Por Gina Marocci
Em maio de 1625, um ano após a tomada de Salvador pelos mercenários da Companhia das Índias Ocidentais (WIC), a cidade foi restituída ao governo espanhol de Felipe IV. A invasão de 1624 foi o primeiro passo da campanha holandesa pelo controle do Atlântico Sul, entre os anos de 1624 e 1654. Conforme Forjaz (2024), a campanha holandesa pode ser dividida em quatro fases: “a invasão da Bahia (1624 a 1625), a conquista do Nordeste (1630 a 1636), o período Nassoviano (1637 a 1644) e a Insurreição Pernambucana (1645 a 1654)”.
O exército holandês, que não era tão holandês assim, era composto de mercenárias vindos de várias partes da Europa e contava com mais de 3 mil homens sob o comando de Jacob Willekens, auxiliado pelo famoso pirata Pieter Pieterzoon Heyn. O coronel Johan van Dorth assumiu o governo das terras conquistadas. O governador-geral Diogo de Mendonça Furtado e outras autoridades foram presos e enviados à Holanda.

Naquela época, Salvador possuía mais de 5 mil habitantes, cerca de mil casas, mas apenas 80 soldados regulares, e grupos de soldados arregimentados entre os colonos e escravizados armados. Apenas 4 fortes, o de Santo Antônio da Barra, o de Itapagipe (Monserrate), o fortim de Água de Meninos (Lagartixa) e o reduto de Santo Alberto, no Corpo Santo (Oliveira, 2004). Além deles, algumas plataformas e baterias, ambas com poucas peças de artilharia guarneciam a cidade.
Após saquear as casas, conventos e igrejas da cidade, além de apreender as mercadorias dos armazéns e trapiches da cidade baixa, os invasores transformaram as acomodações do colégio dos jesuítas, no Terreiro de Jesus, em depósito, aquartelaram soldados nas igrejas e conventos do Carmo e de São Bento. Como haviam percebido que as defesas da cidade eram ineficientes, trataram de distribuir peças de artilharia para os fortes conquistados, cavaram trincheiras, levantaram parapeitos e estabeleceram postos de vigília (Forjaz, 2024). Apesar de não terem construído novas fortificações, os invasores escolheram locais estratégicos e lançaram as bases para fortalezas, que seriam erguidas posteriormente pelos portugueses, nas proximidades da ermida de São Pedro, no Santo Antônio Além do Carmo e no outeiro do Barbalho. Além disso, limparam os campos em volta da cidade e demoliram algumas edificações que prejudicavam as linhas de tiro (Oliveira, 2004).
A principal obra de defesa da cidade foi a criação de um dique, posteriormente chamado de dique dos holandeses ou dique pequeno. Isso foi possível com o represamento do rio das Tripas, que alcançava o atual trecho das Sete Portas. Mais adiante havia uma lagoa natural (dique do Tororó).
Para entender a dimensão do dique dos holandeses, que foi criado em apenas um ano, vamos nos valer de dois mapas: o primeiro, do engenheiro militar português João Teixeira Albernaz, do início do século XVII; o outro, do engenheiro militar Joos Coecke, de 1624. O mapa de Albernaz representa a cidade do Salvador, do trecho do Mosteiro de São Bento (extramuros) até a região do Taboão-Ladeira do Carmo, que se estendia para fora das portas da cidade.
Para nos situarmos melhor, as duas praças da cidade estão sinalizadas: em amarelo, o Terreiro de Jesus; em vermelho, a praça do poder civil, local da Casa de Câmara e Cadeia e do Palácio do Governo-Geral do Brasil. Os quarteirões estão desenhados em um tom de cinza-claro, enquanto que as ruas são indicadas em tom terroso, assim como os muros de defesa da cidade, que foram construídos inicialmente em taipa.
O rio das Tripas, cujo nome provém do despejo de restos de animais abatidos nos açougues da cidade, que está atualmente canalizado sob a Avenida José Joaquim Seabra (Baixa dos Sapateiros), nasce nas hortas do Mosteiro de São Bento. Está representado em azul, no alto do mapa, no vale que separa a cumeada da cidade já estabelecida da zona de expansão dos futuros bairros da Saúde, Palma e Desterro.
As áreas em marrom escuro representam as encostas íngremes. Na cidade baixa, além do porto são representadas poucas construções. Sobre o aterro que foi, paulatinamente, ampliando a área correspondente ao bairro do Comércio.

