Por Gina Marocci
A presença dos seres humanos na história do planeta Terra é muito recente, afinal são cerca de 4,6 bilhões de anos, enquanto que nós, os sapiens, temos algumas centenas de milhares de anos. No entanto, nesse tempo de existência, a humanidade vive uma verdadeira odisseia, uma viagem cheia de aventuras e desventuras. Há apenas 10 mil anos alguns grupos humanos começaram um processo de sedentarização facilitado pelos bons resultados na agropecuária. Segundo os estudos arqueológicos, o Oriente Médio é o berço desse avanço, que foi acompanhado pela manipulação dos metais, pelo desenvolvimento de técnicas construtivas, que possibilitaram a construção de grandes edifícios, pela escrita cuneiforme, e pelas primeiras cidades. Estamos falando da Mesopotâmia, palavra de origem grega que significa terra entre rios. Esta região desértica, localizada entre os rios Tigre e Eufrates, foi ocupada por sumérios, acádios, caldeus, assírios, amoritas e babilônios e hoje pertence ao Iraque.
A produção de grãos e a domesticação de animais propiciaram a alguns grupos humanos, antes nômades, a fixação em um espaço geográfico. Esses aglomerados humanos se espalharam por toda a Mesopotâmia e pelas regiões a ela vizinhas. Os vestígios mais antigos de uma cidade datam de cerca de 9.000 a. C., e são de Jericó, no vale do Jordão, atual Cisjordânia, mas escolhemos Nínive, uma cidade da Mesopotâmia para entender a importância e o que seriam esses aglomerados urbanos dos primórdios da Idade Antiga. Considera-se que a explosão urbana aconteceu nesta região por volta de 4000 a 3000 a. C. e trouxe mudanças no modo de vida dos indivíduos, pois eles passaram a exercer atividades independentes daquelas vinculadas à agropecuária, como também na estrutura social, que deixou de ser caracterizada por laços territoriais e se pautou por laços sanguíneos, por divisão de classes e por um estamento burocrático composto por políticos, militares e lideranças religiosas (ROAF, 1996).
Nínive (4000-3000 a. C.), capital do Reino da Assíria, era um conjunto de povoados na margem oriental do rio Tigre e ficou conhecida por ser um centro de adoração ao deus Ishtar, pelos jardins, templos e palácios suntuosos, ruas largas e grandes muralhas. Canais e aquedutos levavam água à cidade, para o consumo humano e para manter os belos jardins públicos. A cidade era murada e tinha várias portas, além dos famosos jardins suspensos, que não eram da cidade de Babilônia. Nínive, atual Mussul (ou Muçul), é o maior sítio arqueológico do Oriente e eleito Patrimônio Mundial pela UNESCO desde 2000.
Voltando-nos para o Ocidente, as cidades-estados gregas (pólis) são outro bom exemplo de como as sociedades humanas se agrupavam e se organizavam. Atenas, a mais conhecida, capital da Grécia, nasceu da junção de pequenas comunidades e teve seu apogeu durante o período clássico da Grécia Antiga (508 a 322 a. C.). A cidade era protegida por muralhas e um caminho, também murado, com cerca de 10 km de extensão, ligava-a ao porto de Pireu, e era constituída por uma planície e a colina onde em seu topo foi erguida a Acrópole (Patrimônio Mundial da Unesco), o lugar do culto aos deuses e das manifestações religiosas mais importantes, em que foram construídos os principais templos. Na parte baixa havia a ágora, praça pública onde ficavam a sede de governo e administrativa, o mercado com lojas de comércio, ofícios e artesanato, e onde aconteciam os debates entre os cidadãos. Havia, em volta da cidade, um cinturão rural de apoio para a produção de alimentos.
Todos nós sabemos que o Ocidente tem forte influência da cultura grega (artes, literatura, filosofia, arquitetura, política, matemática, geometria, por exemplo), mas também do legado do Império Romano, portanto, a terceira cidade da Antiguidade é Roma. No século VIII a. C. ela era um pequeno aglomerado de cabanas de barro com tetos de palha erguidas numa colina, o monte Palatino, perto do rio Tibre (FORMAN, 1991). As terras férteis atraíram agricultores e criadores de gado, que se chamavam latinos do território do Lácio. Havia seis colinas próximas onde se instalaram outros grupos e com o crescimento dos aglomerados, eles se reuniram formando uma cidade com sete colinas dentro de uma região com muros altos. A sociedade romana era dividida em classes: os patrícios, a classe dominante, os nobres e proprietários de terra; os plebeus, que eram os comerciantes, artesãos, camponeses e pequenos proprietários; os clientes, que eram prestadores de serviços. Os escravos, que não eram poucos, não eram considerados. A cidade era segregada com regiões de moradas dos ricos e outras onde viviam os pobres. Estas eram estruturadas em quarteirões onde os moradores vivam nas insulas, edifícios com habitações coletivas, espalhados pelas colinas. No século IV a. C. estimava-se que havia cerca de 45 mil blocos de apartamentos em Roma. Aquedutos levavam água aos templos, palácios e mansões, enquanto que os pobres recolhiam água das bicas instaladas nas ruas. No centro da cidade havia o fórum, a praça pública onde aconteciam cerimônias, eleições, e era o centro da vida comercial. Em torno dele foram erguidos inúmeros templos aos deuses, arcos do triunfo e o senado. Roma tem vários sítios eleitos com patrimônio mundial pela UNESCO.
Essas três cidades, construídas por povos diferentes em regiões distintas, têm algumas características semelhantes, as quais podemos definir como elementos fundamentais para a fundação de cidades. O primeiro elemento é a água, ou seja, a proximidade de um manancial de água, tanto para uso humano como para via de transporte (rios, lagos, mar); o segundo elemento seriam a oferta de terras férteis. Os lugares altos, seriam o terceiro elemento, pois possibilitariam estratégias de defesa. Locais livres de áreas pantanosas, com bons ares promoviam a salubridade. Outra característica importante é a presença de muralhas e portas para proteção e restrição do fluxo de pessoas entrando e saindo da cidade. Outra característica é que elas eram o centro do poder, com um estamento burocrático e edifícios que o representavam. Paris, Moscou, Lisboa, Londres, e muitas outras cidades pelo mundo, tiveram esses elementos em suas fundações.
REFERÊNCIAS
FORMAN, J. Os Romanos. São Paulo: Melhoramentos (Coleção Povos do Passado), 1991.
ROAF, M. Mesopotâmia e o antigo Médio Oriente. Madrid: Ediciones del Prado S. A; impressão: Gráficas Reunidas, 1996, v I e II.
A editora responsável pela sub-editoria de História e Patrimônio é Gina Marocci, Professora Sênior Colaboradora do IFBA, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, pesquisadora em história da cidade e Urbanismo. Para falar com ela envie e-mail para ginamarocci@gmail.com.