Por Gina Marocci
A situação em 1625 ainda preocupava a todos, pois poderiam ocorrer novas investidas dos holandeses contra a costa brasileira, afinal ficou claro que a Bahia não tinha um contingente de soldados treinados e devidamente armados para defender a capital, o entorno da Baía de Todos os Santos e o recôncavo. E não faltou investida dos holandeses sobre a região produtora de cana-de-açúcar, pois, em 1630 foi a vez da capitania de Pernambuco, quando eles atacaram e tomaram Recife. Sob o comando de Maurício de Nassau, os batavos ainda tentaram outro ataque contra Salvador em 1638, mas não conseguiram seus objetivos.
Concluído o período de unificação das coroas espanhola e portuguesa, D. João IV (1640-1656) ascende ao trono português com apoio da Inglaterra e fez sua prioridade estruturar o exército português. Foi em seu reinado que ocorreu a expulsão dos holandeses em Pernambuco (1630-1656), no entanto era necessário garantir um contingente preparado para defender os territórios coloniais e, para isso, fomentou-se a formação de engenheiros militares portugueses. A ideia de criar aulas específicas para a formação desses profissionais partiu do Cosmógrafo-mor do Reino e mestre de matemática do Paço da Ribeira, Luís Serrão Pimentel, que esteve no Brasil em 1641, como estagiário em cosmografia e, ao retornar a Portugal, conseguiu que fosse criada a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar na Ribeira das Naus, em 1647, para formar engenheiros, e foi o primeiro professor dela. Seus tratados eram utilizados como material de formação dos partidistas (alunos). Mais tarde, as aulas foram transferidas para o Terreiro do Paço, onde passaram a ter o nome de Academia Militar (Carvalho, 2000).

A criação das Aulas permitiu que indivíduos provenientes de camadas menos abastadas da sociedade portuguesa conquistassem ascensão e valorização social pela profissionalização e por ingresso na carreira militar, e tornou o engenheiro militar, elemento fundamental para a consolidação do Império Colonial Português, o braço do rei que se materializou fundando vilas e cidades, demarcando territórios, consolidando fronteiras (Marocci, 2011). No entanto, o reinado de D. Afonso VI (1656-1683), foi marcado pela perda de praças para a Inglaterra (Bombaim e Tânger) e a Holanda (Ceilão, Cranganor, Negapatam, Cochim, Coulam e Cananor). Por conta disso, o seu sucessor, D. Pedro II (1683-1706), se lançou ao Brasil e às colônias da África e criou aulas, similares àquelas oferecidas na Ribeira das Naus, na Bahia (1696), no Rio de Janeiro (1698), no Maranhão (1699) e em Pernambuco (1701), pois a formação de profissionais competentes na engenharia militar tornou-se de extrema importância ante a situação política europeia, momento de consolidação de monarquias absolutistas.
Em meados do século XVII havia o medo de novas investidas dos holandeses e também dos espanhóis contra a costa brasileira, então, promover a defesa dos principais núcleos urbanos era fundamental. Em Salvador, o rápido crescimento da cidade foi um dos principais impedimentos para a estruturação de um sistema defesa da cidade. Trincheiras e redutos foram tomados pelos quintais, as fortificações foram depredadas com a retirada de seus materiais para construção de casas particulares. Aterros sucessivos realizados na cidade baixa, para construção de edifícios e aumento do porto anularam as linhas de tido dos fortes (Oliveira, 2004). O estudo de Salvador em 1650, elaborado pelo Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia (UFBA,1998), indica como a cidade se adensou com a adição da área correspondente ao Carmo e a Santo Antônio, e com as áreas de expansão para a segunda cumeada, nomeadamente, a Saúde, a Palma e o Desterro. Na cidade alta, o Forte de Santo Antônio Além do Carmo é a proteção do extremo norte. Na cidade baixa, o Forte da Laje já está inserido no sistema de fortificações. Ao Sul, para além das Portas de São Bento, os beneditinos ordenavam o fluxo fora das portas até o Forte de São Pedro.

Nas duas últimas décadas do século XVII, o engenheiro militar português, capitão João Coutinho, que serviu em Pernambuco, foi responsável pelo primeiro plano de defesa de Salvador, que foi implantado parcialmente, mas serviu como referência para os projetos posteriores elaborados no século XVIII. Como medida de ordenamento das construções na cidade baixa, Coutinho propôs uma legislação que obrigasse a existência de uma autorização real para se construir e que os cais mais avançados ao mar deveriam ter uma circulação onde pudessem ser instaladas baterias. Esta rua paralela à linha da costa deveria ter ligação com as transversais, por onde viriam carretas de artilharia para defender o porto (Oliveira, 2004).
A necessidade de ter engenheiros militares fixados definitivamente no Brasil estava relacionada aos graves problemas da construção civil e militar na colônia e à qualificação de mão de obra. Na Bahia, a Aula Militar foi oficializada em 1699 (pois já funcionava desde 1696). Assim como ocorria na metrópole, esses profissionais deveriam lecionar, ou seja, formar novos engenheiros, trabalhar a serviço da Coroa, das câmaras municipais e para particulares. Eles eram arruadores e medidores oficiais das câmaras, participavam da marcação das novas fundações e dos novos alinhamentos de ruas, largos, praças e edifícios. Essa gama de atividades assumidas pelos engenheiros militares reflete a importância das Aulas numa sociedade escravocrata, cujos senhores abastados tinham pouca preocupação com a instrução de seus filhos, muito menos das outras camadas da população. Para Bueno (2003), as Aulas Militares no Brasil, apesar de funcionarem com pequenos períodos de interrupção, foram os primeiros polos irradiadores da cultura arquitetônica na colônia.
Grandes profissionais portugueses estiveram na Bahia atuando como professores, até a primeira metade do século XVIII: capitão José Paes Esteves, por ordem do governador-geral (antes da Ordem Régia de 1699); mestre de campo Miguel Pereira da Costa; sargento-mor Gaspar de Abreu, professor de Arquitetura Militar, que cumpriu suas atividades até o ano de 1718; o tenente e mestre de campo Nicolau de Abreu Carvalho e o coronel Manuel Cardoso de Saldanha (Oliveira, 2004). A partir de 1761, brasileiros assumiram as Aulas da Bahia.

BUENO B. P. S. Desenho e Desígnio: o Brasil dos engenheiros militares (1500-1822). 2001. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
CARVALHO, J. F. Luís Serrão Pimentel, o Método Lusitano e a Fortificação. 2000. Dissertação (Mestrado em Teoria da Arquitetura) – Universidade Lusíada, Lisboa, 2000, p. 12.
MAROCCI, G. V. P. O Iluminismo e a urbanística portuguesa: Lisboa, Porto e Salvador no século XVIII. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
OLIVEIRA, M. M de. As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça do Brasil. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia. Evolução Física de Salvador. Edição especial. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 1998.