Os batavos perceberam de imediato que o represamento do rio guardaria a parte leste da cidade, continente adentro. O mapa de 1624, atribuído ao engenheiro militar Joos Coecke, que participou da ocupação da cidade, mostra uma parte do dique dos holandeses, representado em azul. Para facilitar a leitura do mapa, vamos indicar os mesmos locais do mapa anterior: em amarelo, o Terreiro de Jesus; em vermelho, a praça do poder civil, local da Casa de Câmara e Cadeia e do Palácio do Governo-Geral do Brasil.
Ao comparar os dois mapas vemos que o represamento do rio das Tripas ocupou todo o vale, no qual foram construídas pontes para cruzar o dique. Coecke representou os quarteirões em tom terroso e em cinza-escuro estruturas de defesa da cidade, que não há certeza se foram construídas. Na cidade baixa, na linha dos cais, esses elementos em cinza-claro também estão presentes, e acreditamos que seriam o reforço de baterias já existentes ou ampliações delas.

Nas primeiras semanas de ocupação, poucos moradores retornaram a suas casas. E a partir da reorganização do povo nos subúrbios e no Recôncavo, os invasores começaram a sofrer emboscadas quando saíam dos limites urbanos da cidade. Pouco a pouco, as guarnições holandesas isoladas, como em Água de Meninos, Monserrat e na Barra, foram evacuadas, enquanto que os moradores de Salvador e do Recôncavo faziam novas trincheiras cada vez mais próximas dos muros da cidade. Grupos de emboscada se instalaram em Itapagipe, Itapuã, Rio Vermelho, Barbalho, São Pedro e São Bento, além da estrada da Vitória. Em Itaparica, soldados e indígenas tomaram armas, munições e embarcações dos holandeses (Tavares, 2001).
Uma questão foi fundamental para derrubar o moral dos invasores: a fome! Salvador dependia fundamentalmente do Recôncavo e, após a invasão, os gêneros alimentícios não mais chegavam ao porto. D. Fradique de Toledo y Osório e D. Manuel de Meneses chegaram à Baía de Todos os Santos em 1 de abril de 1625, com reforços vindos de Portugal, Espanha e Nápoles. Ocorreram ataques por terra e por mar e, assim, em 1 de maio a cidade foi restituída.
A partir de 1625, novos fortes foram erguidos com o apoio do governador-geral Diogo Luiz de Oliveira, e as especificações do engenheiro militar Francisco Frias de Mesquita, que tratou de recuperar os fortes existentes. Em Vila Velha foram erguidos os fortes de Santa Maria e São Diogo e em Pirajá, o Forte de São Bartolomeu da Passagem. Na cidade baixa, do extremo norte ao sul reforçou-se o forte de Monserrate, construiu-se o forte do Rosário (Água de Meninos), preparam-se várias trincheiras e no forte de Santo Antônio da Barra construíram-se mais baterias. Na cidade alta, construíram-se fortificações permanentes em Santo Antônio Além do Carmo, Barbalho e São Pedro. Iniciou-se, também, a construção do forte de Nossa Senhora do Pópulo e São Marcelo.
REFERÊNCIAS
DOMINGUES, J E. Linha do tempo da primeira invasão holandesa: Salvador, Bahia. Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/primeira-invasao-holandesa-salvador-bahia/. Acesso em: 13 mai. 2025.
FORJAZ, C. R. IV Centenário do início das invasões holandesas no Brasil. 1.ª Batalha de São Salvador (maio de 1624). Revista Militar, n. 2667, abr. 2024. Disponível em: https://www.revistamilitar.pt/artigo/1779. Acesso em: 13 mai. 2025.
OLIVEIRA, M. M de. As fortificações portuguesas de Salvador quando cabeça do Brasil. Salvador: Fundação Gregório de Matos, 2004.
TAVARES, L. H. D. História da Bahia. 10. ed. São Paulo: UNESP; Salvador, BA: EDUFBA, 2001.