O luto é uma experiência universal, mas profundamente individual. Ele pode ser desencadeado pela morte de uma pessoa querida, mas também por outras perdas significativas, como a de um animal de estimação, de um emprego, de uma condição financeira ou mesmo de um relacionamento. Mais do que um estado emocional, trata-se de um processo complexo que envolve intensas transformações no cérebro e no corpo.
“Cada pessoa vive o luto de uma forma diferente, ele não é padronizado. Quanto mais frágil emocionalmente essa pessoa for, mais difícil será o processo de enfrentamento. Quanto mais forte, menos doloroso será, porque ela terá mais condições de elaborar melhor a perda e continuar vivendo”, explica Marcella Pinto Maia Rett, diretora de Psicologia do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (Iamspe).
Alterações no cérebro e no corpo
Estudos científicos mostram que o luto está associado a mudanças neurobiológicas que afetam o sistema límbico (responsável pelas emoções), o circuito de recompensa cerebral e o córtex pré-frontal, além de ter impacto direto no sistema imunológico.
Entre os principais efeitos observados estão:
· Ativação do sistema nervoso simpático, elevando os níveis de estresse e ansiedade.
· Alterações na atividade cerebral em áreas relacionadas ao processamento emocional e memória.
· Diminuição da serotonina e da dopamina, neurotransmissores ligados ao bem-estar.
· Enfraquecimento do sistema imunológico, aumentando a suscetibilidade a doenças.
“É possível observar alterações na amígdala, ligada às respostas de luta ou fuga, e no hipocampo, que regula emoções. A desregulação dos níveis de serotonina e dopamina pode gerar tristeza, ansiedade e vontade de chorar”, detalha a psiquiatra Jessica Martani.
O luto pode acelerar o envelhecimento
Uma pesquisa recente da Columbia University School of Public Health e do Butler Columbia Aging Center sugere que o luto pode acelerar o envelhecimento biológico. Usando dados de mais de 20 mil pessoas acompanhadas desde a adolescência nos EUA, os cientistas observaram que perdas significativas — especialmente na vida adulta — estavam associadas a marcadores de envelhecimento celular, como a metilação do DNA.
Indivíduos que vivenciaram duas ou mais perdas apresentaram idades biológicas mais velhas do que os que não passaram por essas experiências.
O conflito do cérebro enlutado
A neurocientista Mary-Frances O’Connor, autora do livro O Cérebro de Luto, explica que a mente humana entra em contradição durante o processo. Uma parte do cérebro registra conscientemente a morte e os ritos que a acompanham. Outra, ligada ao apego, continua a “esperar” pela presença da pessoa perdida.
Esse descompasso entre memórias e vínculos neurais gera sentimentos de raiva, frustração e desespero. “O vínculo afetivo está registrado fisicamente no contato entre neurônios. Quando perdemos alguém, esse arcabouço precisa ser reorganizado — um processo custoso que demanda tempo e novas experiências de vida”, escreve O’Connor.
Trauma e hipervigilância
Segundo a neurologista Lisa M. Shulman, da Universidade de Maryland, o luto pode ser comparado a um trauma cerebral. A amígdala e o sistema límbico disparam alarmes de ameaça, aumentando o cortisol, acelerando os batimentos cardíacos e prejudicando o sono. Enquanto isso, o córtex pré-frontal — ligado ao raciocínio — fica menos ativo, favorecendo ansiedade e hipervigilância.
Embora muitas pessoas consigam se reorganizar emocionalmente com o tempo, cerca de 3% a 20% desenvolvem o transtorno do luto prolongado, condição estudada pela psiquiatra Katherine Shear, da Universidade Columbia.
“Mais do que a demora em encontrar alívio, o transtorno é definido pela intensidade e pelos impactos dos sintomas no bem-estar do paciente”, explica Shear. Ela desenvolveu uma abordagem terapêutica em etapas, que vai da aceitação da perda até a reconstrução de novos vínculos significativos.
Caminhos para minimizar os efeitos do luto
Especialistas recomendam algumas estratégias para atravessar esse processo de forma mais saudável:
· Apoio emocional: buscar amigos, familiares, grupos de apoio ou acompanhamento profissional.
· Autorregulação emocional: praticar meditação, mindfulness e exercícios de respiração.
· Cuidar da saúde: manter alimentação equilibrada, sono regular e atividade física.
“Essas medidas aumentam a resiliência emocional e física, ajudando o cérebro e o corpo a se adaptarem às mudanças desse período”, reforça o neurocirurgião e neurocientista Fernando Gomes, professor da USP.
Apesar de doloroso, o luto pode ser entendido como um aprendizado. Com o tempo, o cérebro reconfigura os circuitos de apego e reorganiza a vida emocional.
“Nosso objetivo não é apagar as memórias dolorosas, mas transformá-las em lembranças agridoces”, resume Zoe Donaldson.
Ou, como escreveu Mary-Frances O’Connor: o luto é, em última instância, o preço que pagamos por amar.















