Por Esther Morais
A designer Luciana Galeão, que tem 27 anos de experiência no mercado de moda, explica e dá o passo a passo para transformar antigos materiais em roupas de alta qualidade
Você já pensou em transformar uma camisa velha em uma saia nova, botões em acessórios ou um par de jeans em uma bolsa? As últimas semanas de moda, inclusive internacionais, mostraram que com o upcycling, técnica de reutilizar antigos materiais e transformar em um novo produto, é possível e cada vez mais comum, no dia a dia e até na alta costura.
Na Bahia, a designer e artesã Luciana Galeão é uma das referências no assunto. Com duas coleções de upcycling – uma lançada em 2012 e outra em 2021 -, ela afirma que a tendência sustentável veio para ficar.
Para a designer a prática também deve ser adotada individualmente, como consumidor exigindo que as marcas adotem boas práticas, e também na reutilização dos seus próprios materiais antigos. “Se tenho uma calça, vou fazer um tipo de produto, se tenho tecido em pequenos pedaços, vou fazer outro tipo de produto. É pensar na forma que absorva o maior volume para aquele material ser realmente um reaproveitado”, orienta.
“Todo mundo pode fazer. Já fiz figurino pra Tio Paulinho com embalagem de biscoito. Para as mães, uma embalagem pode sim ser atividade recreativa, ou o pai preparar algum jogo, precisamos estimular”, incentiva.
Luciana recorda que a C&A foi uma das pioneiras no nicho ao lançar o Movimento ReCiclo, um projeto em que qualquer pessoa pode enviar as roupas para as lojas e as peças serão reutilizadas ou reaproveitadas. Ela também relembra quando colaborou com a Embasa e a Ford na produção de novos produtos a partir de resíduos produzidos pelas empresas. “Trabalhei com copo de água mineral, junto com a Embasa, em 2019, e transformei em um aromatizador. Foram 1.200 aromatizadores. Não devemos nos limitar a transformar só as roupas. Moda é uma série de coisas”, explica. Veja o resultado no link abaixo;
EMBEDAR:
Conversei com Luciana Galeão aprofundando nosso papo sobre upcycling. Confira:
EM – O que é o Upcycling?
LG – É o reaproveitamento criativo. O termo traduzido ao pé da letra é ampliar o ciclo, ou seja, ampliar o ciclo daquele material que tinha uma vida, como garrafa de refrigerante, para que ele volte como algo com valor agregado maior de repente, como uma biojoia. E quando se desenvolve um produto com design charmoso tem aquilo pra vida toda. É fazer que o material fique com você o maior tempo possível. Reciclagem e reaproveitamento são coisas diferentes, porque reciclagem transforma aquela matéria prima, seja alumínio, plástico, novamente na matéria. Reaproveitamento se torna um novo produto sem usar produto químico, pega garrafa plástico e transforma em algo novo, como um brinco. O reaproveitamento também tem menos impactos ambientais.
EM – O upcycling tem aparecido com mais força nas coleções e desfiles de moda. Como a tendência se apresenta hoje na indústria?
LG – A função é resolver um problema, que é o resíduo, mas o mais importante é ter resultado de volume que justifique. O comportamento das pessoas está cada vez mais atento a esse problema, principalmente pela questão climática, então as indústrias criaram acordos que trazem isso pra realidade, seja de carro, de moda, cada um tem sua obrigação legal para se adaptar. Ficou mais forte de 2020 para cá, acho que está muito melhor. É uma condição de trabalho que vai crescer cada vez mais e quem não se adaptar a essa realidade de entender que é importante ter essas boas práticas vai acabar saindo do mercado gradativamente.
EM – Na sua análise a tendência vai se manter no mercado?
LG – Sim, porque pensar na sustentabilidade é uma condição global. No Brasil a C&A foi uma das pioneiras na indústria a lançar uma coleção Upcycling. Foi uma coleção de jeans em 2020. Mas para a empresa trazer de forma mais forte devia também ser exigência do consumidor, porque a empresa vai dar o que seu consumidor está exigindo. Cada vez mais indústrias estão se adaptando porque há uma tendência de crescimento por causa dos acordos globais para 2030 e 2050. A moda tem corrido bastante para tirar essa imagem dela de uma das indústrias mais poluentes no planeta, ela precisa mudar isso. As últimas semanas de moda, que são uma maneira de lançar o que a indústria fabrica, mostram essa mudança,
EM – Qual a contribuição do Upcycling no mundo da moda?
