Neste ano de 2024, marco de 60 anos do Teatro Vila Velha e também do Golpe Militar no Brasil, esta edição propõe um espaço de diálogo e confronto contra as diversas manifestações do autoritarismo que se atualizam constantemente na sociedade
O que teria despertado a ira de guardas da Polícia Civil, a serviço da Censura Federal, em 1968, para invadir o Teatro Castro Alves, em pleno Dia da Independência do Brasil? Qual conteúdo de uma peça teatral poderia ser tão subversivo ao ponto de levar a uma abordagem tão truculenta, com uso de metralhadoras e gás lacrimogêneo? Por que prenderam e agrediram nesse dia o elenco de um espetáculo e a classe artística e intelectual que se reuniam no TCA, com exceção do escritor Jorge Amado e de poucas pessoas que conseguiram fugir minutos antes? Toda essa repressão e violência foi sofrida na época na estreia, em sessão fechada, da montagem de “Senhoritas”, texto do dramaturgo paulistano Alcyr Ribeiro Costa, que terá agora leitura cênica gratuita, dia 25/09, às 19h, no Museu de Arte da Bahia, com direção de Thiago Romero e atuação das atrizes trans Inaê e Matheuzza e do artista Teodoro, que assumem os papeis de personagens travestis que se preparam para ir um baile carnavalesco.
“O enredo, como nos esclarece Ivan Leão, que assinou o cenário e figurino do espetáculo, em uma entrevista ao Jornal da Bahia (de 08/09/ 1968), tinha como foco principal “mostrar as formas de amor renegadas, a neurose que provocam e a deterioração das relações”, assumindo a trajetória das travestis como um corpo território para refletir sobre como as concepções de relacionamentos sexo-afetivos que sofrem interferências a partir de determinadas performatividades de gênero e sexualidade”.
“De posse do processo enviado pelos produtores da peça, os censores não tiveram dúvidas e nem divergiram: Senhoritas se constituía num espetáculo que depunha contra o decoro das famílias e atentava à moralidade por se constituir num espetáculo de travestis que inscrevia a “homossexualidade” como normalidade, distanciando-se assim dos discursos produtores de abjeção para expressões de gênero e sexualidade não cisheterocentradas.”, cita Kléber Simões em sua tese Teatro baiano, censura e artivismo das dissidências sexuais na Ditadura Civil-militar (1970 – 1980).
Nesse contexto de repressão em que 70 artistas na época foram presos, assim que liberados, se reuniram na mesma noite, em assembleia de emergência, no Teatro Vila Velha, para redigir um manifesto que denunciava todos os maus tratos e agressões sofridas; e que tinha abaixo-assinado nomes importantes como o de Jorge Amado, Carybé, Glauber Rocha, João Augusto, Yumara Rodrigues, entre dezenas de outras personalidades.
Sob a sombra da memória do regime militar, o projeto VILA LÊ discute não apenas a censura ostensiva, mas também as formas mais sutis de controle e limitação da liberdade de expressão que persistem até os dias de hoje.
Para ficar atualizado e bem informado sobre toda a programação de “O Vila Ocupa o MAB” e também sobre o programa “O Vila Ocupa a Cidade” (um calendário amplo e intenso de ações, criações, atividades e espetáculos em outros espaços culturais da cidade), acesse o instagram @teatrovilvelha e acompanhe as novidades nas redes sociais.
O Teatro Vila Velha conta com apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura, Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura da Bahia.
SERVIÇO:
VILA LÊ “As Senhoritas” – O Vila Ocupa o MAB
Dia 25/07/2024 às 19h
Local: Museu de Arte da Bahia – Corredor da Vitória – Salvador/Bahia
Entrada gratuita
Autor: Alcyr Ribeiro Costa
Direção: Thiago Romero
Elenco: Inaê, Matheuzza e Teodoro
SOBRE O PROJETO VILA LÊ
O Vila Lê é um projeto do Vila que tem por objetivo fortalecer a produção de textos dramáticos de autores brasileiros, considerando a escassa oportunidade de apresentação de novos textos teatrais e a baixa circulação de textos censurados durante o golpe militar. Esta é uma ação que visa promover a diversidade e reafirmar a importância de fortalecer a dramaturgia baiana e brasileira, enquanto forma de resistência ativa às formas contemporâneas de autoritarismos e tentativas constantes de cerceamento da liberdade criativa.
SOBRE O TEATRO VILA VELHA
Prestes a completar 60 anos, em 31 de julho de 2024, o Teatro Vila Velha é um dos mais importantes e inovadores espaços de difusão artística do Brasil. Foi fundado em 1964 pela Sociedade Teatro dos Novos, e está localizado em Salvador-BA. Tem como missão fomentar a criação artística coletiva e comprometida com a reflexão e o respeito à diversidade. O Vila mantém intensa programação presencial e virtual, tem seu próprio programa de formação artística, a universidade LIVRE, já revelou grandes nomes da arte nacional e recebe espetáculos e artistas do mundo inteiro. Atualmente, o Vila começa a passar por uma reforma financiada pela Prefeitura de Salvador. Por essa razão, deu início ao programa ‘O Vila Ocupa a Cidade’, uma série de ações, criações e colaborações que mantém o Teatro Vila Velha atuante e presente, ao longo de 2024, em diversos outros teatros e espaços culturais. A marca de um espaço sempre em experimentação, formação artística e constante diálogo com a sociedade.