Por Morgana Montalvão
A primeira capital do Brasil completa 475 anos firmando-se como a terra do Turismo Religioso Católico. Com 372 igrejas em seu território, os roteiros ‘Caridade e Fé’, ‘Arte e Fé’ e ‘Mosteiro e Conventos’, possibilitam que os visitantes e peregrinos tenham a rica oportunidade de vivenciarem experiências ímpares de religiosidade e contemplação ao divino, além de conhecerem as histórias destas igrejas e sobre os objetos de arte sacra.

A Pastoral do Turismo (Pastur), entidade católica vinculada à Arquidiocese de Salvador, é a responsável por coordenar o turismo religioso católico na cidade. Na visão de padre Manoel Filho, coordenador da entidade, essa modalidade de turismo possibilita o crescimento da fé dos visitantes.
“O cristianismo existe há mais de dois mil anos e, por si, é uma religião de peregrinação. O turismo religioso nasce da fé do povo, que percebe que tal lugar tem uma força espiritual única, seja por causa de uma devoção, de uma santa ou de uma graça alcançada. Isso auxilia na religiosidade, este turista vai ali para orar e também para conhecer a história daquele templo religioso. Ele vem com uma espécie de missão, sendo diferente daquele turista cultural, que vem para visitar um local e tirar fotos”, diz o padre enfatizando o turismo religioso como um agente fomentador para a economia. “Além de rezar, o turista vai se hospedar em um hotel, comprar souvenirs, vai almoçar e vai conhecer a comunidade que circunda a igreja, contribuindo para o comércio daquela região e até mesmo trazer futuros investimentos”.

Os roteiros religiosos foram organizados em 2014 através de uma articulação da Pastur com conventos, mosteiros, santuários e entidades públicas governamentais e trade turístico. “A gente precisa de vários atores para planejar os roteiros, pensados de acordo com a localização geográfica e a história dessas igrejas. Nós também precisamos de outros agentes para divulgar Salvador, afirmando ser uma cidade acolhedora para esse turista e onde ele vai encontrar a infraestrutura para visitar as igrejas”, complementa.
Para Gegê Magalhães, diretor de Turismo da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), a característica de ser uma cidade hospitaleira, auxilia Salvador a receber milhares de turistas católicos desejosos em fortalecer a sua fé.
“Somos a terra das igrejas e também a terra de pessoas acolhedoras, principalmente quando se fala em receber bem o turista, seja ele cultural ou religioso. Nós da prefeitura, especialmente a Diretoria de Turismo da Secult, fazemos questão de apoiar a Arquidiocese de Salvador e a Pastur nos seus eventos, seja fazendo divulgação institucional ou distribuindo material gráfico sobre essas festividades. Estamos também de mãos dadas com as religiões de matriz africana, oferecendo suporte. A nossa cidade também é a terra dos terreiros de Candomblé e do sincretismo religioso. Isto também ajuda a trazer inúmeros visitantes a Salvador”, enfatiza.

