Idefonso Alonso Tinoco, A. Victoria de Andrés Fernández e Paul Palmqvist Barrena
*The Conversation
Em geral, o lado direito está associado a ter habilidade, competência e integridade, enquanto o esquerdo está carregado de conotações negativas.
Enquanto isso, segundo o dicionário Aurélio, um dos sentidos possíveis para a palavra “canhoto” é “inábil, desajeitado, desastrado”.
Nas primeiras representações cristãs do Juízo Final, os justos são colocados à direita de Deus Pai, enquanto os eternamente condenados são colocados à sua esquerda.
Conotações semelhantes são encontradas em várias culturas orientais, e no mundo islâmico a mão esquerda é reservada para funções escatológicas.
A explicação intuitiva para essa diferenciação seria que é mais frequente, estatisticamente, ter mais habilidade no braço direito do que no esquerdo.
Embora existam variações entre os diferentes povos (na China, menos de 5% são canhotos, enquanto no Ocidente varia de 10-12%), os destros são sempre a maioria.
Porém, o que é frequente não necessariamente é o melhor em termos adaptativos — pode ser apenas um fato aleatório.
Então, por que somos na maioria destros? O que está biologicamente subjacente a esse fenômeno?
Primeira hipótese: genética ligada ao sexo
Sabe-se que os canhotos têm uma probabilidade ligeiramente menor de viver até idades avançadas e que sua porcentagem é maior nos homens — razão pela qual esta habilidade no braço esquerdo tem sido relacionada aos níveis de testosterona.
Ser canhoto é algo que se consolida por volta da puberdade e está mais frequentemente associado a doenças imunológicas, enxaquecas e distúrbios cognitivos durante a aprendizagem e o amadurecimento.
Então, ser canhoto é algo codificado geneticamente nos cromossomos sexuais?
No cromossomo Y, claro que não, já que existem mulheres canhotas. Então, esse suposto gene estaria localizado no cromossomo X?
Nesse caso, a condição hemizigótica masculina (XY) tornaria tais fenótipos mais frequentes se fosse de caráter recessivo.
Contudo, esta hipótese não é tão convincente, pois não explica por que a condição canhota é mais frequente em gêmeos, bebês prematuros e indivíduos que sofreram estresse fetal ou condições hipóxicas.
Tais circunstâncias também causam uma prevalência dos canhotos nos chimpanzés, os nossos parentes vivos mais próximos.
Nem as frequências de aparecimento responderiam a uma típica herança mendeliana ligada ao sexo, pois nesse caso seria de esperar que 50% dos homens e apenas 25% das mulheres fossem canhotos.
Se fosse, portanto, algo de natureza genética, teria que ter uma explicação mais complexa.
Segunda hipótese: a suposta vantagem adaptativa dos destros
Embora ambas as mãos possam potencialmente desenvolver a mesma força e habilidade, a realidade é que isso não acontece.
Essa assimetria morfológica poderia explicar processos anatômicos internos que se desenvolvem de forma diferente nos lados do corpo.
Os primeiros estágios embrionários dos mamíferos respondem ao desenvolvimento de órgãos e sistemas com clara simetria bilateral. Porém, o sistema digestivo manifesta desde muito cedo assimetrias no posicionamento dos seus órgãos.
As diferenças também aparecem na configuração dos pulmões, com dois lobos à esquerda versus três à direita.
Da mesma forma, o sistema circulatório primário cresce de forma distinta, gerando maior desenvolvimento do arco aórtico esquerdo (nos mamíferos, porque nas aves o direito é dominante).
O resultado é que o órgão vital por excelência, o coração, desloca-se para o hemitórax esquerdo, assim como a aorta.
Vamos refletir sobre esse fato. Dado que qualquer lesão potencial será mais perigosa no tórax do que no abdômen, e mais perigosa no hemitórax esquerdo do que no direito, os humanos sempre tenderam a proteger esta área.
Ficar em pé aumentou a exposição e a vulnerabilidade do nosso tórax.
Isto nos levaria a pensar que a condição destra é potencialmente mais “adaptativa”, pois implica uma maior taxa de sobrevivência.
Exércitos de diferentes culturas desenvolveram escudos que, carregados com o braço esquerdo, protegem o hemitórax deste lado do corpo.
Com isso, deixam a mão direita livre para atacar.
Agora, na biologia evolutiva, devemos levar em conta que, em certas características, existe uma seleção que é inversamente dependente da frequência.
Em outras palavras, os canhotos têm vantagens quando se trata de combate individual em um mundo destro.
No entanto, esta razão é descartada porque a integração dos canhotos em formações militares acarreta mais problemas de coordenação com os destros do que vantagens individuais.
Além disso, esta explicação não afeta as mulheres, que não participaram massivamente em formações militares ao longo da história.
Para testar esta hipótese, precisaríamos saber se as primeiras aparições dos canhotos são anteriores ao aparecimento relativamente recente de escudos e espadas.
Sabe-se que as atuais populações caçadoras-recoletoras, que têm um estilo de vida semelhante ao do Paleolítico e não utilizam escudos, são também predominantemente destras.
Temos evidências iniciais da condição canhota na Cueva de las Manos argentina, cujas pinturas mais antigas foram datadas do oitavo milênio a.C.
Nele, as 829 impressões negativas das mãos esquerdas, em comparação com apenas 31 das direitas, indicam que os seus habitantes eram na sua maioria destros.
Mãos impressas com técnicas semelhantes nas cavernas espanholas, francesas e italianas em populações mais antigas também indicam essa diferença, como as 57 mãos esquerdas na caverna Maltravieso ou as 275 na caverna Castillo, ambas na Espanha.
Outra forma de conhecer a natureza canhota ou destra de povos antigos seria a análise de marcas produzidas com ferramentas de pedra nos ossos de suas presas ou na própria dentição.
Em Sima de los Huesos de Atapuerca, na Espanha, sítio arqueológico com mais de 450 mil anos, descobriu-se que o Homo heidelbergensis já era predominantemente destro.
Outras espécies mais antigas em nossa linhagem evolutiva mostram evidências de dominância destra em seus cérebros.
De acordo com as evidências, portanto, não está definitivamente clara a explicação para existir mais destros do que canhotos no mundo.
Em qualquer caso, considerando que a expectativa de vida dos canhotos é um pouco inferior à da população em geral, pode-se considerar que esta condição continua a implicar em “má sorte”.
*Idefonso Alonso Tinoco, A. Victoria de Andrés Fernández e Paul Palmqvist Barrena são professores da Universidade de Málaga.
Este artigo foi publicado no The Conversation. Você pode ler a versão original aqui.