Por Kostas Papageorgiou
The Conversation
As pessoas são obcecadas pelo narcisismo e pelos narcisistas. Elas querem saber se são narcisistas, se estão namorando um narcisista, se o seu chefe é narcisista, se o seu cão é narcisista — e por aí vai.
Mas muito menos pessoas parecem estar se perguntando sobre o extremo oposto do narcisismo: o ecoísmo.
Para compreender este traço de modéstia, vale a pena começar se aventurando pela mitologia grega. Foi de lá que surgiram os termos “narcisismo” e “ecoísmo”.
Eco era uma ninfa com uma bela voz, que ela usava para manter conversas agradáveis e distrair Hera, a rainha dos deuses.
Assim, Hera não perceberia as infidelidades do seu marido (Zeus) com as amigas de Eco (outras ninfas da montanha).
Hera acabou descobrindo o jogo de Eco e a castigou, fazendo com que ela não tivesse mais controle da própria língua. Eco só conseguiria falar quando alguém falasse com ela antes — e só poderia repetir as últimas palavras da outra pessoa.
Esta punição custou caro para Eco, mas seu verdadeiro sofrimento começou quando ela se apaixonou por Narciso, um caçador conhecido pela sua extraordinária beleza.
A forte rejeição de Narciso por Eco, por não poder falar suas próprias palavras, causou a ela tanto sofrimento que, no final, nada havia sobrado dela, além da sua voz.
Pessoas ecoístas se concentram em atender às necessidades dos demais para evitar considerar as suas próprias, assim como na mitologia, quando Eco ajudou as outras ninfas a namorar o rei dos deuses.
Os ecoístas são incapazes de expressar seus próprios desejos e pensamentos, receando que isso possa gerar sentimentos de vergonha ou falta de amor. Eles tendem a ser empáticos e evitam ou até rejeitam a atenção.
Outras características do ecoísmo podem incluir a incapacidade de estabelecer limites, a tendência de assumir forte sentimento de culpa e pedir muito pouco aos demais, com medo de que isso possa sobrecarregá-los, ou ser considerado uma tentativa de chamar a atenção.
Na mitologia, Narciso e Eco são opostos. Eles são ilustrados como entidades interligadas, mas separadas.
É preciso entender o narcisismo para poder compreender o ecoísmo, que é considerado o extremo oposto do espectro narcisista.
Os opostos se atraem
Os ecoístas e os narcisistas podem se atrair uns aos outros.
Pode ser fácil imaginar que o narcisista é o agressor e ecoísta é a vítima em um relacionamento. Mas a verdade é que as duas partes satisfazem certas necessidades.
O narcisista irá monopolizar a atenção sem nenhum questionamento ou ameaça ao seu ego. Paralelamente, o ecoísta irá se esconder na sombra do narcisista, de forma a satisfazer sua tendência de rejeitar a atenção dos demais.
Indo além das dicotomias simplistas entre boas e más personalidades, a moral do mito e a interpretação das recentes descobertas sobre o narcisismo indicam que qualquer coisa, em muita ou pouca quantidade, pode ser catastrófica para uma pessoa e para os demais à sua volta.
Na mitologia, Eco e Narciso morrem tragicamente com pouca idade, pelo desespero causado por suas escolhas erradas e necessidades não atendidas.
Nos dias atuais, o transtorno de personalidade narcisista (o extremo superior do espectro narcisista) e o ecoísmo (não existe, no ecoísmo, um distúrbio de personalidade equivalente ao narcisismo) podem contribuir para gerar problemas de saúde mental, isolamento e solidão.
Por outro lado, um nível saudável de narcisismo, ainda que levemente elevado, pode colaborar para atingir resultados positivos, como a redução de doenças mentais e melhor desempenho sob tensão — principalmente o “narcisismo grandioso” (um senso inflado de importância e preocupação com status e poder).
Isso ocorre porque níveis levemente elevados de narcisismo grandioso foram consistentemente relacionados ao aumento da resiliência aos transtornos mentais.
Também já demonstramos que, sob tensão para realizar um teste cognitivo, os narcisistas grandiosos aparentemente têm a capacidade de ignorar o feedback enganoso e se concentrar na tarefa que têm à sua frente.
Mas, para compreender o grau de narcisismo ou ecoísmo que é necessário antes de se tornar tóxico, precisamos alterar a nossa forma de perceber a natureza humana.
Em vez de pensar nos traços de personalidade como algo fixo (ou você é ecoísta, ou não é), devemos nos concentrar em compreender como o nosso comportamento e personalidade se altera todos os dias, dependendo das exigências do complexo ambiente social no qual todos nós vivemos.
*Kostas Papageorgiou é professor de psicologia da Universidade Queen’s de Belfast, no Reino Unido.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.