Neste mês de maio, dedicado às mães, a terapeuta parental Gabi Moutinho lança um convite poderoso: olhar com mais empatia e profundidade para a impaciência que tantas mulheres sentem ao exercer a maternidade. Longe de julgamentos, ela propõe uma escuta sensível e embasada na neurociência para compreender esse sentimento que, embora comum, costuma ser sufocado por culpa e silêncio.
“Muitas mães chegam ao limite e se sentem péssimas por isso. Mas essa impaciência não é um defeito, é um sinal. Um pedido de ajuda do corpo, da mente e, muitas vezes, da história de vida”, explica Gabi, que alia sua experiência como mãe à formação em terapia sistêmica e neurociência para oferecer acolhimento e caminhos práticos para mães exaustas.
Nesta conversa, ela nos convida a entender como o cansaço, as memórias de uma infância marcada por violências naturalizadas e a sobrecarga emocional se entrelaçam na construção da maternidade contemporânea. Um diálogo necessário para que mães deixem de se culpar e comecem a se cuidar.
Doris Pinheiro – Como lidar com a impaciência na maternidade?
Gabi Moutinho – Para aprender a lidar com a impaciência é preciso identificar a origem dela. Não é a maternidade que faz a mãe perder a paciência. A questão é que os filhos são gatilhos para dores que estavam plasmadas.
Então todas as dores mal resolvidas vêm à tona na maternidade porque ela sacode “toda a poeira que estava debaixo do tapete”.
Tenho visto muitas mães se libertarem desse ciclo quando começam a olhar com carinho para a própria história, isso é um dos passos mais importantes que eu recomendo para todas as mães.
DP – O que pode causar a impaciência?
GM – Em se tratando da maternidade, tudo na rotina da mãe pode ser um ativador do gatilho: sobrecarga, privação de sono, dores físicas e mentais, medo do desconhecido, sensação de impotência diante de uma situação com o filho… tudo pode transbordar esse limite emocional.
Eu falo “transbordar” porque a impaciência é a soma de situações mal digeridas ao longo da vida.
Entender essa raiz emocional pode ajudar a mãe a retomar o controle, sem culpa nem rigidez.
DP – A exigência da super mulher que existe hoje é uma armadilha?
GM – Pode ser uma armadilha se a mãe não estiver emocionalmente preparada.
Uma mãe preparada sabe que a origem das suas emoções está na sua infância. Sabendo lidar com suas emoções basais, ela saberá lidar com críticas, pressões e imposições sociais.
Em outras palavras, eu diria que só cai na armadilha quem acredita que a super mulher precisa dar conta de tudo. A super mulher não precisa dar conta de tudo, ela precisa dar conta de si.Esse é um dos pilares do meu trabalho: ajudar mães a se reconectarem consigo mesmas, entendendo sua história e rompendo esse padrão de autossuficiência solitária.

DP – Como a forma como a mãe foi criada por seus pais influencia na forma como ela cria seus filhos?
GM – Influencia diretamente. O que acontece na infância não fica na infância.
A infância molda nossas escolhas, a forma como a gente se relaciona com as pessoas e com o mundo ao longo da vida.
Esse é um dos temas mais urgentes da maternidade moderna, eu inclusive fiz um e-book com ferramentas práticas para identificar as dores de infância e quebrar esse ciclo de repetição tão doloroso para mães e filhos.
DP – Como se livrar da culpa e chegar a um equilíbrio em meio a tantas cobranças?
GM – Primeiro, é importante entender o que é a culpa. Ela só existe porque, no fundo, temos a sensação de que poderíamos fazer diferente.
A melhor maneira de chegar a um meio termo é identificando a origem da culpa e se perguntando: “estou fazendo tudo o que posso?”
Ainda que nenhuma mãe consiga fazer tudo, olhar para seu passado é a coisa mais importante que ela pode fazer.
Acredito muito que, para cuidar da criança que uma mãe tem, é preciso primeiro cuidar da criança que ela foi.

DP – O quanto é necessário uma mãe/mulher se entender como ser individual?
GM – Extremamente necessário.
Uma mãe só é capaz de cuidar racionalmente de um filho se cuidar de si primeiro. Caso contrário, ela perderá facilmente a paciência, a racionalidade, a amorosidade -ainda que ame muito seu filho.
Esses atributos são fundamentais para educar uma criança de maneira emocionalmente saudável.
Muitas mães chegam até mim em busca de ferramentas para se reencontrar nesse papel. E, ao se reencontrarem, descobrem uma maternidade mais leve, mais consciente e, principalmente, mais verdadeira.