo para as crianças e até para eles mesmos.
Tentamos contribuir para a inclusão social, buscando proporcionar momentos de alegria e reflexão em comunidades que muitas vezes enfrentam desafios significativos e são “bairros dormitórios”. Existe o comércio local, mas existe a locomoção dos habitantes dali. Muitas vezes, quando apresentamos aos finais de semana, estamos apresentando no momento que as famílias estão juntas, quando a mãe permite o filho sair pra brincar, o dia que não tem escola.
Quando apresentamos para adultos, levamos histórias, personagens que são comunicáveis com a plateia. O nome catraca do riso não é de se entender no começo, mas é uma catraca diferente: as catracas fazem parte da nossa sociedade e quando não visíveis são perceptíveis no comportamento de diversas pessoas que acham que “teatro não é pra elas”, “nunca irão ao circo” ou “não tem dinheiro para o ingresso”.