Por Gina Marocci
O Brasil demorou a ter instituições de formação em nível superior. Enquanto colônia, apenas com a vinda de D. João e da família real, em 1808, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia, em Salvador, as de Anatomia e Cirurgia e a Academia Real da Marinha, ambas no Rio de Janeiro. Foram criados, também na capital, A Academia Real Militar (1810), o curso de Agricultura e a Real Academia de Pintura e Escultura, as duas em 1814. Contudo, eram cursos organizados em faculdades isoladas. Outros cursos foram criados ao longo do século XIX, mas não se estruturaram como uma universidade, realidade que perdurou até o início do século XX. Podemos dizer que Portugal não teve um interesse maior em criar cursos superiores em suas colônias, quanto mais universidades, mas, quando nos voltamos para a colonização hispânica na América, vemos que a estratégia empregada pela coroa espanhola foi muito diferente.
A universidade mais antiga do mundo é a de Nalanda, na Índia Oriental, fundada no século V d. C., para o ensino de teologia, filosofia, astronomia, alquimia e anatomia. As universidades mais antigas do Ocidente foram criadas na Tunísia (738), no Marrocos (859) e no Egito (988), no norte da África, as três pertencentes ao mundo islâmico. Na Europa, a Universidade de Bolonha (1088), a Universidade de Oxford (1096) e a Universidade de Paris (1170) são consideradas as mais antigas. Na Península Ibérica, as universidades mais antigas são a de Salamanca (1218), criada para o ensino de teologia, filosofia e direito a clérigos e leigos, e a de Coimbra, que foi fundada em Lisboa (1290), para o ensino de artes, direito, teologia e medicina. Mesmo com a divisão territorial em três reinos, Leão, Castela e Aragão, no século XIII, a atual Espanha possuía cinco universidades em funcionamento, enquanto que Portugal tinha apenas uma.
No século XV, início da colonização da América, já estavam consolidadas 8 universidades na Espanha: Salamanca, Valhadolide, Múrcia, Alcalá, Lérida, Barcelona, Santiago de Compostela e Valência. Inspiradas no êxito de Salamanca, foram criadas as primeiras universidades nas colônias espanholas na América. Assim, em 1538, os Estudo Gerais dirigidos pelos Dominicanos, desde 1518, em Santo Domingo (República Dominicana), foram elevados a universidade, composta por 4 faculdades: Medicina, Direito, Teologia e Artes. Os Estudos Gerais eram compostos pelo trivium, que incluía o estudo da gramática, da retórica e da lógica, e pelo quadrivium, em que se estudava aritmética, geometria, astronomia e música; os dois compunham as chamadas sete artes liberais, rica herança da Idade Média. Ao findar o século XVI, já se contavam 32 universidades vinculadas ao império espanhol, e apenas 2 em Portugal: Lisboa e Coimbra. Para a pesquisadora Elisabete Pereira (2008), como havia um contingente maior de letrados e docentes na Espanha, foi possível deslocá-los para suas colônias. Logo, foram fundadas na América espanhola: San Marcos (Peru, 1551); México (México, 1553); Bogotá (Colômbia, 1662); Cuzco (Peru, 1692); Havana (Cuba, 1728) e Santiago (Chile, 1738). As primeiras universidades fundadas pelos ingleses em solo americano foram a de Harvard (1638), Yale (1701) e Filadélfia, em 1755 (GOMES, 2002).
