Por Gina Marocci
No século XVIII foram construídos belos e ricos sobrados, casas de abastados homens de negócios e senhores latifundiários no que chamamos hoje de centro histórico de Salvador e regiões adjacentes. Podemos exemplificar essas casas senhoriais com duas preciosidades: a casa do barão do Rio Real e o Solar Berquó. A casa do barão do Rio Real, considerada uma das primeiras edificações do bairro de Nazaré, foi erguida em um terreno de esquina, possui área verde frontal, e é constituída de dois pavimentos, o térreo e o andar nobre, mais um mirante e um pequeno porão. A entrada é centralizada no térreo e tem duas janelas guilhotinas de cada lado. O andar nobre possui cinco janelas rasgadas, que dão acesso a pequenas sacadas protegidas com gradil de ferro.
O Solar Berquó, sede do IPHAN, está implantado num grande terreno no sopé de uma das ladeiras que dão acesso à Baixa do Sapateiros. A entrada principal é marcada por uma portada em arenito, cujo frontão indica o início da construção, o ano de 1691. O seu proprietário era Francisco Antônio Berquó da Silveira, Ouvidor do Crime, que nele habitou em meados do século XVIII. O edifício, de planta mais ou menos quadrangular, desenvolve-se em torno de um pátio e escadaria central e possui, além do subsolo, dois pavimentos sobre a rua e sótão. No andar nobre, os três salões da frente têm janelas rasgadas que abrem para balcões sobre a rua.
Mas, como moravam os ricos? Que mobiliário eles utilizavam? E os espaços, como eram divididos no século XVIII? Cabe lembrar que havia diferença entre as casas de fazendas e os sobrados urbanos, portanto, aqui vamos tratar apenas das casas urbanas.
Apesar da riqueza oriunda da produção de açúcar, fumo e do tráfico de escravizados, bem como do comércio de importação, as habitações no Brasil colonial não tinham o luxo nem o conforto das casas urbanas portuguesas. No início do século XVIII, o mobiliário era bastante reduzido, com poucas cadeiras e mesas, além de caixas e baús para guardar roupas e objetos. Já na Europa, ao longo do século XVIII, os ateliês de fabricação de móveis de luxo ampliaram a tipologia dos móveis por conta da diversificação dos hábitos domésticos, pela procura de peças refinadas para as ocasiões especiais, mas também as que promovessem conforto nos ambientes íntimos. Profissionais como arquitetos, ebanistas (profissionais especializados na criação e construção de móveis artesanais de madeiras nobres) e desenhistas de ornamentos publicavam gravuras avulsas, livros ilustrados e catálogos de manufaturas para atender uma clientela que encomendava e colecionava mobiliário de luxo (Brandão, 2010). Além desses profissionais, os ateliês tinham entalhadores, estofadores e porcelanistas de objetos decorativos de alto padrão de qualidade. Um dos mais famosos ateliês do século XVIII foi o de Thomas Chippendalee, em Londres. Ele iniciou sua vida profissional como um respeitado marceneiro, cujos móveis eram feitos artesanalmente com materiais de alta qualidade, o que o fez ser requisitado por uma clientela de produtos de luxo. Foi o primeiro marceneiro a publicar um livro de seus projetos e era respeitado por artistas e arquitetos. O desenho das suas criações demonstrava uma perfeita integração entre curvas e linhas, o que lhe rendeu o apelido de mestre da linha curva.
Já no Brasil, a situação era diferente, tendo em vista que poucos tinham recursos para importar móveis e objetos de decoração. Os materiais utilizados na confecção dos móveis, excluindo-se a madeira e o couro, vinham da Inglaterra pelos portos de Lisboa e do Porto. A historiadora Maria Helena Flexor, que tem importantes pesquisas sobre a Salvador colonial, concluiu pelos estudos dos inventários de baianos e portugueses, que moraram em Salvador nos séculos XVIII e XIX, que os bens deles consistiam principalmente de imóveis, joias, dinheiro e escravos, e raramente móveis que merecessem algum destaque (Flexor, 2009). Em sua pesquisa, a autora observa que não havia a ideia de mobília, que designa móveis que formam um conjunto para determinado uso, como para um quarto, ou sala. Portanto, ela os nomeou de acordo com a utilidade: a. móveis de guardar – caixas, arcas, cômodas, frasqueiras, cofres, armários, guarda-roupas, guarda-louças; b. móveis de trabalho – contadores, papeleiras; c. móveis de descanso – leitos, camas, catres, preguiceiros, cadeiras, tamboretes, sofás, canapés e outros; d. móveis de refeição e decoração – mesas, bofetes, bancas, tremós; e. móveis de higiene – toucadores, gamelas, tinas ou tigres; f. móveis de oração – oratórios, altares de dizer missa; g. móveis de transporte – (redes); 4, serpentinas, cadeirinhas de arruar.
Madeiras escuras e claras eram utilizadas para a confecção dos móveis, enquanto que nos assentos e encostos das cadeiras eram forrados com couro. As ferragens vinham de Portugal, mas fechaduras, chaves e missagras eram também confeccionadas por serralheiros em Salvador.
Havia os móveis de luxo, os ordinários e os toscos. Móveis usados também eram vendidos por marceneiros ou em leilões.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, A. Anotações para uma história do mobiliário brasileiro do século XVIII. Revista CPC, São Paulo, n. 9, p. 42-64, nov. 2009/abr. 2010.
FLEXOR, M. H. O. Mobiliário baiano. Brasília, DF: Iphan / Programa Monumenta, 2009.