História da cidade está ligada à Igreja Católica
Fundada em 29 de março de 1549 (século 16) a história de Salvador está umbilicalmente atrelada com a instituição da Igreja Católica no Brasil, sendo uma agente importante para a sua formação, juntamente com a Coroa Portuguesa. A cidade foi batizada com este nome fazendo referência a Jesus Cristo, o ‘São Salvador’ da humanidade, seguindo a religião católica dos portugueses que colonizaram o Brasil.
48 anos antes, em 1º de novembro de 1501, uma expedição portuguesa liderada por Gaspar Lemos, com a presença de Américo Vespúcio, chegou a estas terras para mapeá-las. Ao avistar o acidente geográfico conhecido com baía, deram o nome ‘Baía de Todos os Santos’. O nome faz homenagem ao ‘Dia de Todos os Santos’, celebração litúrgica da Igreja Católica em honra a todos os santos e mártires.
Durante o Brasil Colônia (1500-1822), além de instituir o catolicismo como religião, a igreja estabeleceu forte domínio em questões financeiras, culturais, políticas e sociais dos cidadãos, além de ser a responsável por trazer as escolas ao Brasil e inspirar as artes e a música.
Na paisagem da cidade, como forma de mostrar a sua autoridade, a Igreja Católica se fez predominante com a construção de diversos templos marcados por sua arquitetura grandiosa e requintada para a prática da religião com seus ritos e regras.
De acordo com o historiador Ricardo Carvalho, essa é uma das características que explicam a inclinação natural de Salvador para o turismo religioso católico. Para ele, as igrejas auxiliam, ainda hoje, a entender o comportamento da sociedade soteropolitana durante a história. “Não se conta a história de um povo, a história de uma cidade ou de uma região apenas pelas paisagens naturais, pelos roteiros gastronômicos ou arquitetura . A religiosidade é fundamental para aquele turista entender quem são aquelas pessoas. Indiscutivelmente o patrimônio material católico de Salvador é de uma riqueza impressionante. A cidade quantitativamente e qualitativamente possui igrejas deslumbrantes. Só cidades como Barcelona, Roma ou Paris podem entrar numa mesma lista ao lado de Salvador por causa da quantidade de templos religiosos católicos. O turismo religioso é importante para valorizar essa história de formação da nossa cidade e a influência da Igreja Católica durante os séculos. Explica o porquê falamos desse jeito, o porquê temos determinado comportamento, o porquê comemos determinados alimentos e o porquê comemorarmos determinadas festividades. Além do mais, essa modalidade de turismo também traz emprego, desenvolvimento e oportunidade de qualificação”, diz ele.
As igrejas no Brasil colonial foram um importante vetor de atração para os moradores construírem suas casas, como explica a arquiteta e urbanista Gina Marocci.
“As igrejas atraíam os moradores a construir suas casas próximas a elas, portanto, elas se tornaram vetores de adensamento e de expansão da cidade. Assim aconteceu em Salvador, com a chegada das ordens religiosas, que construíram suas igrejas e conventos fora dos muros da cidade. Vejamos, por exemplo, o Terreiro de Jesus, lugar da Igreja e do antigo Colégio dos Jesuítas ( atual Catedral Basílica de Salvador), construído pela Ordem dos Jesuítas . Além da grandiosidade do conjunto construído por esta ordem, os sobrados que compõem esse espaço são majestosos. O mesmo acontecendo com a Igreja e Convento de São Francisco ( Largo do Cruzeiro de São Francisco) e com a Igreja de Santo Antônio Além do Carmo ( Largo de Santo Antônio Além do Carmo)”, diz a especialista.
As construções tinham de seguir determinadas normas, como ter um largo à sua frente para as procissões religiosas. A implantação destes templos também deu origem a praças, ruas e avenidas.
“Na Península de Itapagipe, região da Cidade Baixa, a Devoção do Senhor do Bonfim foi a responsável pela construção da Avenida Dendezeiros, estrada utilizada para facilitar o acesso à Colina Sagrada e a Casa dos Romeiros, utilizada para abrigar os fiéis que se dirigiam à igreja para louvar o Senhor do Bonfim. Estas casas foram construídas para acolher os romeiros que vinham de longe e não podiam voltar no mesmo dia ou ficavam para participar das novenas”.
Turismo para sentir a presença de Deus
Na opinião do pároco da Paróquia de Nossa Senhora dos Alagados, Josuel Jesus da Silva, o turismo religioso é uma “experiência de piedade” a qual um cristão católico pode vivenciar.
“É uma experiência de fé ou uma experiência de piedade única na qual um fiel pode sair de uma realidade de onde mora e vive, e encontrar naquele lugar, um ambiente de devoção e ao mesmo tempo, um ambiente que pode ajudar a ele a encontrar-se com algo transcendente e magnânimo, que para nós católicos, chamamos de Deus. É poder tocar e pisar o chão daquele lugar e perceber algo único e diferente onde em outros ambientes turísticos, não aparecem. Isso para mim é turismo religioso”, complementa o padre, revelando ser “um desafio e um privilégio”, ser o pároco desta igreja . “Eu me sinto privilegiado, mas também é desafiador por causa do tamanho da responsabilidade. O privilégio é por causa do lugar ser santo, percebo que sou pequeno diante da magnitude de Deus e de sua obra através dos santos. Este lugar tem repercussão mundial, imagine o tamanho da sua importância? Eu me sinto abençoado. E o desafio, por ser um bairro periférico, há alguns percalços. É um lugar carente. Me sinto na missão de conduzir essas pessoas a entender este lugar como especial e elas necessitam preservar, cuidar”.
Hilda Almeida é agente de turismo gestora da Mambré Agência de Turismo Religioso Comunitário. Ela, que integra a Pastoral do Turismo há 15 anos e realiza visitas guiadas pelas igrejas e mosteiros da cidade, vê na prática do turismo religioso a “busca incessante de Deus”.
“ É uma experiência, que entende o ser humano como um buscador de Deus e a vivência de fé como um meio de resposta. O Turismo Religioso Católico é algo maior do que uma visita ou uma simples viagem para conhecer igrejas ou templos locais. É algo amplo, uma contemplação, um constante desejo de compreender e explicar o invisível do belo, da arte. Para mim, é uma busca do sentido da vida, louvando a Deus a todo o momento e a integralidade do serviço humano”, diz a agente.