Por Ildo Simões
Nesta minha vida pré-vegetativa fico a inventar tarefas. Ocorreu-me passar na peneira de meio olho uma série de neurônios que achava que não mais me serviam. Desta maluquice me sobraram poucos. Estou pensando em injetar um pouco de goma arábica (ainda existe?) no conjunto que me sobra pra não correr o risco de ficar sem nenhum.
Nas horas vagas converso com alguns deles. Às vezes me dão informações pertinentes, outras nem tanto. Outro dia passava na porta do Banco onde deposito minha aposentadoria. Ao dirigir-me à mesa do Gerente para cumprimenta-lo, um deles metido a esperto, cutucou na minha cachola e soltou uma gracinha:
-Aproveita, pede um empréstimo e compra uma cadeira de rodas!
Diante da insolência balancei com força a cachola e acho que por um momento ficaram com medo e pararam com a gracinha.
Esta inda não foi a pior. Mês passado cruzei (no bem sentido, por que no outro até já esqueci) com uma bela morena e fiz um comentário no mínimo inusitado para os dias de hoje:
-Que belos ombros, e que tornozelos! Frases tipicamente machadianas e atualmente fora de contexto.
Chegaram a ensaiar uma risadinha entredentes, mas com o golpe baixo de sacudir a cabeça, ficaram só na ameaça. Fosse antigamente teria feito um descarte, mas hoje corro o risco de ficar despovoado de raciocínio e vou me valer de que? As pernas pedem toda hora que diminua o passo, os braços reclamam quando vou pegar alguma coisa em cima do armário.
Já botei uma caixinha de madeira pra colocar o prato de sopa porque as cervicais recusam-se a dobrar mais que 30 graus. Estou proibido de falar do aparelho digestivo, porque a cada pensamento neste sentido, sofro uma ameaça maior com alguns barulhos fora de contexto e ai de mim se resolverem engatar a metralhadora que às vezes dispara. Acho que vou comprar um vira-latas pra dividir estas emergências.
Ad spiritu consuntum preparator memeum.
Não me perguntem a tradução porque eu também não sei.