LG – Desde que comecei minha carreira entendo que a função do designer é gerar qualidade de vida para as pessoas, não é só questão estética. Se tratando de benefícios de impacto ambiental tenho certeza que a importância do trabalho com resíduos está focada no nosso bem estar e preservação da nossa espécie.
EM – E quais são os impactos para o meio-ambiente?
LG – O resíduo é uma falha do design. Quando se pensa no produto, já tem que pensar na solução do resíduo. Não é só o charme do produto porque ele é feito de upcycling. Vemos o Deserto do Atacama com montanhas de lixo, bilhões de resíduos são jogados pela indústria.
EM – Como é possível tornar uma peça upcylicng? Qual o passo a passo?
LG – Primeiro a segurança. Sempre recebo resíduo higienizado. Depois é fazer a triagem, separar por cores, tamanho, para organizar o material. Nisso você já pensa no tipo do produto que o resíduo pode se adequar. Se tenho uma calça vou fazer um tipo de produto, se tenho tecido em pequenos pedaços vou fazer outro tipo de produto. O quarto passo é pensar na forma que absorva o maior volume para aquele material ser realmente um reaproveitado. Por fim, ter um bom acesso ao mercado para comercializar. Já trabalhei com diferentes tipos de resíduo, desde forro de container, resíduo orgânico, para coleção de acessórios, bolsas, carteiras. Trabalhei com copo de água mineral, junto com a Embasa, em 2019, transformei em um aromatizador. Foram 1.200 aromatizadores. Não devemos nos limitar a transformar só em roupa. moda é uma série de coisas.
EM – Na sua análise, essa é uma tendência que pode ser adotada individualmente ou só pode ser aderida pelas marcas?
LG –Todo mundo pode fazer, seja com uma garrafa de refrigerante, um saco plástico. Esse resíduos precisam ser destinados para alguma coisa. Já fiz figurino pra Tio Paulinho com embalagem de biscoito. Para as mães, uma embalagem pode sim ser atividade recreativa, ou o pai preparar algum jogo, precisamos estimular.
EM – Você fez uma exposição com vivências e experiências de upcycling em 2021. Como foi o processo e a recepção?
LG – Foi a comemoração de 25 anos da marca e minha segunda exposição de upcycling, a primeira foi em 2012. As pessoas veem o reaproveitamento criativo como algo muito rústico e quando eu levo um vestido de alta costura, algo bem trabalhado, as pessoas veem que é possível. Para essa coleção recebi peças de um revendedor que teve uma coleção que não vendeu bem e estava com mais de 500 peças encaixotadas. Juntei meu acervo com essa coleção descartada. Foi muito bem recebida. Passamos pelo Museu Eugênio Teixeira Leal, Caixa Cultural, sempre acompanhados de uma oficina de formação. Encerramos em setembro de 2022 no evento da Vogue no Shopping Itaigara.
EM – Hoje é algo que faz parte da sua marca como artista?
LG – Em 1999 comecei essa fase do resíduo. Antes picotava o material pra trabalhar e ficava lindo no chão e me incomodava o resíduo ali. Hoje é 90% do que produzo. Faço produção por demanda, então decidi fazer isso de forma que tenho um trabalho cada vez mais especial pra aquela pessoa, penso aquilo pra você. Recebo muito resíduo de couro, disco da indústria. Por exemplo, se um shopping quer fazer brinde pra final de ano, pergunto se já tem algum resíduo e vou introduzindo isso, reaproveitamento do material, pro cliente que nunca pensou nisso na vida. Fizemos pra Ford em 2014, com capacitação para integrantes do Projeto Axé. Vinham resíduos de uniformes que eram transformados em mochilas sustentáveis.
EM – Onde mais podemos encontrar em Salvador este tipo de produto?
LM – Hoje em dia muita gente já está fazendo. A ideia é que se torne o normal. Tem a Ecoloy, que a ecobaggy, uma sacola 100% sustentável. tem a Lourrani Baas, com a Liga Tranforma, que reaproveita resíduos têxteis. Vai ser uma condição natural de trabalho pra todo mundo.