No universo colonial português, os jovens que quisessem seguir os estudos até uma formação em nível superior tinham de estudar nos colégios jesuítas, que ofereciam os cursos secundários, e depois solicitar permissão ao rei para ingressar na universidade de Coimbra ou em outras universidades europeias. Os jesuítas fundaram 17 colégios e 7 seminários no Brasil, sendo que o Colégio da Bahia, o primeiro deles, era o mais famoso. Nele funcionou o curso de teologia a partir de 1572, que foi equiparado ao de Évora, também instituído pelos jesuítas. Em 1822 eram computados cerca de 3 mil bacharéis brasileiros formados na Europa, a maioria em Coimbra, dentre estes José Bonifácio de Andrada e Silva, o patrono da independência. Sobre essa dependência das universidades do exterior, Anísio Teixeira (1989) observara: Força é admitir que se havia enraizado a idéia de dependência cultural do país, que não se julgava capaz de elaborar ele próprio a sua cultura cabendo-lhe recebê-la de fora, importada, como quase tudo que consumia. Talvez o fato de a Independência ter feito uma simples separação de reinos levasse à ilusão de uma continuação, passando o país a viver como antes, substituída Coimbra pelas escolas de direito, de medicina e depois de engenharia, funcionando o Colégio Pedro II como o antigo Colégio de Artes. A cultura era bem de consumo, a importar. E dessa forma permaneceu até o início do século XX: a prática de se criar faculdades isoladas, como em Porto Alegre (1897), Belo Horizonte (1911) e Curitiba (1913), entre outras cidades.
A Universidade do Rio de Janeiro, primeira universidade brasileira, foi criada em 1920, pelo Decreto nº 14.343, com a junção da Escola Politécnica, da Escola de Medicina e da Faculdade de Direito, embora sem integração entre elas (SOUZA; MIRANDA; SOUZA, s.d.). Não havia a troca de saberes que é a essência da universidade, bem como o apoio ao desenvolvimento de pesquisas. Nessa mesma década, já se contavam 78 universidades nos Estados Unidos e 20 na América Latina (GOMES, 2002).
Em 1931, no governo do presidente Getúlio Vargas, foi aprovado o Estatuto das Universidades Brasileiras, que possibilitou a criação de universidades públicas e privadas, com a obrigatoriedade de ofertarem os cursos de Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras. Em 1934 foi criada, pelo governo estadual, a Universidade de São Paulo, com a união da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Escola Politécnica, da Escola Superior de Agricultura, e das faculdades de Medicina, Direito, Farmácia e Odontologia. Em 1937, a Universidade do Rio de Janeiro tornou-se a Universidade do Brasil, criada para ser o modelo às instituições universitárias, não apenas na estrutura mas no projeto curricular dos cursos (SOUZA; MIRANDA; SOUZA, s.d.). A ela foram incorporados institutos e unidades já existentes que atuavam separadamente: Química, Filosofia, Ciências e Letras, Metalurgia e Música, e o Museu Nacional. A Universidade Federal da Bahia foi constituída formalmente em 1946, quando institutos já existentes foram reunidos: a Escola de Cirurgia (1808), Farmácia (1832), Odontologia (1864), Belas Artes (1877), Direito (1891), Politécnica (1896) e Filosofia, Ciências e Letras (1941). De acordo com o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), existiam no país, em 2019, 302 instituições públicas de ensino superior e 2.306 instituições privadas. Levamos muito tempo para alcançar esses números e democratizar o acesso ao ensino superior. Apesar de uma defasagem de mais de 200 anos em relação a outros países americanos, as universidades brasileiras, principalmente as públicas, têm se destacado pela qualidade do ensino e a relevância da pesquisa.
REFERÊNCIAS
GOMES, E. País tem história universitária tardia. Jornal da Unicamp, 191 – Ano XVII – 23 a 29 de setembro de 2002.
PEREIRA, E. M. de A. Universidade no contexto da América Latina: 90 anos da reforma de Córdoba e 40 anos da reforma universitária brasileira. Políticas Educativas, Campinas, v.2, n. 1, p.54-75, dez. 2008 – ISSN 1982-3207.
SOUZA, D. G. de; MIRANDA, J. C. M.; SOUZA, F. dos S. Breve histórico acerca da criação das universidades no Brasil. Disponível em:
https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/5/breve-historico-acerca-da-criacao-das-universidades-no-brasil. Acesso em: 10 out. 2023.
TEIXEIRA, A. S. Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.
A editora responsável pela sub-editoria de Educação é Gina Marocci, Professora Sênior Colaboradora do IFBA, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, pesquisadora em história da cidade e Urbanismo. Para falar com ela envie e-mail para ginamarocci@gmail.com.