O Brasil tem a maior diversidade genética do mundo
Da Redação
“Nós revelamos uma notável diversidade genômica dos brasileiros, com a identificação de mais de 8 milhões de novas variantes.” Essa frase abre um estudo revolucionário publicado na prestigiada revista Science e resume o impacto de uma das maiores investigações genéticas já realizadas na América Latina. Conduzido por 24 cientistas de 12 instituições, o projeto sequenciou o genoma completo de 2.723 indivíduos de todas as regiões do Brasil — e revelou um mosaico genético sem precedentes no planeta.
Mais do que um feito científico, os resultados lançam luz sobre a história do país, desafiam o eurocentrismo dos bancos genéticos globais e pavimentam o caminho para avanços na medicina de precisão no Brasil.
Um DNA como nenhum outro
O DNA humano é 99,9% idêntico em todos os indivíduos. É nos 0,1% que residem as variações que definem nossas características físicas, predisposições a doenças e até respostas a medicamentos. No caso dos brasileiros, essas variações são especialmente gerais e complexas: o estudo convenções 8.721.871 mutações inéditas , nunca antes registradas em bancos de dados internacionais.
Esse número impressionante é consequência direta da origem miscigenada da população brasileira , formada por séculos de entrelaçamento genético entre indígenas, africanos, europeus e, em menor escala, asiáticos e outros povos. Ao comparar o material genético dos brasileiros com o de 270 mil pessoas de outras nacionalidades, os pesquisadores não apenas encontraram essas variantes únicas, como constataram que o Brasil possui a maior diversidade genética do mundo .
DNA que conta histórias
O projeto “DNA do Brasil”, iniciado em 2019 e abraçado pelo Ministério da Saúde em 2020, foi além da técnica de análise. Ele trouxe à tona a própria história do país — não a contada apenas nos livros, mas aquela gravada nas moléculas que compõem nossos corpos.
O DNA revelou, por exemplo:
· Fragmentos genéticos de povos indígenas extintos na colonização, ainda presentes na população atual;
· Combinações de genomas africanos únicos , formadas pela mistura de grupos distantes entre si no continente africano, mas que foram encontradas no Brasil escravocrata;
· Uma assimetria genética de gênero : 71% das linhagens do cromossomo Y (herança paterna) são europeias, enquanto 42% das mitocôndrias (herança materna) são africanas e 35% indígenas — reflexo direto da violência sexual durante a colonização.
“É o DNA confirmando aquilo que a história já contava. Uma cicatriz de violência do nosso país”, diz a geneticista Maria Cátira Bortolini, coautora do artigo.
Impactos na medicina e na saúde pública
As descobertas não são apenas acadêmicas. Elas têm implicações práticas diretas na saúde dos brasileiros . O estudo envolve 36.637 variantes genéticas ambientais nocivas — mutações que podem influenciar o risco de doenças como hipertensão, colesterol alto, obesidade, malária, hepatite e tuberculose.
Esses dados, antes de ausentes dos bancos internacionais focados em questões brancas europeias ou norte-americanas, permitirão:
· Testes genéticos mais precisos , com bases de comparação com a diversidade brasileira;
· Diagnósticos mais confiáveis para doenças raras e complexas;
· Desenvolvimento de medicamentos e tratamentos personalizados , com base nas variantes mais comuns no Brasil;
· Formulação de políticas públicas em saúde , voltadas às necessidades reais da população.
A geneticista Lygia da Veiga Pereira, coordenadora do projeto, destaca: “Agora temos uma base sólida que representa quem somos de verdade. Isso nos permitirá compensar diagnósticos e terapias para a realidade brasileira.”
Evidências de seleção natural
Além das doenças, o estudo também encontrou sugestões de seleção natural em ação no DNA brasileiro . Algumas variantes foram demonstradas associadas à fertilidade (idade da menarca e menopausa, número de filhos), ao metabolismo (índice de massa corporal, níveis de colesterol) e ao sistema imunológico (resistência a retrovírus e infecções).
Essas variações, que se mostraram vantagens no passado, podem ter novos significados hoje. “Um gene que retardava o metabolismo da gordura, benéfico em tempos de deficiência, hoje pode estar associado à obesidade”, explica Pereira.
Diversidade por região
O mapeamento métrico detalhado também revelou diferenças regionais marcantes no Brasil:
· Norte : maior presença de ancestralidade indígena;
· Nordeste : forte influência africana;
· Sul : predominância europeia (sobretudo do sul da Europa);
· Sudeste e Centro-Oeste : maior mistura das três origens.
Apesar disso, mesmo dentro de cada região, há grande variabilidade. A história da miscigenação é também a história da mobilidade, da migração internacional e da diversidade cultural brasileira.
O futuro começa agora
A primeira etapa do projeto analisou 2,7 mil pessoas. Em breve, uma nova leva com mais de 12 mil genomas , incluindo populações tradicionais como quilombolas, ribeirinhos e caiçaras, deve ser incorporada ao banco nacional — o primeiro do tipo na América Latina.
Esse banco, administrado pelo Ministério da Saúde, estará aberto a pesquisadores do Brasil e do mundo, democratizando o acesso aos dados e incentivando descobertas futuras.
O objetivo é claro: usar a ciência para transformar vidas , com uma medicina mais justa, inclusiva e eficaz.
“O brasileiro é um mosaico genético único. Conhecer nossa genética é conhecer melhor a nós mesmos — e cuidar melhor da nossa saúde”, conclui Tábita Hünemeier, uma das cientistas à frente do projeto.
Foram identificadas 8,7 milhões de variações genéticas nunca antes catalogadas;
O Brasil tem o DNA mais diverso do mundo;
As descobertas ajudam a explicar a história do país e podem revolucionar a medicina no Brasil;
A pesquisa traz luz para doenças antes ignoradas e abre caminhos para tratamentos mais eficazes.
Fontes: Revista Science, pesquisadores do projeto DNA do Brasil, Ministério da Saúde, USP, UFRGS