“Longe do Paraíso”, o mais recente longa-metragem do cineasta, escritor, roteirista e jornalista baiano Orlando Senna terá duas exibições especiais realizadas em Salvador, nos dias 06 de novembro, às 19h, no Cine Glauber Rocha, e 09 de novembro, às 18h, na Saladearte Cinema do MAM. O artista estará presente nos dois dias.
O filme, que já percorreu festivais, marca mais um importante momento na carreira do cineasta e a partir do dia 07 de novembro estará em cartaz em cinemas de várias cidades do Brasil, como no Cine Metrópolis (Vitória), Cinema do Dragão (Fortaleza), Cinemateca Capitólio (Porto Alegre) e Cine Vitória (Aracaju).
Um projeto que durou 22 anos para chegar às telas – “O roteiro de “Longe do Paraíso” foi escrito em 1998. Fui impulsionado por José Saramago, o único escritor de língua portuguesa que ganhou o Prêmio Nobel. Seu romance O Evangelho Segundo Jesus Cristoteve importância na minha decisão de recontar uma história da Bíblia do meu jeito”, conta Orlando Senna. “Anos depois, com meu roteiro já escrito, Saramago publicou outro romance, Caim, onde o filho fraticida de Adão e Eva dialoga com Deus. Achei que era uma coincidência benfazeja, pois meu roteiro trata exatamente disso, transpondo o diálogo do mito bíblico para o cenário atual da questão agrária brasileira”, revela.
Mas Orlando Senna diz ainda que a ideia surgiu antes dessa ponte com Saramago. “Foi durante uma pesquisa que fiz com Leopoldo Nunes, para um documentário, tentando entrevistar pistoleiros que matam lideranças camponesas. Eles não quiseram gravar entrevistas, mas uma informação chocante veio à tona durante a pesquisa, trazida pelos policiais: os mandantes desses crimes preferem contratar matadores que sejam da mesma região da vítima. Segundo eles, porque assim fica mais fácil, o pistoleiro conhece a região, os hábitos e costumes de seu alvo. Metaforicamente, irmão matando irmão”, conta o cineatas.
Uma parábola entre o cangaço e o faroeste
Por Adriano Denovac
Terra, justiça, trabalho e família são as tônicas centrais do filme “Longe do Paraíso” do diretor baiano Orlando Senna. Uma obra forte com tom novelesco e belos enquadramentos. O diretor consegue produzir a conexão com o drama existencial e o social, em uma estética que flerta com o cangaço e o faroeste, atravessando afetos e emoções. Mas, sobremaneira, denunciando a questão fundiária no Brasil. Um tema embebido em luta e sangue do povo que resiste ao poder econômico.
É, sem dúvida, um filme denúncia. O diretor Orlando Senna é emblemático na estética emocional que imprime no filme, entre a questão da posse da terra e da posse do senso de coletividade. Da terra como bem comum, do que nos define como humanos. Fatalmente é o drama da existência exposto na tela de cinema. Haverá paradeiro para essa profusão de questões? A resposta para essa pergunta, e para quão longe estamos do paraíso, o diretor reserva para o final. É preciso chegar lá para saber.
Senna é um ícone da cultura brasileira. Além de cineasta, também é escritor, jornalista, roteirista e um dos mais importantes teóricos sobre o cinema baiano. Roteirizou e dirigiu mais de trinta obras, entre cinema documental e ficção, sem contar a sua produção literária, teatral, jornalística e intelectual. Notadamente uma mente inquieta que está também entre o pensar e o fazer cinematográfico. Está intimamente ligado ao Cinema Novo, ao Cinema Marginal e à Tropicália. Entre os seus principais trabalhos destaco “Iracema – Uma Transa Amazônica” (1975), “Diamante Bruto” (1977) e “A Ópera do Malandro” (1986), na qual ele assina o roteiro.
Segundo o Jornal Correio Braziliense , “Longe do Paraíso” é a primeira ficção pura de Orlando Senna, no qual ele explora o gênero em sua plenitude. Importante também destacar o elenco do longa-metragem, com representações que por vezes são síncronas e outras assíncronas, como a própria história, o que talvez desconcerte a audiência. Mas que, ao mesmo tempo, confere uma atmosfera muito interessante entre as personagens. É provocativo.
O elenco conta com nomes importantes como Emanuelle Araújo, Heraldo de Deus, Ícaro Bittencourt, Sonia Dias e Aline Brunne. Kim e Bel! É irrefutável a analogia dos protagonistas com Caim e Abel. O próprio diretor aponta essa inspiração, o que confere ao filme mais uma dimensão: a espiritual. Essa tensão está posta na narrativa. Ele, um matador de aluguel. Ela, uma mulher na luta pela terra e o direito à vida. É na curva do rio do tempo, onde tudo acontece, que esses irmãos terão de fazer escolhas.